Isabella Duarte Ricci
O silêncio pairava na sala depois que Tomas saiu. Meus pais ainda estavam tensos, e eu sabia que não escaparia de uma conversa mais profunda. — Isabella, você está namorando o doutor Tomas? — minha mãe perguntou, cruzando os braços e me analisando com atenção. Suspirei e passei a mão pelos cabelos úmidos de suor e tensão. — Nós estamos nos conhecendo — respondi, tentando soar casual. Meu pai bufou, claramente insatisfeito com a resposta. — Um obstetra, Isabella? Você acha que ele é capaz de te proteger?Não acha um pouco irônico? Namorar um homem que salva vidas enquanto você destrói outras, ele sabe que é uma mafiosa? — Lorenzo retrucou, ainda frustrado. — Pai, o Tomas me salvou esta noite. Isso já não é prova suficiente de que ele se importa comigo? — Cruzei os braços, mantendo o olhar firme no dele. Minha mãe tocou o braço do meu pai, tentando acalmá-lo. — O que importa é que nossa filha está bem — ela disse, em um tom mais suave. — Vamos dar tempo para que ela descanse. Ela passou por muito hoje. Agradeci mentalmente pela intervenção dela e, sem esperar mais perguntas, me retirei para o meu quarto. Assim que entrei no banheiro, liguei a água quente e deixei o vapor preencher o ambiente. Entrei na banheira e me permiti relaxar, sentindo a tensão se dissolver. Peguei meu hidratante e passei suavemente na minha barriga arredondada. Meus dedos acariciaram a pele enquanto sussurrava para meus bebês: — Vocês foram muito fortes hoje, meus amores. A noite saiu do controle, mas a mamãe conseguiu vencer. Eu sempre vou proteger vocês. Sorri levemente, sentindo um misto de amor e determinação crescer dentro de mim. Fechei os olhos e me permiti cair no sono. No sonho, eu corria. Os corredores escuros se estendiam à minha frente, e o som de passos firmes ecoava logo atrás de mim. Meu coração martelava contra o peito enquanto eu tentava escapar, mas Dimitri estava cada vez mais próximo. De repente, mãos firmes me puxaram contra um corpo quente. O cheiro amadeirado dele invadiu meus sentidos, me envolvendo em uma sensação de perigo e desejo. — Você nunca poderá fugir de mim, Isabella — Dimitri sussurrou, sua voz grave e possessiva. Antes que eu pudesse protestar, seus lábios tomaram os meus em um beijo intenso, devorador. Seu toque era fogo contra minha pele, e quando suas mãos deslizaram pelo meu corpo, tudo dentro de mim gritou em rendição. Ele me tomou ali, no meio da escuridão do meu próprio subconsciente, de maneira avassaladora e inescapável. Acordei ofegante, meu corpo ainda aquecido pelas sensações do sonho. Levei as mãos ao rosto, tentando dissipar a confusão. Levantei-me rapidamente e fui até o banheiro, ligando a torneira e jogando água gelada no rosto. Olhei para o espelho, meus olhos refletindo o turbilhão dentro de mim. — Eu não serei sua, Dimitri — sussurrei com firmeza, encarando meu próprio reflexo. Mas, no fundo, eu sabia que lutar contra ele nunca seria fácil. Exausta, voltei para a cama e me enrolei nos cobertores, tentando afastar os pensamentos inquietantes. Fechei os olhos e, aos poucos, o sono me envolveu novamente. Na manhã seguinte, fui despertada pelo som da porta se abrindo de repente. Esfreguei os olhos e vi Aurora, minha irmã, parada na entrada do quarto com um sorriso travesso nos lábios. — Bom dia, bela adormecida — ela brincou, entrando e se sentando na beira da cama. — Então... o que você tem com o doutor bonitão? Revirei os olhos e soltei um suspiro, já antecipando a enxurrada de perguntas que viriam. Dimitri Carter Eu estava sentado atrás da mesa do escritório do diretor do hospital, esperando Tomas entrar. Assim que ele surgiu na porta, ergui o olhar e indiquei a cadeira à sua frente. — Sente-se. Ele manteve a postura ereta, cruzando os braços. — Prefiro ficar de pé, tenho muitos partos marcados para hoje. — Serei breve então. Como está a minha mulher e meus filhos? Tomas franziu a testa e me olhou claramente irritado. — Como? Receio que esteja enganado, senhor Carter. Sua esposa veio a óbito logo após o parto prematuro, e sua filha está na UTI se recuperando de forma única. A propósito, sinto muito por sua perda. Não estava presente no dia do ocorrido, mas lamento muito. Minha paciência se esgotou instantaneamente. Inclinei-me para frente, encarando-o com intensidade. — Você está zombando de mim? Eu sou seu chefe e estou perguntando sobre Isabella, a mulher que você beijou ontem no corredor do