O relógio marcava 4h12 quando bateram novamente à porta de Isabela.
Desta vez, a batida foi mais firme, mas ainda discreta. Ela se levantou de imediato, vestindo o robe fino por cima do pijama de algodão e deslizou os pés até a porta. — Marilda? — perguntou, abrindo com cuidado. A funcionária surgiu com os cabelos ainda úmidos, presos em um coque improvisado, vestindo roupas brancas de linho e um crachá pendurado ao pescoço. Nos braços, carregava uma mala preta com detalhes dourados e o brasão de Al Qadar gravado discretamente em relevo. — Bom dia, senhorita Isabela. Trouxe as roupas que foram designadas para a senhorita usar durante os compromissos com o Sheik. Vieram direto do protocolo real — disse, entrando sem cerimônias. — Fui orientada a garantir que estejam passadas, alinhadas e de acordo com o que ele espera. — Ele... escolheu pessoalmente? — Isabela perguntou, surpresa. — Duvido. Provavelmente foi o assistente dele, ou alguém da equipe feminina que viaja com ele. Mas... tudo que vem com o brasão dele é tratado como ordem — Marilda comentou, pousando a mala sobre a cama e abrindo os zíperes com cuidado. Isabela aproximou-se devagar, ainda sonolenta, mas a curiosidade a despertava por completo. Dentro da mala, cuidadosamente dobradas e embaladas em tecidos finos, estavam três conjuntos completos: um tailleur bege de linho refinado com botões de madrepérola, um vestido longo de seda azul-marinho com mangas soltas e cinto marcado, e um conjunto moderno em alfaiataria branca, de corte elegante e discreto. Além das roupas, havia um lenço delicado bordado com fios dourados, uma nécessaire com produtos básicos e um par de sapatos de salto médio, cor nude. — São peças neutras, discretas e sofisticadas — comentou Marilda, tocando no linho do blazer. — Elegância sem chamar atenção. O tipo de roupa que se espera da mulher que vai andar ao lado do Sheik. Isabela tocou o tecido entre os dedos. Era macio, leve, absurdamente refinado. Algo que ela jamais poderia comprar sozinha. — Vou deixar o vestido azul separado para hoje. — Marilda tirou o cabide de dentro da mala e o pendurou no armário. — O desembarque do Sheik será oficialmente às seis e meia. A comitiva sairá da embaixada às cinco e quinze em ponto. Tem uma penteadeira simples no final do corredor. Pode usá-la se quiser fazer a maquiagem com mais iluminação. Eu trouxe um kit básico também, caso precise. E... bom banho. Vai querer café da manhã no quarto ou vai descer? — No quarto, por favor. Só um café preto e uma fruta — respondeu Isabela, sentindo o estômago ainda revirado. — Claro. Em quinze minutos, trago para você. Quando Marilda saiu, Isabela fechou a porta devagar e encostou a testa contra a madeira. O nervosismo já lhe dava um nó no estômago. Voltou-se para o vestido. Ele era absurdamente bonito, mas não chamativo. Tinha um caimento quase etéreo, e o cinto dourado delicadamente bordado trazia o símbolo de Al Qadar em miniatura. Era como vestir um uniforme, um lembrete de que, a partir daquele momento, cada palavra, cada passo, cada expressão dela poderia ser interpretado como oficial. Entrou no banheiro e ligou o chuveiro. A água morna caiu sobre os ombros como um alívio momentâneo. Passou o sabonete devagar, prendeu os cabelos ainda molhados em um coque baixo e vestiu o vestido azul com movimentos cuidadosos. Quando se olhou no espelho, mal se reconheceu. A mulher refletida ali parecia... profissional. Discreta. Confiante. Quase fria. Mas por dentro, o coração de Isabela batia como um tambor. Minutos depois, Marilda retornou com o café e uma maçã cortada. Ela pousou a bandeja com delicadeza, fez um rápido comentário sobre o tempo — Dia limpo, céu aberto. Perfeito para um pouso cerimonial — e saiu apressada, dizendo que a movimentação já havia começado no andar térreo. Isabela comeu pouco, mas bebeu todo o café. Depois passou um corretivo nos olhos, uma leve camada de blush e usou um batom discreto. Prendeu os cabelos em um coque alinhado e colocou o lenço delicado ao redor do pescoço, do jeito como viu em algumas imagens de eventos diplomáticos. Estava pronta. Ou o mais próxima disso que conseguiria. Às cinco e cinco, desceu com os passos firmes, ignorando o frio na barriga. O saguão principal da embaixada estava transformado. Um tapete vermelho havia sido estendido até a porta principal, seguranças alinhados de ambos os lados, e dois carros pretos blindados aguardavam na entrada com motoristas uniformizados. Todos usavam fones discretos e estavam atentos a qualquer movimentação. Lorena já estava lá, impecável em um conjunto branco de alfaiataria justo demais para parecer diplomático, mas elegante o suficiente para não levantar críticas diretas. Ela virou o rosto ao ver Isabela se aproximar, mas manteve o sorriso ensaiado. — Dormiu bem, intérprete? — perguntou em tom sutilmente ácido. — O suficiente para não errar nenhuma tradução — respondeu Isabela com gentileza e firmeza, passando por ela sem hesitar. O chefe de protocolo se aproximou. — Isabela, você vai no segundo carro. Ao lado do assistente do Sheik. Ele se chama Hadi, Fique atenta às orientações dele. Quando chegarmos ao hangar, você será apresentada antes de qualquer outra autoridade local. Seu papel será fundamental desde o primeiro minuto. Ele não fala português, e os jornalistas vão querer captar cada gesto. Isabela assentiu, sentindo o suor frio escorrer pela nuca. O grupo se organizou rapidamente. Lorena foi no carro da frente, ao lado de um dos diplomatas veteranos, e Isabela seguiu no segundo veículo, com as mãos entrelaçadas no colo e os olhos presos na estrada através da janela fumê. O céu estava pintado de tons dourados e azul-acinzentado, enquanto o comboio cortava as avenidas ainda vazias. A cidade despertava lentamente, mas dentro daqueles carros, tudo já parecia em ritmo frenético. A comitiva seguia em silêncio, mas o clima era de tensão. No caminho, Isabela tentou lembrar das palavras básicas em árabe que estudara nas madrugadas, da entonação respeitosa, do protocolo de reverência, das dicas de etiqueta. Mas tudo parecia se embaralhar agora. Ela estava prestes a conhecer o homem que não apenas comandava um dos países mais poderosos do Oriente Médio, mas também um dos seres humanos mais enigmáticos e influentes da política internacional. O Sheik Zayn Al-Rashid. Seu nome ecoava em manchetes, capas de revistas e nos corredores discretos da diplomacia mundial. Agora, ele estava a minutos de distância. E ela era quem teria que olhá-lo nos olhos.