Pois é, vocês imaginam a sequência da minha manhã.
Furo o pé logo cedo. A recepcionista me olha como se eu fosse um alienígena. Dou de cara com um armário ambulante. O armário foca descaradamente no meu traseiro. E, como cereja do bolo, descubro que o armário é nada mais, nada menos que o dono da empresa… meu chefe por um ano inteiro. Ah, e claro: termino caindo de bunda no chão. Hoje é meu dia, sinceramente. Ele se inclinou no sofá, a voz grave: — Você se machucou? Balancei a cabeça, rindo sozinha. — Graças a Deus, não. Para-choque é o que eu mais tenho. Tenho comissão de frente e um para-choque atrás de respeito. Se não fosse isso, eu tava lascada. Se eu fosse uma americana nata, coitada, tinha quebrado o último osso da coluna. Ele arqueou a sobrancelha, o olhar malicioso. — É, realmente… eu estava olhando. Você tem uns apetrechos interessantes. Arregalei os olhos. — Epa! O senhor pode até ser meu chefe, mas isso aí é assédio. Levantei rápido, juntei balde, vassoura e dignidade. Saí rebolando como se nada tivesse acontecido, enquanto ele. Ele gargalhava. Gargalhava de mim. Vê se pode. E assim eu segui pro próximo escritório. Graças a Deus, dessa vez quem ocupava era uma mulher. Mas pensa numa criatura antipática. Aff, Maria! Típica americana loira, alta, magra feito um caniço. E ainda se achava porque tinha dois peitos siliconados empinados. Eu olhei e pensei: querida, em vez de investir na comissão de frente, devia ter colocado um para-choque atrás. Porque, sinceramente, se aquela bunda seca tivesse levado a queda que eu levei agora há pouco, quebrava a bacia no ato. Hoje eu tô poética. Não, gente, sinceramente. Meu dia começou maravilhoso: primeiro a trombada no armário, agora o escritório da Miss Purgante de Mamona. Vocês sabem o que é um purgante de mamona? É aquela coisa amarga, ruim de engolir, que só serve para deixar a gente arrependida depois. Pois é, essa era a loura. Balancei a cabeça e voltei a trabalhar. Porque, no fim das contas, se eu não terminar aqui, ainda tenho a segunda empresa da mamãe pra dar conta. Enquanto passava o pano, pensei: será que tratavam a minha mãe com o mesmo respeito — ou falta dele — que estão tendo comigo? Porque, convenhamos, eu sou a cópia dela. Epa, epa, epa. Esse negócio não tá cheirando certo, não… O próximo escritório era ocupado por um homem mais jovem. De cara, percebi que ele era diferente. Jeito leve, sorriso simpático… e uma energia que me fez relaxar. — Cadê a Márcia? — perguntou, curioso. Respondi no automático, como já tinha feito com o poderosão: — Minha mãe está de licença. Esgotamento físico e mental. Eu vou substituí-la durante um ano. — Como ela está? — o tom dele foi genuíno. — Está sendo medicada e tratada. Espero que melhore logo. Ele cruzou os braços e falou sério: — Quando você sair, vou mandar umas rosas para ela. A Márcia é uma excelente funcionária. Vai fazer falta por aqui. Eu parei por um segundo, surpresa. Olha só… o primeiro que reconhece o valor da minha mãe. — Que bom… pelo menos alguém aqui se preocupa com ela. — pensei alto sem querer. — Você falou alguma coisa? — ele riu. — Ops! Não desculpe, como é o seu nome ele perguntou? E eu respondi na lata o meu é Ava. —Ele é educado e disse, eu sou Jeffrey, prazer, Ava. Sorri, mas logo fiquei sem graça. — Só que eu acho que não pega bem o senhor ficar conversando comigo. Eu sou faxineira e o senhor é alguém importante. Ele ergueu a sobrancelha. — O que tem a ver? Você é funcionária, é trabalhadora. Isso já te torna importante. Enquanto ele falava, percebi pelo jeito dele, pelo tom doce e pelo olhar tranquilo, que ele não tava interessado em mim como mulher. Ahhh, já saquei. Jeffrey gosta do mesmo fruto que eu. — Então tá, — relaxei, abrindo um sorriso cúmplice. — Vai perguntando enquanto eu trabalho. Não posso parar, porque ainda tenho outra empresa pra cobrir. — Outra empresa? — ele inclinou a cabeça. — A outra também é nossa. Eu parei no meio do movimento com a vassoura. — Quantas empresas vocês têm, afinal? Ele riu. — Algumas. — Meu Deus do céu, então quer dizer que vou passar um ano cobrindo “essas algumas”? Agora eu entendi por que a minha mãe ficou com esgotamento. Ele caiu na gargalhada. — Você é espirituosa igual a sua mãe. — Jura? — arregalei os olhos. — Então eu puxei dela mesmo. Porque mamãe não é de aguentar desaforo, não. — Não é mesmo. — ele concordou. — A Márcia sempre deu umas respostas afiadas por aqui. Cruzei os braços, com um sorriso convencido. — Então tá explicado. Já estão acostumados. Melhor eu ser eu mesma, pra vocês não sentirem falta dela. Ele piscou pra mim. Eu sorri de volta. Ali, eu sabia: dentro daquela selva de terno e gravata, eu tinha acabado de arrumar um amigo.