hospital. Tomas manteve a expressão impassível. — Meu plantão já havia acabado e o hospital não proíbe demonstrações de afeto nos corredores. Quanto a saber sobre Isabella e os bebês, essas informações não podem ser dadas a terceiros, mesmo que seja meu chefe e dono deste hospital. Fechei os punhos, sentindo meu sangue ferver. — Acha que eu não sei que você está tentando seduzi-la? O que acha que está fazendo? Ele sorriu de lado, provocador. — Eu? Bom, vejamos… Estou dando a ela o que o ex dela não soube dar. Antes que pudesse controlar meu impulso, já estava em cima dele. Meu punho atingiu seu rosto com força, mas Tomas reagiu no mesmo instante, acertando-me em cheio. A sala logo se transformou em um caos, cadeiras viradas, papéis espalhados, objetos quebrados. Ele era bom de briga. Saí ofegante, com o corpo dolorido e a raiva ainda queimando dentro de mim. Mais uma vez, eu parecia ter perdido outra luta. continua...Isabella Duarte Ricci O cheiro de pão fresco e café recém-passado se espalhava pela cozinha da casa dos meus pais, trazendo uma sensação momentânea de paz. Eu me sentava à mesa com uma xícara de chocolate quente entre as mãos, tentando ignorar o turbilhão de pensamentos que girava incessantemente dentro da minha cabeça. Aurora, minha irmã, estava do outro lado da mesa, passando geleia em uma torrada com o tipo de leveza que só quem ainda não carregava um mundo nos ombros conseguia ter. — Você dormiu bem? — ela perguntou, sem tirar os olhos da torrada. Assenti vagamente, levando a xícara aos lábios. O chocolate quente estava delicioso, do jeito que eu precisava. — O suficiente para esquecer por algumas horas que minha vida virou um caos completo — respondi com um sorriso cansado. Aurora ergueu os olhos, observando minha expressão por alguns segundos antes de soltar um suspiro longo. Sabia que vinha algo a seguir, e estava certa. — Isa... o que você pretende fazer quando os
Dimitri Carter O gosto metálico do sangue na minha boca não era nada comparado à dor que explodia no meu peito. Não por causa dos socos. Não por causa da briga ridícula com Tomas. Mas porque eu vi, com meus próprios olhos, o olhar dela. Isabella. O olhar de quem já não me pertence mais. Aquela porta entreaberta nos expôs. Toda a nossa verdade escancarada ali, como uma ferida aberta para o mundo. E quando nossos olhos se encontraram, eu soube que ela sabia. Soube que tudo estava desmoronando. — Até quando vai continuar me rejeitando, Isabella? — minha voz saiu rouca, baixa, como um apelo. Ela me olhava como se eu fosse o próprio veneno que corria nas veias dela. E talvez eu fosse. Mas isso não me impedia de querer ser a cura. Aquilo me atingiu com mais força do que qualquer soco de Tomas. Recuei um passo, engolindo a raiva, o desespero. Ela me encarou por um longo segundo. Longo o bastante para o tempo parar. Para meu coração despencar. — Na mesma medida em que te amei, Dimitri
Isabella Duarte Ricci A presença de Tomas me dava alguma paz. Mas quando vi Aurora encostada na parede do corredor, os braços cruzados e o olhar fixo em mim, percebi que ela sabia. Ela sempre soube. Era minha irmã, mas também o alarme que nunca me deixava esquecer de onde eu vinha. — E então? — ela perguntou, assim que nos aproximamos. — Os meus sobrinhos estão bem? Tomas lançou um sorriso paciente, mas eu vi o jeito que ele segurou mais firme minha cintura. A proteção dele era silenciosa, mas constante. — Estão ótimos. Gêmeos fortes, coraçãozinho acelerado. Já estão quase prontos pra causar um caos em casa — ele respondeu, tentando aliviar o clima. Aurora não sorriu. Seus olhos estavam atentos demais. Não era só sobre os bebês. Aurora se aproximou e tocou meu rosto com carinho, mas havia uma firmeza no gesto. — Você sabe que eu mato por você, né? Tomas respirou fundo ao ouvir isso, mas não disse nada. Ele entendia. Sabia que eu e minha irmã fomos criadas num mundo ond
Tomas Cilfford O silêncio do meu apartamento sempre me recebeu com conforto. Hoje, me engolia. Joguei a chave sobre a bancada da cozinha e fui direto para o quarto, tirando a camisa pelo caminho. A cidade estava viva lá fora, cheia de luzes e sons abafados, mas aqui dentro tudo parecia estagnado. Como se o tempo estivesse em suspenso desde que a deixei naquela mansão. O chuveiro quente ajudou a relaxar os músculos, mas não a mente. A mente, essa, continuava presa a ela. Depois do banho, tomei as medicações em silêncio, quase automático, o comprimido azul para dormir, o branco para conter a dor nas articulações, e o comprimido que me mantia estável no tratamento, desde que eu havia descoberto minha doença sem cura. Tudo isso para manter o controle. Porque se eu me perdesse, eu voltava. Corria até a mansão dela e esquecia qualquer limite que eu mesmo me impus e que meu corpo também possuía. Me deitei, sentindo o lençol frio contra a pele quente. E fechei os olhos. Foi inevitável
