Capítulo 45— O Livro das Marés
O mar amanhecia cinza.
As gaivotas riscaram o céu como pequenas preces que ninguém entendeu.
Rafael observava da janela o mesmo porto de sempre, mas algo no ar dizia que o dia não era igual.
A névoa vinha do leste, lenta, quase pensativa — e, no fundo dela, havia um som leve, como páginas sendo viradas.
Acordara antes do sol, sem saber por quê.
Não tinha mais o hábito de levantar tão cedo, nem o corpo pedia isso.
Mas algo — talvez o vento, talvez o sonho — o chamou.
A velha pasta de couro, guardada no armário há anos, parecia mais escura naquela manhã.
E sobre ela, como se tivesse nascido do nada, a chave.
A mesma.
O mesmo brilho gasto.
O mesmo símbolo do olho coroado gravado no cabo.
Rafael a pegou, e o frio do metal o atravessou até o peito.
Por um instante, ouviu de novo o som do mar daquela noite distante — o vento soprando o nome dela.
Helena.
Elena.
Maria.
Cada sílaba um eco.
Cada nome, uma maré.
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Desceu at