####O BOLETIM ADULTERADO

IVY

Lilibeth nunca gostou de estudar. Odiava livros, cadernos, odiava até o som do lápis riscando o papel. Passava as tardes ociosas, rindo, brincando, inventando intrigas com os empregados. Eu era o contrário. Para mim, os estudos eram como respirar. Talvez fosse a herança da minha mãe — aquela mente brilhante, que lia fórmulas como poesia. Eu aprendia com facilidade, sempre à frente dos demais.

Tínhamos dois anos de diferença, mas eu, com nove, já estava adiantada, e por ironia do destino, estudávamos na mesma sala. Eu tirava sempre A+, as melhores notas possíveis, enquanto Lilibeth colecionava C- e D, quase tocando o temido F.

Mas, misteriosamente, na hora dos boletins, tudo mudava. As notas altas iam parar no papel dela. As notas baixas, no meu.

Até hoje não sei como Clarice conseguia fazer isso. Talvez subornando funcionários da escola, talvez usando contatos, talvez simplesmente manipulando com aquela frieza calculista que só ela tinha. Só sei que o resultado era sempre o mesmo: Lilibeth aparecia como a filha prodígio, e eu como a decepcionante.

Eu nunca vou esquecer a expressão do meu pai, segurando aquele boletim adulterado nas mãos. O rosto dele murcho, decepcionado.

— Minha filha… o que aconteceu com você? — disse uma vez, balançando a cabeça. — Depois que sua mãe partiu, você só tira notas vermelhas. Estou muito triste com você.

Meu coração se despedaçou.

— Papai, não são minhas! — implorei. — São de Lilibeth! Pergunte aos professores, eles vão confirmar!

Ele suspirou fundo, cansado. Desde a morte da mamãe, o trabalho o consumia, e a dor o deixava distraído, exausto.

— Não invente histórias, Ivy. Está no papel. E o papel não mente.

Eu queria gritar que sim, o papel mente, que as pessoas mentem, que a verdade pode ser facilmente virada contra nós. Mas as palavras morreram na minha garganta.

Ele continuou:

— Acho que preciso te levar ao psicólogo. Talvez você não tenha superado a perda da sua mãe. E também… seus dentinhos estão ficando tortos, vou pedir para o ortodontista te avaliar. E marcar com o oftalmologista, você vive reclamando dos óculos. Vou pedir para Clarice te levar.

Meus olhos se encheram de lágrimas.

— Não, papai, por favor. Não deixe ela me levar. Vá o senhor comigo. Só o senhor sabe o que eu tenho.

Ele passou a mão pela testa, cansado.

— Está bem, minha filha. Vou remarcar uma reunião e eu mesmo vou te levar. Mas, por favor, melhore suas notas. Você está me deixando muito triste.

Não adiantava. Eu podia implorar, podia jurar que os professores confirmaria minha dedicação, mas ele preferia acreditar no boletim de papel do que na minha voz.

E assim, pouco a pouco, fui sendo apagada dentro da minha própria casa. Clarice ganhava espaço, Lilibeth crescia como uma sombra venenosa, e eu me tornava cada vez mais invisível aos olhos do meu pai.

IVY

No outro dia, quando cheguei à escola, não consegui mais segurar aquilo dentro de mim. Procurei minha professora logo cedo.

— Professora, eu posso falar com a senhora em particular? — perguntei, tentando não deixar que minha voz tremesse.

Ela sorriu, solícita. — Claro, Ivy. O que aconteceu?

Respirei fundo e fui direta:

— Quanto eu tirei na última prova?

Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa com a pergunta. — Você? A+, como sempre. Inclusive, todos nós temos muito orgulho de você. Já pensamos até em falar com a direção da escola para te encaminhar para outro nível, porque este está fácil demais para você. Você tem uma inteligência extraordinária.

Meus olhos marejaram. Eu sabia! Mas engoli em seco.

— Professora… na hora que chega o boletim, a minha madrasta mostra para o meu pai todas as notas negativas. C-, D+, quase F. Não são as minhas notas. Eu não sei como isso está acontecendo.

A professora se espantou. — Mas quem tira essas médias ruins é a sua irmã. Quer dizer, a sua meia-irmã, Lilibeth.

Assenti, com lágrimas caindo sem que eu pudesse conter.

— Sim. Eu falei com o papai, mas ele disse que “o papel não mente”. Só que quem sempre vai às reuniões é a Clarice, porque ele nunca tem tempo. Então, não sei o que está acontecendo.

Ela me olhou com compaixão e firmeza.

— Ivy, nós vamos resolver isso. Vou reunir os professores e todos vamos assinar um documento. Vamos mudar você de sala, adiantar você dois anos à frente. Assim não haverá mais como confundir suas notas com as da sua irmã. Não podemos provar quem está adulterando os registros, mas claramente alguém na secretaria está sendo pago para isso. Então, para te proteger e também a nós, vamos tomar essa providência.

Um alívio inundou meu peito.

— Obrigada, professora. De verdade.

E assim foi. Eu fui adiantada dois anos na escola, deixando Lilibeth para trás, repetindo ano após ano. Aos dezesseis anos, eu já estava entrando na universidade, enquanto ela continuava estagnada, colecionando fracassos.

Depois disso, Clarice nunca mais mostrou boletim nenhum ao meu pai. E ele, ocupado demais, nem sequer percebeu que eu havia avançado de série, nem que estava ingressando na faculdade.

Ele vivia tão mergulhado no trabalho que já parecia carregar um peso invisível nos ombros. O que me intrigava é que ele não dividia o quarto com Clarice. Continuava dormindo sozinho no quarto que um dia fora dele e da mamãe. Clarice, por sua vez, montou um quarto luxuoso apenas para ela, como se fosse uma rainha.

Na época, eu era jovem demais para compreender aquelas coisas de adulto. Não entendia porque eles viviam separados. Eu só via meu pai cada vez mais cansado, mais desanimado desde que mamãe se foi. E, no fundo do meu coração, eu temia.

Será que eu também ia perder o papai? Já não tinha mãe… e o medo de ficar sozinha crescia como uma sombra sobre mim.

Enquanto isso, dentro de casa, eu me virava como podia para escapar das maldades de Clarice e de Lilibeth. Viver ao lado delas era um verdadeiro tormento. E eu sabia: meu pai, na sua inocência, acreditava que ao se casar de novo, estava me dando uma vida melhor. Mal sabia ele que havia me condenado a um inferno diário.

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