Isabella Duarte Ricci
Eu não sabia onde isso ia dar. Eu não sabia se algum dia abriria mais do que essa janela para Tomas. Mas, por agora, saber que ele estava ali era o suficiente. O suficiente para me fazer sentir, pela primeira vez em muito tempo, que na verdade houvesse um caminho de volta para mim. Tomas não soltou minha mão. Ele ficou ali, olhando para mim como se tentasse decifrar cada parte do que eu não dizia, do que eu não conseguia admitir nem para mim mesma. O vento frio da noite pareceu me despertar um pouco da névoa de sensações que aquele beijo havia deixado para trás. Eu deveria dizer algo, me afastar, colocar uma barreira entre nós. Mas a verdade era que eu não queria. Pela primeira vez em anos, eu não queria fugir. — Quer dar uma volta? — Ele perguntou, puxando-me levemente pela mão. Eu hesitei. O hospital ainda estava às minhas costas, e o peso do passado tentava me puxar de volta. Mas Tomas era calor, era presença. E naquele momento, eu precisava disso mais do que qualquer coisa. — Sim — respondi, quase sem pensar. Andamos em silêncio pelas ruas tranquilas, nossos passos ecoando no asfalto úmido. Eu me perguntava o que ele via quando olhava para mim. Será que enxergava a bagunça que eu era? Ou via apenas a mulher que tentava se reconstruir? — Você parece cansada — ele comentou depois de um tempo, sua voz baixa, quase um sussurro. Soltei um suspiro curto. Cansada era pouco. Eu estava exausta. Carregar tantos fardos, tantas lembranças, tantos medos… tudo aquilo pesava sobre mim como uma âncora, muito mais pesado do que carregar por quase nove meses meus bebês no meu ventre. — Eu estou — admiti, surpreendendo até a mim mesma com honestidade. — Mas eu não posso parar. Meus filhos precisam de mim. E eu… eu preciso me provar que sou forte. Tomas parou de andar e se virou para mim. Seu olhar intenso encontrou o meu, e de repente, o mundo pareceu diminuir ao nosso redor. — Você não precisa provar nada para ninguém, Isabella. Você já é forte. Olhe para você. Saiu daquela relação, sobreviveu, está aqui. Isso já diz tudo, e fico triste por não lembrar de mim, mas já nos conhecemos, quando você fez administração, eu já cursava medicina, eu sempre a via pelos corredores da universidade e você sempre foi intocável, seu nome na universidade era como algo proibido de se dizer,se tem uma pessoa que sempre se mostrou forte, essa pessoa é você. Engoli em seco. As palavras dele me atingiram em cheio, quebrando algo dentro de mim que eu nem sabia que ainda estava inteiro. Meu olhar se desviou para o chão, tentei conter as lágrimas, mas não podia, os meus hormônios me dominavam, pela primeira vez ouvi palavras de um homem que me desejava, que me atingiam e me deixavam completamente sentindo que eu podia ser amada. — Eu tenho medo — confessei, baixinho. — Medo de não ser suficiente. Medo de me perder de novo. Medo de abrir espaço para algo novo e me machucar outra vez. Ele ergueu minha mão, levando-a até seus lábios, deixando um beijo leve na minha pele. Foi um gesto simples, mas que de alguma forma fez um calor diferente se espalhar pelo meu peito. — Então vamos devagar. — Ele sorriu, e havia tanta ternura ali que meu coração quase parou. — Sem pressa, sem expectativas. Só dois corações tentando encontrar um caminho de volta para a vida. Meus olhos se encheram de lágrimas. Não porque eu estivesse triste, mas porque, por um momento, me permiti acreditar que ele poderia estar certo. E naquele instante, pela primeira vez em muito tempo, senti que não estava me entregando ao amor por inteiro, mas o amor estava se entregando para mim. Tomas e eu voltamos e logo assim que chegamos no estacionamento do hospital, ele abriu a porta do carro para mim, e logo dirigiu me levando para casa. A estrada diante de nós parecia infinita, a cidade iluminada passando em um borrão de cores pelo vidro do carro. Tomas dirigia em silêncio, uma de suas mãos firme no volante, e a outra segurando a minha mão. Enquanto eu observava a noite lá fora, tentando acalmar os resquícios de adrenalina que ainda percorriam minhas veias. Meu corpo tremia, não pelo frio, mas pelo peso do que havia acontecido naquela noite. — Você está bem? — Tomas perguntou, sua voz suave, mas carregada de preocupação. Me virei para encará-lo sob a luz fraca do painel do carro. Seus olhos