A luz da manhã entrava suave pelas frestas da cortina, e por um momento eu fiquei ali, imóvel, observando Laura dormir ao meu lado. O rosto tranquilo, os lábios entreabertos, os cabelos espalhados no travesseiro. Havia uma paz nela que mexia comigo de um jeito difícil de explicar. Pensei em como tudo parecia improvável no começo — o casamento por contrato, os limites que ela sempre deixou tão claros, o medo visível de se entregar. E agora, ali estava ela. Na minha cama de adolescente. Na casa da minha mãe. Comigo. Passei os dedos devagar pela curva do ombro dela, só para confirmar que era real. Ela se mexeu levemente, murmurando algo incompreensível, e se aconchegou mais em mim, instintivamente. Aquilo bastava. Não precisava de mais nada. Levantei devagar, sem querer acordá-la, ainda sentindo o cheiro dela grudado em mim. Um misto do sabonete suave que ela usava e da nossa pele misturada — um perfume quente, íntimo, que parecia ter impregnado em mim de um jeito quase físico. E
O dia havia sido intenso, cheio de papéis, números e questões burocráticas. Felizmente, a Laura estava lá comigo, o que tornava tudo menos exaustivo. Ela tinha aquele jeito calmo de lidar com as coisas, ajudando a organizar relatórios, fazendo observações que, mesmo simples, revelavam um olhar atento. E, de quebra, me fazia rir vez ou outra, mesmo em meio ao caos de balanços e previsões. Quando voltamos para casa no fim do dia, tomamos um banho rápido e descemos para jantar com minha mãe e a Bianca. Eu estava exausto e já contando os minutos para poder me jogar na cama. A mesa estava posta com perfeição — como sempre — e o aroma do risoto que a cozinheira preparara preenchia o ambiente com uma promessa de conforto. — Como foram as coisas lá, filho? — minha mãe perguntou entre uma garfada e outra. — Não consegui ir te acompanhar hoje, estava resolvendo uma pendência no banco, mas amanhã pretendo ir. — Tem muita coisa pra ser alinhada ainda, mãe. Provavelmente vamos ter que trocar o
Acordei cedo, sem precisar de despertador. O quarto ainda estava mergulhado em silêncio, mas minha mente já estava em movimento — acelerada, tensa. Laura dormia ao meu lado, o rosto sereno, mas aquela paz aparente só fazia doer mais. Porque eu sabia. Sabia que ela nunca ia me dar o que eu queria. O que eu precisava. Me levantei sem fazer barulho, vesti uma calça jeans, uma camisa simples, e calcei os sapatos como quem se preparava para muito mais do que um dia de trabalho. Me preparava para erguer uma muralha. Desci as escadas e cumprimentei um dos funcionários da casa com um aceno leve. Peguei um café rápido na cozinha e pedi que avisassem minha mãe que eu havia ido cedo pra vinícola. Não deixei bilhete. Não mandei mensagem. Ela sabia onde eu estava. Mas, sinceramente, não sabia mais se fazia diferença pra ela. O carro andou pelas estradas estreitas até a vinícola. A paisagem verde que antes me acalmava agora parecia indiferente. Entrei no escritório, chamei um dos gerentes, ped
Acordei com a luz da manhã filtrando pelas frestas da cortina. O som distante de passos e vozes no andar de baixo indicava que a casa já estava viva, mas ao meu redor, tudo parecia inerte. A cama ainda carregava o calor da noite passada, mas Bernardo não estava mais ali. Me virei para o lado onde ele dormira. O travesseiro afundado, o lençol bagunçado… e um vazio que pesava mais do que eu gostaria de admitir. O travo amargo na garganta não era apenas sono mal dormido — era arrependimento, era vergonha. Toquei os próprios lábios, tentando apagar o gosto da noite anterior. O jeito como ele me tocou… como se eu não fosse nada além de um corpo. Como se quisesse me provar o quanto aquilo doía nele. E doeu em mim também. Talvez mais do que eu estivesse preparada pra sentir. Sentei na beirada da cama, o chão gelado sob os pés servindo de choque de realidade. Ele estava se afastando. Eu podia sentir isso agora, com uma clareza cortante. Bernardo estava erguendo muros que antes eu fingia nã
