4. Impostor

Nathaniel Donovan

A melhor oportunidade de espionagem corporativa da minha carreira caiu no meu colo vestida de azul.

Ela falava sem parar, com um nervosismo tão genuíno que chegava a ser encantador. O vestido era elegante, mas nada exagerado, adequado para quem precisava parecer séria, mas ainda brilhar em um evento como aquele.

Eu não sabia o nome dela. Nem precisava.

Era só prestar atenção ao lenço no pescoço, bordado com o logotipo da DRTech.

A mesma empresa que eu estava prestes a comprar.

Eu sorri para mim mesmo, girando o champanhe na taça. Que puta ironia: vim para esse evento pra me misturar no meio dos investidores, descobrir as rachaduras da empresa... e acabei contratado, sem querer, como namorado falso da vice de Relações Públicas.

"Você está comigo hoje, entendeu?" ela tinha sussurrado antes, com aquela fúria contida. "Mãos dadas. Olhares apaixonados. Me ajuda a acabar com eles."

Uma mulher que não sabia mentir, mas estava disposta a tudo para sobreviver.

Delícia de material humano.

Ela se afastou para conversar com alguns investidores, deixando o perfume dela no ar.

Eu segui com o olhar. Deus. Ela era um incêndio esperando um fósforo.

Vi Jones se aproximar do bar, levantando a sobrancelha quando me viu.

"Você está atrasado", foi a primeira coisa que ele disse.

Eu dei um gole longo no champanhe e revirei os olhos. "Por que todo mundo insiste em me lembrar disso hoje?"

Ele não riu. Jones era bom nisso. Ficar sério quando precisava.

"Não temos tempo a perder, Nate. O relatório do compliance já está pronto, os números são bons, o board está pressionando. Você sabe que essa compra é sólida. Rentável."

"Rentável não quer dizer boa ideia."

Ele franziu o cenho. "Nate. Você mesmo disse que queria ver mais de perto. Por isso está aqui. Mas não adianta fingir ser convidado para sempre."

Olhei para ele. Inclinei a cabeça em direção à pista, onde ela estava rindo nervosa com dois investidores.

"Está vendo aquela ali?"

Jones acompanhou meu olhar. "A garota? Sim."

"Minha namorada."

Ele piscou. "Desde quando?"

Ri baixo. "Há uns cinco minutos. Me contratou hoje mesmo. Diz que pagou uma fortuna, só Deus sabe pra quem. Pra fingir que somos um casal apaixonado. Pra humilhar o ex. Eu aceitei."

Jones começou a rir de verdade. "Você é um desgraçado. Por que não falou a verdade?"

"Pra que?" Dei um gole longo. "Ela trabalha na DRTech. Vice de RP. Sabe quem são os acionistas, conhece os clientes, os processos. Quem melhor pra me dar informação de bandeja?"

Ele me olhou como quem não sabia se ria ou me xingava.

"Você é maluco. E se ela descobrir?"

"Não vai descobrir  e o trato é só pra hoje. Acabou a festa, acabou o namoro."

Jones suspirou. "Eu devia ter previsto isso. Você nunca consegue confiar apenas nos números."

Eu sorri. Mas antes que eu respondesse, ele murmurou: "Mas... acho que sua garota está com problemas."

Segui o olhar dele.

Ela estava discutindo com um homem de terno, que só podia ser o tal ex. Os gestos dele eram duros, possessivos. O rosto dela estava pálido.

Eu senti que era hora de intervir.

"Vem," falei para Jones.

Ele segurou meu braço. "Nathaniel. Você vai mesmo se meter?"

"Claro. Vou ser o namorado perfeito, lembra?"

Caminhei até eles. Meu passo era calmo. Calculado. Mas por dentro eu queria socar o cara.

"Com licença," falei com um sorriso frio. "Posso roubar minha namorada por um segundo?"

O ex travou o maxilar. Me encarou de cima a baixo.

"Quem é você?"

"Sou o cara que você vai ignorar se tiver meio neurônio funcionando. E esse aqui," apontei pra Jones, "é David Jones."

Eduardo estacou. O sorriso falso brotou na hora. "Senhor Jones! Um prazer... não sabia que estava aqui."

"Pois é." Jones nem se deu ao trabalho de sorrir muito. "Boa noite."

Eu passei o braço pela cintura dela, sentindo ela tremer, e me aproximei do ouvido dela.

"Respira. E sorri pra mim."

Ela obedeceu. Deus, que mulher obediente.

"Senhor," falei, bem devagar, "vou levar minha namorada pra conversar com o Jones, ok? Não se incomode em nos seguir."

Ele quis falar algo, mas fechou a boca. As veias no pescoço saltavam.

Eu virei ela com cuidado e a empurrei gentilmente pra frente.

Ela engoliu em seco, mas logo se ajeitou.

