Olá, queridas!
Estou postando esse bônus aqui porque muitas de vocês, que acompanharam os dois livros de “Presente de Divórcio”, ainda estão por aqui e ocasionalmente alguém me pergunta algumas coisas. Bom, uma das perguntas que mais recebi foi sobre a ausência da Júlia no final do livro. Por que ela não foi mais mencionada? A verdade é que eu não queria dar um fim definitivo para ela, porque, apesar de tudo, eu não a via como uma vilã. Eu via a Júlia como uma pessoa humana, com suas falhas, medos e decisões erradas, como qualquer um de nós. Ela fez escolhas que a colocaram em um caminho difícil, mas a vida é assim, cheia de nuances. Eu quis deixá-la em aberto, pois acreditava que a história dela não precisava ser encerrada de forma definitiva. Quis que a história da Júlia fosse assim, aberta, com a possibilidade de um recomeço. Afinal, todos merecemos uma segunda chance, não é? Espero que vocês compreendam essa escolha e saibam que, para mim, ela não é uma vilã — apenas alguém tentando entender o próprio lugar no mundo. Aliás, sempre pensei muito sobre isso: o “vilão” também é uma pessoa. Com medos, traumas, desejos, carências… A única diferença é que, na maioria das histórias, o ponto de vista nunca é o dele. A gente acompanha a dor da mocinha, torce por ela, entende seus dilemas — mas e se víssemos a história pelos olhos de quem errou? Talvez a gente entendesse mais. Talvez não perdoasse, mas compreendesse. Porque ninguém nasce má. As pessoas vão se tornando aquilo que conseguem ser com o que têm, com o que viveram, com o que faltou. A Júlia errou muito, sim. Mas ela também amou. Também quis ser amada. E talvez, se a história fosse contada por ela, a gente sentisse a dor por trás da raiva. Então, por isso, deixo um pouquinho da Júlia neste capítulo… e ouso sonhar. Sonhar com um talvez para ela. Talvez ela possa viver a própria história, desta vez como protagonista. Sem precisar destruir ninguém para se sentir vista. Sem precisar competir por amor, espaço ou pertencimento. Porque todo mundo merece, no fim das contas, uma história onde também seja o centro. Onde também possa ser amada. *** O Alonso tinha morrido. Afogado no próprio amor doentio que sentia pela Cíntia. Ou melhor, queimado. O fim que ele havia planejado para ela, por ter se envolvido com o Henrique, era perturbador demais até para ser imaginado. Mas foi ele quem ardeu — consumido pelas próprias obsessões. Agora, eu olhava para a minha vida e me perguntava: até que ponto eu era diferente dele? O quanto as minhas atitudes não refletiam a mesma loucura disfarçada de amor? Alonso amou demais. E eu? Talvez tenha amado errado demais. Me envolvi com o Fernando. Desde sempre, fui loucamente apaixonada por ele. Mas então ele conheceu a Carol. E ela se tornou tudo. O riso fácil. A paz. O futuro. E eu? Eu continuei sendo o nada. Foi aí que o estrago começou. Comecei a querer ferir tudo e todos. Já que o Fernando não me queria, decidi me aproximar do Alonso. Me envolvi com ele como quem escolhe uma arma. Queria atingir quem estivesse ao redor. Queria ferir a Cíntia — a esposa do Alonso, prima do Fernando, aquela que parecia ter tudo que eu não tinha. Mas, mesmo assim, o Fernando não me olhou. Não me quis. Nem com ciúmes. Nem com raiva. Nem por dó. Então veio o golpe mais baixo. Henrique. Eu sabia que ele estava se aproximando da Cíntia, sabia que algo entre eles era mais forte do que pareciam admitir. E mesmo assim — ou por isso mesmo — eu me envolvi com ele. Usei cada palavra, cada olhar, cada toque, como se fosse uma faca apontada para ela. A Cíntia virou o meu alvo. Porque eu precisava destruir alguém. E ela era o retrato daquilo que eu nunca fui: amada. Escolhida. Mas tudo o que eu fiz foi doentio. Tão doentio quanto o que Alonso fez com ela. E agora, com ele morto e com minha máscara enfim desfeita, o que me restava era o arrependimento. Um arrependimento amargo, sufocante, que queimava mais do que qualquer vingança. Amar e nunca ser amada. Essa era a ferida que nunca fechava. Era como viver com um vazio que ninguém via, mas que pesava o dobro por dentro. Sempre havia alguém melhor. Mais doce. Mais forte. Mais fácil de amar. Alguém como a Carol — que parecia ter nascido com uma luz própria, com aquela leveza que fazia qualquer um querer ficar. Ou como a Cíntia — aquela que mesmo ferida, mesmo aos pedaços, ainda era escolhida. Ainda era amada. E eu? Eu sempre fui o intervalo. A distração. O erro. Doía. Doía acordar todos os dias e saber que, por mais que eu me esforçasse, por mais que eu mudasse o cabelo, a voz, o jeito de sorrir… eu nunca seria ela. Nenhuma delas. Eu era