Adam
Eu rodei as baias de cães como quem procura uma palavra difícil que está na ponta da língua. Tinha labrador com olhar de livro aberto, vira-lata com rabo de ponto de exclamação, filhotes em alfabetização de mundo. Mas foi ele que me achou: um preto retinto, peito firme, rabo cotó, cicatriz que risca a testa como um trovão antigo, uma pata a menos, um olho só — e, apesar de tudo, um ah feliz no latido quando me viu.— Quem é você, campeão? — ajoelhei. Ele veio mancando, ritmado, e me ofereceu o focinho como um acordo.A voluntária fez o resumo que ninguém gosta de ouvir: — Maus-tratos. Pata amputada, trauma craniano. Sobreviveu. É doce, brincalhão, aprende rápido. A gente chama de Apolo.Apolo. Eu ri.— Deus com cicatriz. Gosto.Passei a mão devagar pela cabeça dele, contornando o relevo da memória. Você tem uma história que parece a minha ao espelho: arrancaram um pedaço, disseram que isso era ser forte, e mesmo assim você aprend