A tarde caiu preguiçosa, trazendo com ela um clima frio e cinzento que parecia refletir exatamente o que Clara sentia por dentro. Ela passou horas andando em círculos no quarto, evitando olhar para o celular, evitando pensar demais. Mas pensar era tudo o que conseguia fazer. Os passos no corredor foram os únicos a trazê-la de volta à realidade.
— Clara? — Era sua mãe. — O jantar vai ser um pouco mais cedo hoje. Gabriel virá.
O nom
A noite caiu com um silêncio estranho, como se o mundo ao redor tivesse parado para observar Clara desmoronar por dentro. Sentada na beira da cama, os olhos fixos na parede opaca do quarto, ela sentia a pulsação no pescoço como um tambor descompassado. A conversa com Gabriel ecoava na mente, cada palavra como uma lâmina.Ela não sabia se sentia alívio ou medo. Gabriel sabia. E embora ele não tivesse gritado ou ameaçado, sua última frase carregava uma força silenciosa que doía mais do que se ele tivesse partido algo contra a parede. Clara estava sozinha na casa, sentada no sofá da enorme sala que agora parecia mais fria do que nunca. Havia uma taça de chá esquecida sobre a mesinha de vidro, e a TV ligada sem som transmitia um noticiário qualquer. Ela olhava para a tela sem enxergar nada. Seu corpo estava ali, mas sua mente… estava em colapso.O telefone havia tocado há alguns minutos. Um número desconhecido. A voz do outro lado era formal, firme:— Senhora Clara Montenegro? Aqui é da delegacia central. Precisamos que compareça imediatamente. Trata-se de um assunto relacionado ao senhor Daniel Montenegro.O coração dela deu um pulo tão forte que parecia ter sido arrancado do peito.Capítulo 25 — O Preço da Mentira
Os dias que se seguiram foram como um mar revolto — intensos, imprevisíveis, e perigosamente profundos. Clara passava as manhãs respondendo a questionamentos da justiça, seus dias ocupados entre advogados e oficiais, e suas noites em silêncio absoluto, refletindo sobre os caminhos que a haviam levado até ali. A mansão Montenegro agora parecia uma gaiola dourada. Imensa, opulenta, mas vazia.Gabriel não havia voltado para casa desde a prisão de Daniel. Sua ausência era um lembrete constante de tudo que estava em ruínas: o casamento, a confiança, a família. E, principalmente, o futuro.Ela caminhava pelos corredores em busca de sentido, enquanto fotos antigas ainda pendiam das paredes — imagens de um tempo em que tudo parecia apenas uma fantasia
A sala de estar estava tomada por um silêncio denso. O tipo de silêncio que precede uma tempestade — não de gritos ou violência, mas de palavras duras e necessárias. Gabriel permanecia de pé, observando a moldura do casamento, enquanto Clara mantinha as mãos cruzadas, com os dedos trêmulos, à beira do sofá.— Recebi a carta — ele disse, sem rodeios.Ela engoliu em seco.— Eu não sabia se devia mandar.— Mandou. E foi o suficiente.Gabriel caminhou lentamente até o sofá oposto, sentando-se com um suspiro cansado. Seus ombros estavam curvados, como se os últimos me
Daniel observava os noticiários em silêncio. As acusações se empilhavam como cartas prestes a desmoronar. Desvio de verba, falsificação de documentos, lavagem de dinheiro... A lista crescia a cada dia. Mas ele não demonstrava desespero. Ao contrário, mantinha a expressão fria e controlada de sempre, como se ainda pudesse manipular os fatos a seu favor.— Eles não têm provas suficientes — murmurou para si mesmo, servindo-se de um copo de uísque caro. — Tudo que têm... veio dela.Ele odiava admitir, mas Clara o havia traído da pior forma. E agora, estava protegida sob o guarda-chuva da justiça. Arrependida, colaborando com a promotoria. Um escudo que ele não podia mais atravessar com palavras doces ou ameaça
A audiência final de Clara aconteceu em uma tarde nublada, dentro de uma sala fria e formal do fórum central. As paredes altas, o som dos passos ecoando, o silêncio carregado... Tudo parecia pesar sobre seus ombros. Ela estava sentada no banco das testemunhas, mãos sobre o colo, e olhos firmes apesar da tensão que vibrava em seus nervos.A promotora fez questão de destacar, mais uma vez, sua colaboração voluntária com a justiça e a entrega de provas fundamentais para a prisão de Daniel. Clara sabia que o que fez não a tornava inocente, mas sim responsável. E agora, tudo que podia fazer era encarar as consequências com dignidade.— A senhora tem algo a declarar antes da sentença? — perguntou o juiz, com voz grave e serena.
A nova rotina de Clara parecia simples aos olhos de quem via de fora, mas cada pequeno ato representava uma conquista. Acordava cedo, preparava o café da manhã com Aurora, ajudava a filha a se vestir, e depois a deixava na escola. Em seguida, seguia para o trabalho na ONG, onde organizava documentos, atendia pessoas, participava de reuniões e se sentia, finalmente, parte de algo útil.Mesmo assim, havia noites em que a solidão era mais barulhenta do que gostaria de admitir.Era difícil olhar para o espelho sem ver o passado refletido. A mulher que enganou, que mentiu, que seduziu e que destruiu. Apesar de estar reconstruindo sua vida, sabia que nunca apagaria o que havia feito. E talvez nem quisesse. Suas cicatrizes contavam sua história — uma história que, agora, ela queria
O relógio marcava as 19h, mas Clara ainda não havia conseguido fechar os olhos. Sentada no sofá, os olhos fixos na tela do celular, seu dedo percorria as mensagens antigas, fotos que nunca deletou, palavras que o tempo não conseguira apagar. Gabriel, como sempre, era o protagonista desses registros. As lembranças invadiam sua mente, forçando-a a encarar os fantasmas que insistiam em habitar seu coração. Ela sabia que não podia mais viver no passado. Mas ainda estava lá, em cada olhar de Gabriel, no abraço de Aurora, nos pequenos gestos que pareciam resgatar algo que ela pensava ter perdido para sempre. Aurora estava dormindo, tranquila em seu quarto. Clara poderia aproveitar esse momento para descansar também, mas o peso da dúvida e da culpa ainda a consumiam. A relação com Gabriel havia sido construída sobre mentiras, e embora os dois estivessem se esforçando para encontrar algo novo, ela sabia que as cicatrizes de ambos eram profundas. A verdade, que ela agora encarava sem os olh