a sobra, o quase, a outra. E isso me consumia. A dor de amar sem ser amada transforma. Corrói. A gente começa tentando ser notada. Depois, tenta ser desejada. No fim, só quer ser temida. Porque até o medo é um tipo de presença. Até o medo obriga alguém a te olhar. Foi assim que comecei a destruir. Porque machucar era a única forma que encontrei de ser sentida. E mesmo agora, com o Alonso morto, com tudo em ruínas, ainda era essa mesma menina quebrada que respirava dentro de mim. Aquela que queria ser amada com o mesmo fervor com que amava. Mas ninguém nunca quis. Nunca de verdade. E eu já não sabia mais quem eu era, se tirasse de mim o peso desse desejo não correspondido. Eu precisava recomeçar. Mas precisava ser longe. Longe do julgamento. Longe dos olhares que já conheciam minhas quedas, meus erros, minha vergonha. Eu precisava de um lugar onde ninguém tivesse visto o peso da minha humilhação. Um lugar onde eu pudesse, quem sabe, descobrir quem sou quando não estou tentando ser lembrada por alguém. Eu queria fugir, mas não era da cidade, nem das pessoas. Eu queria fugir de mim. Do espelho. Da imagem distorcida que construí para me sentir forte, quando na verdade, eu só estava desesperadamente tentando não desmoronar. Talvez por isso eu tenha comprado aquela passagem para o interior, sem destino certo, só uma mala pequena e meu nome escrito com vergonha. Não era fuga — era exílio. Voluntário. Necessário. Eu não esperava perdão. Nem de mim mesma. Mas alguma coisa dentro de mim ainda sussurrava: “você pode mudar”. Não para ser amada pelo Fernando, não para destruir a Cíntia, não para provar nada pra ninguém. Mas para parar de doer. Recomeçar é um verbo que assusta. Porque exige coragem. E eu sempre fui movida por medo — de não ser suficiente, de ser esquecida, de não ser amada. Dessa vez, eu queria ser apenas… eu. Entrei no banheiro do quarto simples onde estava hospedada. As paredes frias, o silêncio cortante. Acendi a luz e encarei o espelho. Eu ainda era bonita. Era estranho admitir isso em voz alta, mas era verdade. Mesmo agora, com os olhos inchados, o rosto cansado, o cabelo sem arrumar… ainda havia beleza em mim. Aquela mesma beleza que, por tanto tempo, me disseram que bastava. Que era suficiente. Que abriria todas as portas. Que faria alguém me amar. Mas nunca foi. E eu não entendia. Por que, mesmo sendo bonita, nunca era a escolhida? Por que, mesmo com todos os olhares, os elogios, os desejos… ninguém ficava? Por que sempre havia outra? Outra mais doce. Mais leve. Mais fácil de amar. A Carol. A Cíntia. Minha beleza nunca foi sinônimo de amor. Era só um brilho que chamava a atenção por um instante, mas nunca deixava ninguém. Nunca fazia ninguém ficar. As lágrimas vieram antes que eu pudesse controlar. Escorreram devagar, como se cada gota carregasse anos de perguntas sem resposta. Toquei o espelho, como se quisesse sentir se aquela mulher ali era mesmo real. — Por que ninguém me escolheu? — sussurrei. Não havia raiva na pergunta. Só dor. Só cansaço. Eu era bonita, sim. Mas ninguém nunca me viu de verdade. Nunca enxergaram o que existia além do rosto, além do corpo. Ninguém quis conhecer o caos, a intensidade, o medo — e, no fundo, tudo o que eu queria era que alguém ficasse mesmo assim. Sentei na beira da cama, ainda sentindo o gosto salgado das lágrimas. Meus olhos ardiam. Meus pensamentos também. A Carol tinha construído uma família com o Fernando. Eu vi fotos. Vi vídeos. Vi sorrisos espontâneos, bagunça de criança, abraços apertados no fim do dia. Vi amor real, cotidiano, cheio de pequenas repetições que, no fim, viram eternidade. E aquilo doía. Não porque era Carol. Mas porque era tudo o que eu nunca tive. Cíntia também… Mesmo depois de tanto sofrimento, ela construiu algo com o Henrique. Algo novo. Sincero. Estável. Um tipo de amor que resistiu ao caos, à dor, ao medo. Um amor que virou lar. E eu? Eu fui só o intervalo na vida de todos eles. O tropeço. O ruído. A sombra. Nunca fui o “vamos ter filhos?”. Nunca fui o “fica, vamos resolver isso juntos”. Nunca fui o colo de ninguém depois de um dia ruim. Nunca fui casa. Nunca fui lar. E agora, cercada pelo silêncio de um quarto qualquer, a verdade me engolia inteira: eu nunca construí uma família. Nunca plantei raízes. Nunca tive a quem chamar de meu. Nem um alguém. Nem um canto. Nem um nome que me chamasse com amor. Eu desejei tanto isso. Mais do que qualquer outra coisa. E talvez, no fundo, toda a minha raiva tenha vindo disso — da frustração de ver o sonho de uma vida escorrer pelas mãos. De saber que o amor sempre escolhia o outro caminho. Sempre escolhia outra pessoa.