####O TESTAMENTO DE SAMANTHA

O Dia da Revelação

Eu sempre soube que aquele dia chegaria. Desde que encontrei o sótão, o baú, as joias e a carta da mamãe, passei a viver em contagem regressiva.

"Quando você completar vinte e um anos, minha filha, o advogado lerá este testamento. Vista este vestido, use estas joias. E mostre ao mundo quem você é."

As palavras dela ficaram gravadas em mim como uma promessa.

Mas dentro de mim, eu sabia: o mundo estava prestes a mudar.

Na semana do meu aniversário, tomei coragem. Fui sozinha ao oftalmologista, encomendei lentes de contato. No dentista, tirei o aparelho fixo e pedi que fizessem um móvel, só para que todos acreditassem que nada havia mudado. Continuei usando os óculos de fundo de garrafa, escondendo a transformação.

E então, no dia em que completei vinte e um anos, acordei com o coração disparado. Disse em casa que iria à faculdade, mas fui direto ao salão. Cortei meus cabelos — que já batiam nas nádegas — em camadas leves, soltas, vivas. Fiz as unhas, sobrancelhas, depilação. Deixei uma maquiagem suave realçar o que eu sempre escondi: os olhos verdes, herdados da minha mãe. Comprei um perfume, um hidratante delicado. Pela primeira vez, me permiti olhar no espelho e sorrir para o reflexo.

Quando voltei para casa, me tranquei no quarto. Tomei um banho demorado, coloquei uma touca nos cabelos para manter o efeito, passei o hidratante e o perfume. Vesti o vestido verde de seda, estilo sereia, que moldava meu corpo de mulher. As joias repousaram sobre a minha pele como se sempre tivessem me esperado: o colar de diamantes e esmeraldas, os brincos, a pulseira.

Meu coração batia forte quando ouvi baterem à porta:

— Ivy, os convidados já chegaram.

Era chegada a hora.

O advogado da minha mãe estava na sala, pronto para ler o testamento. O senhor Clifford e o Leon também estavam presentes. Respirei fundo, abri a porta e desci as escadas.

O salão silenciou.

As pessoas se entreolhavam, confusas, até que meu próprio pai perguntou em voz alta:

— Onde está a Ivy?

Engoli o riso nervoso. Olhei nos olhos dele e respondi, firme:

— Papai, eu sou a Ivy.

Ele empalideceu. Clarice apertou os lábios. Lilibet deixou o copo cair no chão, estupefata.

E então vi o rosto de Leon. Ele me fitava de boca aberta, como se não acreditasse no que via.

— Eu não acredito… — sussurrou Lilibet, a voz carregada de veneno.

Mas era tarde. Eu já não era a menina escondida atrás de óculos e roupas folgadas. Era a herdeira legítima. Era a filha de Samantha. Era a noiva prometida ao Leon.

E, naquele instante, o mundo finalmente me reconheceu.

Naquele vestido verde de seda, meu corpo não podia mais se esconder. Eu não era magra como Lilibet. Sempre me escondi em roupas largas, mas agora não havia mais como disfarçar. Minhas curvas estavam ali: cintura fina, seios fartos que antes eu apertava com faixas, coxas grossas, quadris largos, um bumbum que denunciava minha feminilidade. Pela primeira vez, eu não tinha vergonha de ser quem eu era.

Meus cabelos, soltos em camadas, cortados em estilo butterfly, desciam em suaves ondas pelos ombros, refletindo a luz dos lustres. Um aroma delicado me envolvia — Carolina Herrera, o último lançamento, suave como um segredo bem guardado.

Quando meu pai me viu, empalideceu, e as palavras escaparam como um sussurro assustado:

— Você está… a cara da sua mãe. Por um instante, pensei que estivesse vendo o espírito dela.

Senti um aperto no coração. Minha mãe estava ali, comigo, em cada detalhe.

Ele tentou recuperar o fôlego.

