Capítulo 6

Isabela puxava sua mala de rodinhas com esforço pelo corredor de mármore branco da embaixada brasileira em São Paulo. Os rodízios já gastos guinchavam a cada passo, e o tecido puído denunciava o quanto aquele era um item herdado de tempos difíceis. Dentro da mala, além dos itens essenciais, estavam as poucas roupas que ela havia conseguido comprar em um brechó do centro da cidade — peças básicas, discretas, nada de grife. Tudo planejado para economizar até o último centavo daquele contrato temporário que, se cumprido com sucesso, significaria três meses de respiro para ela, Amélia e Enzo.

Respirou fundo ao chegar à recepção interna. O lugar fervilhava de movimentação. Funcionários iam e vinham, carregando caixas, pastas, tablets e documentos. A segurança havia sido reforçada, e os membros da equipe de protocolo pareciam estressados o suficiente para começar uma terceira guerra mundial caso algum detalhe saísse errado.

— Você deve ser a intérprete — disse um homem com crachá azul-marinho e expressão impaciente. — Isabela, certo?

Ela assentiu com um sorriso tímido.

— Siga-me. Vamos levá-la até o alojamento. O Sheik chegará às seis da manhã em seu avião particular. Todos devem estar de prontidão às cinco.

Isabela acompanhou o funcionário pelos corredores até o andar superior, onde ficavam os quartos de apoio. Nada luxuoso, apenas acomodações básicas para casos como o dela. O cômodo que lhe foi designado era pequeno, com uma cama de solteiro encostada à parede, um armário estreito, uma mesinha e um ventilador no teto que rangia levemente. A janela dava para um jardim interno silencioso.

Deixou a mala ao lado da cama e, por um instante, permitiu-se fechar os olhos. Pensou na mãe. Antes de sair, havia contratado dona Ivonete, uma senhora do bairro, para cuidar de Amélia durante os dias em que ela estaria fora. Alguém de confiança. Deixou os remédios organizados, o número da farmácia pregado na geladeira, e os horários escolares de Enzo anotados em um papel colado no armário da cozinha. Ainda assim, o coração apertava. Ela nunca ficava longe dos dois.

— Vai valer a pena — sussurrou para si mesma, sentando-se na cama. — Precisa valer.

A campainha interna da embaixada tocou com um som agudo, alertando para o início da última reunião antes da chegada do Sheik. Isabela levantou-se imediatamente. Apesar do dia puxado, ainda não havia sido apresentada oficialmente à equipe que atuaria diretamente com o visitante ilustre.

Na sala de reuniões, vários rostos já ocupavam os lugares. Homens de terno, mulheres em ternos elegantes, e uma presença que se destacou assim que Isabela entrou: Lorena Camargo, loira, olhos cinzentos, maquiagem impecável, postura ereta. Ela se virou ao ver a nova integrante e arqueou uma sobrancelha.

— Ah... você deve ser do suporte administrativo? — disse Lorena com um sorriso sutilmente venenoso.

— Na verdade, fui contratada como intérprete do Sheik Zayn Al-Rashid — respondeu Isabela, educada, mas firme.

Lorena congelou por um segundo. Seus olhos faiscaram antes de voltar ao controle.

— Intérprete? Curioso, achei que o posto feminino mais próximo ao Sheik seria o meu. — E virou-se novamente, como se não fosse nada.

O coordenador da recepção oficial deu início à explanação, apresentando a todos os envolvidos na recepção do príncipe do deserto. Tinham seguranças locais, membros da diplomacia, um assistente de agenda pessoal vindo de Al-Qadar, além de dois motoristas, um chefe de protocolo, e uma equipe de catering especializada em gastronomia halal. Tudo milimetricamente organizado.

— E, por fim, temos Isabela Vasquez, intérprete designada para acompanhar o Sheik Zayn em todos os compromissos. Ela será responsável por traduzir qualquer interação dele com a imprensa, autoridades e funcionários locais. Estará à disposição integral dele — explicou o diretor com clareza.

Lorena apertou os lábios, mas manteve a postura. Internamente, a ideia de que não seria a única mulher próxima ao Sheik já criava uma tempestade em sua mente. Ela havia investido horas — e dinheiro — em roupas novas, sessões de estética e até aulas rápidas sobre os costumes de Al-Qadar. Estava pronta para ser notada. Para ser desejada. E agora... outra mulher?

Após a reunião, Isabela voltou para seu quarto. Lavou o rosto no pequeno banheiro conjugado, vestiu um pijama de algodão e sentou-se para revisar as anotações sobre o protocolo real. Os olhos ardiam de cansaço, mas ela se obrigou a manter-se acordada por mais um pouco.