Isabella Duarte Ricci A manhã começou com uma leve brisa entrando pelas janelas da mansão. O sol era caloroso, assim como o carinho de Tomas, ele já estava na cozinha, preparando uma xícara de chocolate quente, era o que eu sempre estava bebendo ultimamente. O aroma doce preenchia o ambiente, trazendo uma sensação de conforto. — Está pronto Bella — disse ele, oferecendo-me uma xícara. Sentei-me à mesa, observando-o. Seus movimentos eram calmos, precisos. Havia uma serenidade nele que contrastava com o caos que costumava dominar minha vida. — Dormiu bem? — perguntei. Ele sorriu, aquele sorriso que sempre aquecia meu coração, eu não o amava, mas ele era como calmaria em minha vida e era tudo que eu precisava naquele momento. — Infelizmente não, já que você não estava por perto. Passamos o dia juntos, caminhando pelos jardins, conversando sobre tudo e nada. Ele me fazia rir com suas histórias, das lembranças do tempo da universidade e por um momento, esqueci-me de tudo o que no
Dimitri Carter A manhã mal havia começado e eu já estava na porta do consultório do Tomas Clifford. O céu estava acinzentado através da janela, eu segurava um copo de café amargo, o meu estômago era a única coisa que me lembrava de que eu ainda estava vivo, ou tentando estar. Entrei sem pedir permissão, ignorando a secretária que me pediu para esperar. A porta do consultório estava entreaberta. Tomas entra e sem me notar ele logo senta à mesa, analisando exames. Levantou os olhos e, quando me viu, sua expressão endureceu. — Você tem coragem, eu admito — ele disse, cruzando os braços. — O que veio fazer aqui, Carter? Fechei a porta atrás de mim e caminhei até a cadeira à sua frente. Não me sentei. — Por quanto tempo você vai esconder dela? — perguntei, direto. — Por quanto tempo vai fingir que ainda tem tempo? Ele largou a caneta e se levantou devagar, o maxilar trincado. — Isso não é da sua conta. Eu não te devo satisfações. — Não! — concordei, com calma. — Mas ela merec
Dimitri Carter O meu coração disparado, as mãos suadas, a mente girando entre mil pensamentos e possibilidades. Eu sabia. Sabia que era hoje. Que eles haviam chegado.Mas a confirmação veio como um soco no estômago quando vi os seguranças postados na entrada da ala onde Isabella estava. Tentei passar direto, mas fui barrado imediatamente.— Senhor, não pode entrar sem autorização.— Sou o pai. — minha voz saiu firme, embora carregada de ansiedade. — Os filhos... meus filhos nasceram hoje.Eles se entreolharam, indecisos, até que uma terceira presença surgiu no corredor. O pai dela.Ele caminhou em minha direção com a mesma expressão que sempre carregava,dura, atenta, mas naquele momento, havia algo mais em seu olhar. Algo que eu não esperava: respeito.— Pode deixar ele entrar — disse, sem me encarar diretamente. — Eles estão te esperando, Dimitri.Não hesitei. Apenas agradeci com um aceno e passei pela porta como se estivesse entrando num novo mundo.E, de certa forma, estava.O qu
Dimitri Carter O corredor da UTI neonatal é um universo suspenso, luzes suaves, monitores que pipocam como estrelas distantes, vozes sempre em um tom abaixo do mundo real. Há dois dias vivo aqui dentro, vendo cada minuto esticar‑se e encolher em compassos irregulares; tudo depende da respiração dela. Minha filha. Parei diante da incubadora como quem chega a um lugar sereno. Por trás do acrílico, o corpo minúsculo se agitava em sonhos que eu não conseguia alcançar. Tubos, sensores, a luz azul do fototerápico… cada fio traduzia a delicadeza que eu não fora capaz de proteger. —Respira, Dimitri—repeti baixinho. Palavras vazias, mas era o que eu tinha. — Você já conversou com ela hoje? —A voz às minhas costas era suave, musical. Virei‑me. A enfermeira trazia no crachá o nome Mônica. Olhos cor de mel e aquela expressão de quem parece ter coragem. — Falei um pouco — murmurei. — Mas sempre parece insuficiente. Mônica sorriu, aproximando‑se da incubadora. Ajeitou delicadamente um sens