####ELE PRECISA SE CUIDAR

Naquele instante, olhando para o rosto cansado do meu pai, eu vi algo que não era apenas medo — era como se a confissão que ele tinha me feito antes ecoasse em silêncio naquele consultório. Como se, sem palavras, ele me pedisse perdão.

As lágrimas vieram e eu não as segurei. Respirei fundo, segurei firme a mão dele e, mesmo diante do médico, eu disse:

— Eu te perdoo, papai. Por aquilo que você me contou. Mas agora você vai se cuidar. E eu vou te ajudar.

Os olhos dele se encheram d’água, e a voz falhou:

— Minha filha…

Eu continuei, com a firmeza que só o amor dá:

— A sua esposa e a sua outra filha não ligam pra você. Mas eu ligo. Eu só tenho você. E eu não vou deixar que nada aconteça. Você promete pra mim que vai deixar eu cuidar de você e que vai se cuidar também? Por você. E por mim.

Ele baixou os olhos, engoliu em seco e respondeu, com um fio de voz:

— Sim, minha filha. Eu prometo.

Olhei para o médico e, pela primeira vez, senti esperança.

— Pode passar, doutor. Os medicamentos… saindo daqui nós vamos comprar.

O médico abriu a gaveta, pegou uma amostra grátis e explicou:

— Não precisa esperar. Ele vai começar hoje mesmo. — Estendeu-me a caixa. — Aqui está a primeira dose. Ele já vai tomar agora, na minha frente.

Peguei a cartela, ajeitei a cápsula em um copinho com água e entreguei para o meu pai. Ele me olhou por um instante, como se ainda buscasse coragem, e engoliu o remédio. Eu respirei aliviada.

— Além disso — disse o médico, firme —, comprem um aparelho moderno para aferir a pressão. Existem digitais, fáceis de usar. Quero que ele meça todos os dias e registre. Nada de esquecer.

Assenti, anotando mentalmente cada detalhe.

— E, doutor… o estômago dele? — perguntei, lembrando das queixas constantes.

— Vou encaminhá-lo também a um gastroenterologista — respondeu. — Mas deixo claro: grande parte das dores vêm do esforço exagerado que o coração faz. O corpo inteiro está sofrendo.

— Certo.

— Daqui a dois dias, ele volta aqui — concluiu o médico. — Quero rever os exames, ver como ele reage à medicação e ajustar a dosagem se for necessário.

Olhei para o meu pai com firmeza.

— Ouviu, papai? Daqui a dois dias a gente volta. Eu vou com você.

Ele suspirou, cansado, mas com um sorriso quase imperceptível.

— Eu ouvi, filha. E desta vez, eu vou me cuidar.

Saímos do consultório juntos, de mãos dadas. Eu sabia que a estrada seria longa, cheia de vigilância e renúncias. Mas pela primeira vez desde a morte da mamãe, eu senti que talvez, só talvez, eu tivesse uma chance de não perder também o meu pai.

Depois de sairmos da farmácia e do mercado com as sacolas cheias — medicamentos, o novo aferidor digital de pressão, frutas frescas, verduras, legumes, grãos e tudo o que pudesse ajudar na dieta dele —, tomei uma decisão: eu mesma prepararia cada refeição do meu pai. Não confiaria em ninguém para isso.

— Pai, a partir de hoje o senhor não vai trabalhar — anunciei quando entramos na mansão. — Eu mesma vou avisar a sua secretária. O senhor precisa descansar.

Ele tentou protestar, mas eu ergui a mão.

— Não, papai. Chega. Eu não vou para a faculdade agora à tarde, vou preparar o seu almoço. Depois eu levo no seu quarto. O senhor vai comer de pijama, deitado, como um paciente que precisa de repouso.

Ele suspirou fundo, cansado demais até para discutir.

— Está bem, minha filha. Você venceu.

Subimos juntos. Eu o empurrei carinhosamente até o quarto, peguei o pijama mais confortável e insisti:

— Banho primeiro. Depois cama. O senhor vai dormir, e eu vou ficar de olho.

Ele obedeceu como uma criança dócil. Vi-o sumir no banheiro, e naquele instante me senti mais mãe dele do que filha.

Na cozinha, encontrei a cozinheira preparando panelas com óleos e frituras.

— O que está fazendo aqui, menina? — ela estranhou.

— O almoço do meu pai — respondi com firmeza. — Ele não vai comer essas comidas gordurosas que a Clarice e a Lilibet gostam. Ele vai comer comida de verdade, comida saudável.

A mulher arqueou as sobrancelhas.

— Mas ele nunca almoça em casa a essa hora… sempre está no trabalho.

— Não mais — interrompi. — Hoje e daqui em diante ele vai almoçar em casa. E eu mesma vou cozinhar.

Peguei a frigideira e preparei filés grelhados, sem óleo, apenas no fio de azeite. Montei uma salada fresca, arrumei a bandeja com capricho: suco natural, arroz integral, legumes cozidos no vapor. Pela primeira vez senti orgulho do que estava servindo. Não era apenas comida: era cuidado, era vida.

Subi com a bandeja nas mãos. Meu pai já estava deitado, os cabelos úmidos ainda marcando o travesseiro. O rosto cansado se iluminou quando me viu.

— Você não precisava, minha filha…

— Precisava sim, papai. — Coloquei a bandeja sobre as pernas dele. — Agora coma. Depois vai tomar o segundo remédio e dormir. Mais tarde volto para medir sua pressão de novo.

Ele pegou o garfo devagar, emocionado.

— Você parece tanto com a sua mãe quando fala assim…

Sorri, mas não deixei a emoção me distrair.

— Eu só quero o senhor vivo, papai.

Ele comeu, tomou o remédio e adormeceu em seguida. Eu sentei ao lado da cama, abrindo meus livros para estudar ali mesmo, enquanto ouvia a respiração dele se acalmar.

Não demorou muito, ouvi a porta da frente bater. O salto de Clarice ecoou pelo hall, seguido pela voz estridente da Lilibet. A cozinheira tentou intervir.

— O senhor Jeffrey está em casa, não está bem. Está repousando. Por favor, não incomodem.

Mas Clarice nunca soube respeitar nada. Invadiu o corredor, os olhos faiscando ao me encontrar sentada no chão, com os livros abertos, vigiando o quarto do meu pai.

— Era só o que me faltava! — ela resmungou. — Agora, além de tudo, vou ter que cuidar de um doente?

Fechei os livros devagar, levantei-me e a encarei, firme.

— Em nenhum momento eu disse que você teria que cuidar dele. Eu disse que eu cuidaria. Então não precisa se preocupar, Clarice. Pode continuar com a sua vida abundante.

Ela ficou sem palavras por alguns segundos, a boca abrindo e fechando sem som. Lilibet, atrás dela, fez uma careta e se escondeu.

Naquele instante, eu senti dentro de mim uma força nova. Não era mais a menina que vivia escondida atrás dos óculos e do aparelho. Era a filha que se levantava para proteger o único pai que tinha.

E, olhando para Clarice, eu soube: dali em diante, ela não teria mais espaço para me ferir. Não enquanto eu tivesse voz.

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