Jones nos seguiu, tentando conter o riso.

Quando chegamos à área mais silenciosa, Jones pigarreou.

"Então... você é...?"

Ela respirou fundo. "Claro! Senhor Jones... sou Lúcia Mendes, Vice Diretora de Relações Públicas. É uma honra. Eu queria mesmo a chance de te apresentar o projeto de expansão da DRTech, com nossas parcerias estratégicas."

Ele ergueu a sobrancelha. Me olhou. Eu só dei um sorrisinho.

"Continue, senhorita Mendes," disse Jones.

E ela falou. Falou como se o emprego dependesse disso. E dependia.

Explicou o fluxo logístico, os fornecedores, os diferenciais. Eu sabia tudo aquilo de cor, tinha lido o relatório ontem. Mas ouvir dela era diferente.

A paixão dela. A crença.

Eu fiquei meio puto por um instante. Por ela ter sido tão honesta com um bando de tubarões.

Jones estava genuinamente impressionado.

"Você pode me enviar o projeto final por e-mail?"

Ela quase chorou de alívio. "Sim! Claro!"

Lúcia sorriu pra mim, os ombros relaxados.

Eu me inclinei, a boca quase na orelha dela.

"Hora de comemorar, não acha?"

Ela sorriu, um pouco corada. "Vou buscar o melhor vinho da casa."

Jones riu. "Ela é bonita e talentosa."

"É." Concordei.

Fiquei observando ela se afastar, rebolando sem perceber.

"Vai tentar a sorte, depois que a festa acabar?" dei de ombros.

"Não sei, não gosto de me envolver com funcionárias. Se fechamos o negócio..."

"Você nunca aparece nas empresas." inclinei a cabeça de lado, dando um ponto para ele.

Foi quando vi Célia se aproximando com aquele sorriso falso, os olhos fixos em Lúcia como um predador.

Ela esticou o pé de propósito no caminho dela.

Lúcia, carregando duas taças de vinho, não teve tempo de parar. Tropeçou, tentou se equilibrar, mas o vinho voou inteiro pra frente, respingando no vestido impecável de Célia.

O salão inteiro se calou.

Os olhos se arregalaram. As conversas morreram.

Célia gritou como se tivessem derramado ácido nela.

"Mas que merda você fez, sua VADIA?!"

Lúcia empalideceu, tremendo.

"Eu... eu não..."

Eduardo correu até elas, a expressão furiosa.

"Que porra é essa, Lúcia?! Tentando fazer cena? Você enlouqueceu?"

Ela balançava a cabeça, engasgada.

"Eu não fiz de propósito! Ela ..."

"MENTIRA!" Célia se virou para os convidados. "Vocês viram? Ela jogou em mim! Fez de propósito porque não aguenta me ver sendo atenciosa com vocês!"

Um burburinho começou a se espalhar. Gente filmando. Olhares de desprezo.

"Vocês viram o que ela fez! Eu não encostei nela!"

A voz de Lúcia quebrou, rouca de humilhação.

"Ah, por favor, Lúcia." Eduardo cuspiu. "Vai inventar desculpas agora? Você é patética."

Foi o bastante.

Entreguei minha taça para Jones sem desviar os olhos.

"Onde você vai?" ele murmurou.

"Resolver isso."

Atravessei a multidão. Parei bem no meio, entre eles.

"Chega."

Minha voz soou mais fria do que planejei.

Eduardo se virou para mim, irritado. "Veio aumentar a humilhação da namoradinha?"

Eu encarei Célia. Ela estava vermelha, tremendo de ódio, mas não tanto quanto Lúcia de vergonha.

"Você acha que ninguém viu?" falei baixo, mas firme. "Acha que ninguém percebeu que você enfiou o pé no caminho dela?"

Ela arregalou os olhos.

"É mentira!"

Levantei uma sobrancelha.

"Tem certeza?" incline-me um pouco. "Porque essas câmeras ali..." apontei para o teto. "...estão funcionando. Podemos pedir pra conferirem. O que acha?"

Célia empalideceu.

O salão ficou em silêncio mortal.

Eduardo olhou de Célia para mim, a expressão vacilando.

Eu não desviei o olhar dela.

"Quer continuar?" perguntei, com um sorriso gelado.

Ela abriu a boca, fechou. Engoliu seco.

"Foi um acidente..." murmurou.

"Foi o que pensei."

Peguei a mão de Lúcia. Ela ainda tremia, as lágrimas nos olhos.

"Vamos."

Ela hesitou, mas eu apertei seus dedos.

"Agora."

Sem esperar mais resposta, a puxei dali, abrindo caminho no salão calado como um túmulo.

Não era minha responsabilidade. Mas não consegui me impedir.

Era como se, por um segundo, tudo fosse pessoal.

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