Na mesinha de cabeceira, uma foto de Amélia e Enzo sorrindo, impressa em papel comum, lembrava-a do porquê de estar ali. Mesmo exausta, mesmo temerosa, ela faria dar certo.

O silêncio que pairava no quarto de Isabela não era de tranquilidade, mas de expectativa. O som abafado de passos apressados nos corredores da embaixada se misturava ao zumbido baixo do ventilador no teto, que girava preguiçosamente como se já sentisse o peso da madrugada que se aproximava.

Ela tentou se deitar, mas o colchão fino rangia sob qualquer movimento, tornando impossível relaxar. Mesmo que conseguisse, a mente inquieta não permitiria. Levantou-se e foi até a pequena pia do banheiro, lavando o rosto mais uma vez. O espelho refletia seus olhos castanhos levemente vermelhos pela exaustão, mas havia uma centelha neles — a mesma que acendia sempre que o medo dava lugar à força. Ela precisava aguentar. Pela mãe. Pelo irmão. Por ela mesma.

Voltou à mesinha e pegou seu caderno. Tinha o costume de escrever suas emoções desde adolescente. Era uma forma de colocar para fora tudo o que a sufocava sem precisar dizer em voz alta.

"Primeira noite. Ainda nem o conheço, e já sinto o peso de ser a única responsável por traduzir cada palavra, cada gesto. Será que ele vai olhar para mim com aquele ar de desdém que os poderosos têm? Será que vou conseguir me manter firme diante dele? Não sei. Mas sei o que está em jogo. Por isso, vou ficar."

Fechou o caderno ao ouvir uma leve batida na porta.

— Pode entrar — disse, um pouco assustada.

Era uma funcionária jovem, de cabelos presos e jaleco branco. Trazia uma bandeja simples com um lanche: pão, frutas, um copo de suco.

— A senhora precisa comer algo antes de dormir. Amanhã será intenso.

— Muito obrigada. Qual seu nome?

— Marilda. Estarei aqui durante toda a semana também. Ajudo na enfermaria e no suporte emergencial. Qualquer coisa, é só me chamar. Seu quarto tem um botão de alerta — disse apontando para um discreto botão azul ao lado da cama. — E... boa sorte com o Sheik.

O jeito como ela disse "Sheik" fez Isabela arquear uma sobrancelha.

— Ele é tão... difícil assim?

— Não é só difícil. É... magnético. Mas também... perigoso. Não que vá fazer mal a alguém. Mas ele tem uma aura. Uma presença que domina qualquer ambiente. Só... cuidado. E não se assuste se ele não olhar diretamente para você. Ele costuma ignorar o que não considera necessário.

Isabela assentiu em silêncio. Quando Marilda se foi, comeu lentamente o pão com queijo e as fatias de maçã, enquanto encarava o teto. Aquela noite parecia interminável.

Em outro ponto da embaixada, no andar dos altos funcionários, Lorena revisava cada peça de roupa que havia levado. Trocava os brincos pela terceira vez e retocava a maquiagem, mesmo sabendo que o Sheik só chegaria de manhã. Sua obsessão não era apenas pelo poder, mas pela promessa de uma vida fora do comum. Al Qadar, riqueza, luxo, ascensão. E agora, aquela morena comum aparecia para atrapalhar seus planos?

— Não posso deixar ninguém me tomar o que é meu— murmurou para si mesma, encarando o espelho como quem ensaiava um papel.

Na sala de controle, os seguranças acompanhavam a movimentação no aeroporto militar. O jato particular já cruzava o espaço aéreo brasileiro. Era maior que qualquer avião comercial, com bandeiras douradas nas laterais e o brasão de Al Qadar em alto-relevo. O comandante da equipe reforçou os últimos pontos:

— O Sheik não gosta de atrasos, não tolera incompetência e despreza bajulações. Sejam profissionais. Sejam discretos. E, acima de tudo, silenciosos.

Já passava da meia-noite quando Isabela finalmente conseguiu deitar-se. Apagou a luz, mas a escuridão do quarto não trouxe descanso. Ela abraçou o travesseiro, tentando relaxar, mas os pensamentos não cessavam. O peso da responsabilidade misturava-se à curiosidade sobre o homem que todos pareciam temer e admirar ao mesmo tempo.

Lentamente, o cansaço venceu. O som do ventilador virou trilha de um sono leve e interrompido. Sonhou com areia. Com um deserto imenso. E com olhos negros como a noite a observando no meio do nada, silenciosos, inquisidores. Acordou assustada, com o coração acelerado.

Olhou o relógio: 3h46.

Voltou a dormir novamente.

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