estavam fixos na estrada, mas eu podia ver a tensão na sua mandíbula, a forma como seus dedos apertavam um pouco mais forte o volante e como ele não soltava a minha não por nada. — Eu vou ficar — respondi, minha voz um pouco mais firme do que eu esperava. — Obrigada por me tirar de lá. Ele soltou um suspiro curto, desviando o olhar rapidamente para mim antes de voltar a se concentrar na direção. — Eu teria feito qualquer coisa para te tirar dali, Isabella. Não gosto da ideia de você perto daquele homem. Ele ainda tem muito poder sobre você, mesmo que você não queira admitir. Engoli em seco. As palavras dele me atingiram mais do que eu gostaria. Dimitri realmente ainda era uma sombra na minha vida, mas eu não queria que Tomas soubesse o quanto aquilo ainda me afetava. — Não se preocupe com isso. Eu sei me cuidar. — Cruzei os braços, desviando o olhar para o vidro e me soltando dele. Tomas riu baixo, um som sem humor. — Sei que sabe. Mas isso não significa que você precisa fazer isso sozinha. Antes que eu pudesse responder, ele virou o carro para dentro da longa alameda que levava à minha casa. A visão familiar da mansão Ricci deveria ter me trazido uma sensação de segurança, mas, em vez disso, meu estômago se revirou. Havia algo errado. Antes mesmo que o carro parasse completamente, vi vultos se movendo rápido. Meus seguranças apareceram de todos os lados, armas apontadas. O coração disparou no meu peito. — O que.— A porta do carro foi arrancada antes que eu pudesse terminar a frase, e então tudo aconteceu rápido demais. — Desgraçado! — A voz do meu pai ecoou no ar antes que seu punho colidisse violentamente contra o rosto de Tomas. — Pai! — Gritei, desesperada, vendo Tomas cambalear para trás, segurando a lateral do rosto onde o soco o atingiu. Seus olhos arregalados mostravam sua confusão. — Como ousa fugir com a minha filha?! — Lorenzo Ricci, o meu pai, parecia um animal selvagem, seu olhar fixo em Tomas, que se endireitou lentamente. — Ele não fugiu comigo! — Corri entre os dois, colocando as mãos no peito do meu pai, tentando afastá-lo. — Pelo amor de Deus, pare com isso! Meu pai respirava pesado, suas mãos cerradas em punhos ao lado do corpo. Atrás dele, os seguranças se mantinham atentos, prontos para agir se necessário. Tomas limpou o sangue que escorria do canto da boca e me olhou nos olhos. Havia surpresa, mas também compreensão ali. Ele não estava com raiva, o que me fez sentir ainda pior. — O Tomas não fez nada de errado — continuei, agora olhando diretamente para o meu pai. — Ele apenas me trouxe para casa depois que tentaram me raptar! O rosto de meu pai ficou pálido por um instante, sua fúria dando lugar a algo mais sombrio. — O quê? — Você ouviu bem. Se não fosse por Tomas, talvez eu não estivesse aqui agora. — Isabella... A voz da minha mãe se fez presente, suave, mas firme. Ela surgiu na entrada da mansão, vestindo um robe de seda azul, os cabelos presos em um coque elegante, mas sua expressão era de preocupação pura. — Por favor, entrem. — Ela olhou para Tomas e sorriu com simpatia. — Doutor Tomas, venha. Vamos cuidar desse machucado. Meu pai resmungou algo, mas não contestou. Ele apenas se afastou, mas não sem antes me olhar com uma mistura de frustração e alívio. Dentro de casa, Tomas se sentou no espaçoso sofá de couro enquanto minha mãe trazia uma compressa de gelo. Ela se ajoelhou ao lado dele e gentilmente pressionou a compressa contra seu rosto. — Me desculpe por isso, doutor Tomas — disse, sua voz sincera. — Meu esposo e eu estávamos muito preocupados. Os seguranças da Isabella acabaram a perdendo de vista depois que ela saiu do aniversário do nosso neto. Tomas aceitou a compressa sem hesitar, sorrindo levemente, apesar do corte no lábio. — Entendo perfeitamente. — Sua voz era calma, sem ressentimentos. — Eu faria o mesmo pelos meus filhos. Minha mãe lhe ofereceu um sorriso grato antes de se levantar. Meu pai, que ainda estava ao lado da lareira, bufou, cruzando os braços. — Mas isso não explica como e por qual razão ela acabou na companhia dele! —Meu pai explodiu explodiu, apontando para Tomas. — Quem são esses que tentaram raptar você?! — Dimitri — respondi, minha voz firme. — Mas não precisa cuidar disso, eu sei lidar com tudo. O silêncio caiu sobre a sala. Meu pai passou a mão pelo cabelo, visivelmente