— Quando você tirou o aparelho?

— Há uma semana — respondi com firmeza.

— E os óculos?

Olhei nos olhos dele e disse:

— Não deixei de usar. Passei a usar lentes de contato. A partir de hoje, ninguém mais verá os óculos que escondiam meus olhos.

O silêncio pesou. Então ergui o queixo e dei boa noite a todos.

O advogado da minha mãe se aproximou, os olhos marejados.

— Você está linda como ela. É a cópia fiel da Samantha.

Ele fez um gesto, e dois homens entraram.

— Eu trouxe o juiz e o tabelião. Hoje, conforme o desejo de sua mãe, o testamento será lido.

O juiz abriu os documentos e começou a ler. Sua voz ressoou clara:

— A herança deixada à Ivy Lissandra Cavaleiro Bradford compreende todas as empresas, imóveis e fundos familiares. A condição para receber a totalidade é que tivesse concluído a faculdade, o que já foi cumprido. E que estivesse noiva de Leon Clifford, acordo firmado entre o pai dela, o senhor Cavaleiro, e o senhor Clifford, avô do referido Leon.

Um murmúrio correu pela sala. O coração martelava em meu peito.

E então Leon se levantou. O mundo parou quando vi a pequena caixa em suas mãos. Ele a abriu, revelando um anel com um diamante imenso, rodeado por esmeraldas que brilhavam como meus olhos.

Ele caminhou até mim, firme, sem hesitar.

— Ivy — disse, prendendo meu olhar —, este compromisso foi feito antes mesmo de sabermos o que a vida nos reservaria. Mas, diante de todos aqui, eu assumo. Não apenas pelo acordo dos nossos avôs, mas porque eu quero.

As lágrimas escorreram silenciosas no meu rosto. Minha voz mal saiu, trêmula:

— Sim.

O anel deslizou pelo meu dedo, e naquele instante, no dia do meu aniversário de vinte e um anos, tornei-me oficialmente noiva de Leon Clifford.

E a “feia” que o mundo desprezava morreu para sempre naquela noite.

O juiz ajeitou os óculos e continuou lendo o documento que mudaria para sempre o rumo da minha vida:

— O casamento deverá ocorrer dentro de dois meses a partir da data de hoje. Antes de um ano, um herdeiro deverá ser gerado. Com o casamento, cinquenta por cento do fundo fiduciário será liberado. Com o nascimento do herdeiro, os outros cinquenta por cento.

Um murmúrio pesado percorreu o salão. Eu sentia cada olhar queimando sobre mim.

E, como sempre, Lilibet não soube se calar.

— Isso é um absurdo! — ela gritou, batendo os pés. — Ele é lindo, e ela é… ela é horrorosa! Como pode ser obrigada a se casar com ele? Isso devia ser meu, tudo devia ser meu!

Todos prenderam a respiração. Meu pai se levantou de súbito, o rosto vermelho, a mão sobre o peito.

— Lilibet, pare com isso! — ele ordenou, a voz trêmula. — Comporte-se, pelo amor de Deus!

Mas ela continuou, sem se importar com nada.

— Eu é que devia ser a noiva! Eu, não ela!

O escândalo ecoava pelo salão, e então aconteceu. Diante de todos, meu pai levou a mão ao peito outra vez, cambaleou e caiu. O silêncio foi quebrado por gritos.

— Papai! — corri até ele, ajoelhando-me ao seu lado.

Mas já era tarde. O olhar dele se apagava diante de mim.

Naquele dia que deveria ser o mais feliz da minha vida, em que eu finalmente era reconhecida como herdeira legítima e noiva de Leon, meu pai morreu diante de todos.

Meu coração se partiu em pedaços. A dor do luto e o peso do amor recém-nascido se misturaram em mim de uma forma cruel.

E no fundo da minha alma, uma certeza queimava: minha meia-irmã matou o meu pai de desgosto.

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