Me viro na cama ao som insistente do celular. Atendo sem olhar quem é. — Alô? — Laura, desculpa te acordar. — A voz de Diogo ressoa do outro lado da linha. Meu cérebro ainda está despertando, mas algo no tom dele me faz sentar na cama, alerta. — O que aconteceu? — É a Helena… Você é psicóloga e nossa amiga. Eu preciso de você aqui. Estou vendo meu casamento desmoronar e não sei o que fazer. Minha mente ainda luta para processar as palavras. — Diogo, o que exatamente está acontecendo? — Vou viajar para a pecuária, e não quero deixar a Helena sozinha. A fazenda tem funcionários, claro, mas ela precisa de alguém próximo. Solto um suspiro, coço os olhos. Não faz sentido discutir pelo telefone. — Ok. Quando eu chegar, entendo melhor. — Obrigado, Laura. O silêncio se instala depois que a ligação é encerrada. Olho as horas no celular. 5h25. Muito cedo. Tento deitar novamente, mas o peso do pedido de Diogo não me deixa relaxar. Ele não é o tipo de pessoa que pede ajuda
Helena e eu decidimos ir conversar na varanda e aproveitar um pouco do ar fresco. Ela me falava sobre sua rotina na fazenda quando o som de um carro se aproximando chamou nossa atenção. O motor desligou, e em poucos segundos a porta do veículo se abriu. Diogo foi o primeiro a sair, ajeitando a aba do chapéu enquanto subia os degraus da varanda com a postura rígida de sempre. O olhar atento percorreu a cena diante dele antes de se fixar em mim. — Olha só quem resolveu aparecer — comentou, e sorriu - estou feliz que tenha vindo, Laura. A Lena sempre comenta o quanto sente sua falta. Antes que eu pudesse responder, a outra porta se abriu. E então eu o vi. O homem que desceu do carro tinha uma presença marcante, algo difícil de ignorar. Era alto, de ombros largos e porte elegante, mas sem a rigidez do irmão. Sua expressão trazia um ar de confiança descontraída, como alguém acostumado a ser notado sem fazer esforço. O cabelo escuro, ligeiramente bagunçado, dava a impressão de que
O tempo passou sem que eu percebesse. Depois de um banho revigorante e um tempo para me organizar, desci para o jantar, sentindo o aroma reconfortante da comida caseira se espalhando pela casa.A mesa estava posta na sala de jantar, e Helena conversava animadamente com Diogo sobre algum problema na fazenda. Bernardo, ao lado do irmão, participava ocasionalmente da conversa, mas parecia mais interessado na comida do que em qualquer outra coisa.— Você vai gostar do ritmo daqui, Laura. O Rio de Janeiro é muito barulhento — Helena comentou, lançando-me um olhar cúmplice.Dei de ombros, tentando manter a neutralidade.— Ainda estou me acostumando. Mas é um lugar agradável.— Não é a sua primeira vez aqui, Laura, mas acredito que será a primeira vez que passará mais do que um fim de semana com a gente. — Diogo comentou.Assenti levemente, pegando o copo d’água à minha frente.— Algumas coisas me lembram a fazenda do meu avô. Não é igual, claro, mas tem um clima parecido.Helena sorriu, sat
A casa ainda estava silenciosa quando desci para a cozinha. O sol mal tinha nascido, e um tom alaranjado banhava os móveis de madeira, criando um cenário quase acolhedor. O cheiro de café fresco preenchia o ambiente, e foi esse aroma familiar que me guiou até ali.Mas não era só o café que me esperava.Bernardo estava encostado no balcão, vestido com jeans e uma camisa de botões com as mangas dobradas até os antebraços. Era o tipo de descuido calculado que só alguém absurdamente confiante conseguia carregar.Ele ergueu os olhos ao me ver e sorriu de canto, daquele jeito preguiçoso que parecia provocar sem esforço.— Bom dia, dorminhoca. Achei que ia perder a gente saindo.Tentei ignorar a forma como aquele tom rouco soava mais intimista no silêncio da cozinha.— Não sou de acordar tão tarde — respondi, indo até a cafeteira. — Só não costumo ter motivos para madrugar.Peguei uma xícara e servi o café, sentindo o peso do olhar dele sobre mim. Bernardo observava de um jeito intenso, como