enfurecido, enquanto minha mãe levou a mão aos lábios, chocada. — Eu vou matar aquele filho da... — Você não vai fazer nada — interrompi, cruzando os braços. — E o que você sugere que façamos, então? — meu pai gritou. — Eu preciso pensar. Mas antes de qualquer coisa, preciso descansar. Olhei para Tomas, que ainda me observava atentamente, como se tentasse decifrar meus pensamentos. — Obrigada, Tomas. Por tudo. Ele assentiu, seu olhar segurou o meu por um momento longo antes de se levantar. — Sempre que precisar, Isabella. Sempre. E, com isso, ele se despediu, saindo sob o olhar atento de meu pai. Mas enquanto eu o via partir, não pude deixar de sentir que seria difícil controlar o meu pai. Continua...Isabella Duarte Ricci O silêncio pairava na sala depois que Tomas saiu. Meus pais ainda estavam tensos, e eu sabia que não escaparia de uma conversa mais profunda. — Isabella, você está namorando o doutor Tomas? — minha mãe perguntou, cruzando os braços e me analisando com atenção. Suspirei e passei a mão pelos cabelos úmidos de suor e tensão. — Nós estamos nos conhecendo — respondi, tentando soar casual. Meu pai bufou, claramente insatisfeito com a resposta. — Um obstetra, Isabella? Você acha que ele é capaz de te proteger?Não acha um pouco irônico? Namorar um homem que salva vidas enquanto você destrói outras, ele sabe que é uma mafiosa? — Lorenzo retrucou, ainda frustrado. — Pai, o Tomas me salvou esta noite. Isso já não é prova suficiente de que ele se importa comigo? — Cruzei os braços, mantendo o olhar firme no dele. Minha mãe tocou o braço do meu pai, tentando acalmá-lo. — O que importa é que nossa filha está bem — ela disse, em um tom mais suave. — Vamos dar
Isabella Duarte Ricci O cheiro de pão fresco e café recém-passado se espalhava pela cozinha da casa dos meus pais, trazendo uma sensação momentânea de paz. Eu me sentava à mesa com uma xícara de chocolate quente entre as mãos, tentando ignorar o turbilhão de pensamentos que girava incessantemente dentro da minha cabeça. Aurora, minha irmã, estava do outro lado da mesa, passando geleia em uma torrada com o tipo de leveza que só quem ainda não carregava um mundo nos ombros conseguia ter. — Você dormiu bem? — ela perguntou, sem tirar os olhos da torrada. Assenti vagamente, levando a xícara aos lábios. O chocolate quente estava delicioso, do jeito que eu precisava. — O suficiente para esquecer por algumas horas que minha vida virou um caos completo — respondi com um sorriso cansado. Aurora ergueu os olhos, observando minha expressão por alguns segundos antes de soltar um suspiro longo. Sabia que vinha algo a seguir, e estava certa. — Isa... o que você pretende fazer quando os
Dimitri Carter O gosto metálico do sangue na minha boca não era nada comparado à dor que explodia no meu peito. Não por causa dos socos. Não por causa da briga ridícula com Tomas. Mas porque eu vi, com meus próprios olhos, o olhar dela. Isabella. O olhar de quem já não me pertence mais. Aquela porta entreaberta nos expôs. Toda a nossa verdade escancarada ali, como uma ferida aberta para o mundo. E quando nossos olhos se encontraram, eu soube que ela sabia. Soube que tudo estava desmoronando. — Até quando vai continuar me rejeitando, Isabella? — minha voz saiu rouca, baixa, como um apelo. Ela me olhava como se eu fosse o próprio veneno que corria nas veias dela. E talvez eu fosse. Mas isso não me impedia de querer ser a cura. Aquilo me atingiu com mais força do que qualquer soco de Tomas. Recuei um passo, engolindo a raiva, o desespero. Ela me encarou por um longo segundo. Longo o bastante para o tempo parar. Para meu coração despencar. — Na mesma medida em que te amei, Dimitri
Isabella Duarte Ricci A presença de Tomas me dava alguma paz. Mas quando vi Aurora encostada na parede do corredor, os braços cruzados e o olhar fixo em mim, percebi que ela sabia. Ela sempre soube. Era minha irmã, mas também o alarme que nunca me deixava esquecer de onde eu vinha. — E então? — ela perguntou, assim que nos aproximamos. — Os meus sobrinhos estão bem? Tomas lançou um sorriso paciente, mas eu vi o jeito que ele segurou mais firme minha cintura. A proteção dele era silenciosa, mas constante. — Estão ótimos. Gêmeos fortes, coraçãozinho acelerado. Já estão quase prontos pra causar um caos em casa — ele respondeu, tentando aliviar o clima. Aurora não sorriu. Seus olhos estavam atentos demais. Não era só sobre os bebês. Aurora se aproximou e tocou meu rosto com carinho, mas havia uma firmeza no gesto. — Você sabe que eu mato por você, né? Tomas respirou fundo ao ouvir isso, mas não disse nada. Ele entendia. Sabia que eu e minha irmã fomos criadas num mundo ond
Tomas Cilfford O silêncio do meu apartamento sempre me recebeu com conforto. Hoje, me engolia. Joguei a chave sobre a bancada da cozinha e fui direto para o quarto, tirando a camisa pelo caminho. A cidade estava viva lá fora, cheia de luzes e sons abafados, mas aqui dentro tudo parecia estagnado. Como se o tempo estivesse em suspenso desde que a deixei naquela mansão. O chuveiro quente ajudou a relaxar os músculos, mas não a mente. A mente, essa, continuava presa a ela. Depois do banho, tomei as medicações em silêncio, quase automático, o comprimido azul para dormir, o branco para conter a dor nas articulações, e o comprimido que me mantia estável no tratamento, desde que eu havia descoberto minha doença sem cura. Tudo isso para manter o controle. Porque se eu me perdesse, eu voltava. Corria até a mansão dela e esquecia qualquer limite que eu mesmo me impus e que meu corpo também possuía. Me deitei, sentindo o lençol frio contra a pele quente. E fechei os olhos. Foi inevitável
Isabella Duarte Ricci A manhã começou com uma leve brisa entrando pelas janelas da mansão. O sol era caloroso, assim como o carinho de Tomas, ele já estava na cozinha, preparando uma xícara de chocolate quente, era o que eu sempre estava bebendo ultimamente. O aroma doce preenchia o ambiente, trazendo uma sensação de conforto. — Está pronto Bella — disse ele, oferecendo-me uma xícara. Sentei-me à mesa, observando-o. Seus movimentos eram calmos, precisos. Havia uma serenidade nele que contrastava com o caos que costumava dominar minha vida. — Dormiu bem? — perguntei. Ele sorriu, aquele sorriso que sempre aquecia meu coração, eu não o amava, mas ele era como calmaria em minha vida e era tudo que eu precisava naquele momento. — Infelizmente não, já que você não estava por perto. Passamos o dia juntos, caminhando pelos jardins, conversando sobre tudo e nada. Ele me fazia rir com suas histórias, das lembranças do tempo da universidade e por um momento, esqueci-me de tudo o que no
Dimitri Carter A manhã mal havia começado e eu já estava na porta do consultório do Tomas Clifford. O céu estava acinzentado através da janela, eu segurava um copo de café amargo, o meu estômago era a única coisa que me lembrava de que eu ainda estava vivo, ou tentando estar. Entrei sem pedir permissão, ignorando a secretária que me pediu para esperar. A porta do consultório estava entreaberta. Tomas entra e sem me notar ele logo senta à mesa, analisando exames. Levantou os olhos e, quando me viu, sua expressão endureceu. — Você tem coragem, eu admito — ele disse, cruzando os braços. — O que veio fazer aqui, Carter? Fechei a porta atrás de mim e caminhei até a cadeira à sua frente. Não me sentei. — Por quanto tempo você vai esconder dela? — perguntei, direto. — Por quanto tempo vai fingir que ainda tem tempo? Ele largou a caneta e se levantou devagar, o maxilar trincado. — Isso não é da sua conta. Eu não te devo satisfações. — Não! — concordei, com calma. — Mas ela merec
Dimitri Carter O meu coração disparado, as mãos suadas, a mente girando entre mil pensamentos e possibilidades. Eu sabia. Sabia que era hoje. Que eles haviam chegado.Mas a confirmação veio como um soco no estômago quando vi os seguranças postados na entrada da ala onde Isabella estava. Tentei passar direto, mas fui barrado imediatamente.— Senhor, não pode entrar sem autorização.— Sou o pai. — minha voz saiu firme, embora carregada de ansiedade. — Os filhos... meus filhos nasceram hoje.Eles se entreolharam, indecisos, até que uma terceira presença surgiu no corredor. O pai dela.Ele caminhou em minha direção com a mesma expressão que sempre carregava,dura, atenta, mas naquele momento, havia algo mais em seu olhar. Algo que eu não esperava: respeito.— Pode deixar ele entrar — disse, sem me encarar diretamente. — Eles estão te esperando, Dimitri.Não hesitei. Apenas agradeci com um aceno e passei pela porta como se estivesse entrando num novo mundo.E, de certa forma, estava.O qu