“Liz Montesi” Novamente encaro meu reflexo como quem observa uma estranha. Giulia prende o último grampo no meu cabelo, mas nada consegue segurar a bagunça que está aqui dentro. — Pronto, perfeita — Giulia diz, ajeitando uma mecha rebelde. — Ninguém diria que trocamos o vestido às pressas. — Obrigada por tudo, Giu — agradeço, olhando no espelho uma última vez. O vestido rosa-claro, quase branco, cai suavemente ao redor do meu corpo. Uma ironia do destino que me faz sorrir com amargura. Desenhei esse vestido para uma festa da Montesi. Elegante demais, solene demais… quase como um vestido de noiva. E hoje ele vai cumprir exatamente esse papel. — Amiga… — ela me chama quando me afasto para pegar o buquê. — Você vai mesmo engolir tudo calada? — É melhor assim — respondo, pegando o arranjo de lírios-brancos. — Se algum dia eu voltar a ver o antigo Ettore, talvez eu tenha coragem de contar. Mas essa nova versão dele… — hesito, respirando fundo para não chorar. — Essa não merece out
O trajeto até o local da recepção é feito em um silêncio sufocante. Nenhum de nós ousa mencionar o beijo perigosamente próximo da realidade, mas meus lábios ainda formigam com a lembrança. Desvio o olhar para Ettore, que mantém os olhos fixos na paisagem lá fora. Sua mandíbula travada revela que seus pensamentos estão tão tumultuados quanto os meus. — Chegamos — ele anuncia quando o carro para diante do Villa Reale, um dos salões mais prestigiados de Milão. O motorista abre a porta e Ettore desce primeiro, estendendo a mão para me ajudar. O marido atencioso para os paparazzi que nos esperam. — Pronta para mais um ato? — ele murmura enquanto subimos os degraus de mármore, envolvendo seu braço na minha cintura. — Tão pronta quanto deveria estar — respondo com um sorriso falso. As portas do salão se abrem e somos recebidos por aplausos educados. O espaço foi transformado em um paraíso em tons de branco e dourado, com as mesmas flores da cerimônia. Os convidados se aproximam para
Sua respiração quente contra minha pele provoca um calor que sobe pelo meu pescoço e, com o sorriso malicioso de Giulia, sei que estou corada. — Nos falamos amanhã, amiga — Giulia murmura, ainda sorrindo. — Aproveite sua… noite. Estreito os olhos em direção a ela, me levantando lentamente. Ettore contorna a mesa e estende a mão, esboçando um sorriso. — Vamos, querida? — Claro — respondo, aceitando sua mão. De braços dados, atravessamos o salão enquanto nos despedimos de algumas pessoas, recebendo abraços e votos de felicidade que parecem piadas cruéis diante da nossa realidade. Quando estamos quase chegando à saída, Isabella surge à nossa frente, bloqueando o caminho. — Os noivos já estão indo? Mal tive tempo de parabenizar a noiva — diz, num tom doce demais para ser sincero. — Me desculpe por isso, Liz. Sabe como é, Ettore e eu temos tantos assuntos que acabei me esquecendo. — Obrigada, Isabella — respondo, forçando o sorriso mais sincero que consigo, repetindo o que disse v
Congelo diante das palavras dele. Agora, com seus lábios quase roçando nos meus, é impossível não sentir a tentação de pedir exatamente por isso, mesmo contra minha vontade. — Você está… — murmuro, incapaz de terminar a frase. — Estou o quê? Ele se afasta ligeiramente, o suficiente para que seus olhos acompanhem cada reação minha, mas ainda perto o bastante para que eu não consiga raciocinar direito. — Muito enganado — finalmente consigo sussurrar. — Não vou pedir. Então, pare de me provocar. Ettore esboça um sorriso malicioso, me fazendo perceber que ele sabe exatamente o que está fazendo comigo. — Talvez eu esteja… — admite, levantando a mão para tocar meu rosto, deslizando o polegar pela minha bochecha. — É tão fácil te provocar, Piccola. O apelido, dessa vez dito sem a frieza habitual, faz meu coração acelerar ainda mais, se é que é possível. — Não me chame assim — peço, fechando os olhos por um instante. — Por quê? — ele questiona, aproximando-se ainda mais. — Porque te
A luz do sol atravessa as frestas da cortina e me acorda de um sono que demorou a chegar. Abro os olhos devagar, tentando me situar. O luxo do quarto de hotel me lembra depressa: estou casada. Com Ettore Bianchi. Viro o rosto e encontro o lado da cama vazio, os lençóis frios. Respiro aliviada. Não estou pronta para encará-lo depois de ontem à noite. Depois daquele beijo. Balanço a cabeça, tentando não reviver o momento, mas é inútil. Os flashes da noite anterior voltam como um filme em câmera lenta. O beijo. O desejo. A humilhação de ser rejeitada. Minha mão toca instintivamente a aliança no dedo, sentindo o peso frio do metal contra a pele. Um contrato selado. Uma prisão dourada. Ouço a porta do banheiro se abrir e meu coração dispara. Penso em fechar os olhos, fingir que ainda estou dormindo, mas já é tarde. Ettore surge no quarto, de calça social e camisa branca, o cabelo ainda úmido do banho. Por um instante, ele se parece com aquele veterano despreocupado por quem me a
“Ettore Bianchi” Todos os membros do conselho já estão sentados quando entro na sala de reuniões do Grupo Bianchi. Olhares que variam entre curiosidade e desaprovação me seguem enquanto cruzo a sala. Meu tio Alessandro, irmão mais novo do meu pai, é o único que sorri genuinamente ao me ver. — Bom dia — cumprimento, ocupando meu lugar na cabeceira da mesa. — Segunda-feira, cedo demais para quem esperava adiar o inevitável, certo? Alguns murmúrios desconfortáveis ecoam pela sala, enquanto minha assistente distribui as pastas com a pauta da reunião. — Antes de começarmos — continuo, a voz firme —, agradeço o apoio nos últimos dois meses. Não foram fáceis, mas estou aqui para honrar o legado de meu pai. — Honrar o legado de Victor Bianchi é exatamente o que discutiremos hoje — a voz de Giorgio Ricci, pai de Isabella, corta o ar com desdém. Giorgio sempre quis que eu me casasse com sua filha. O fato de eu ter escolhido uma Montesi deve ter sido um golpe em seu ego inflado. — Etto
“Liz Bianchi” Voltar à empresa após o casamento está sendo estranho. É como se eu tivesse mudado da noite para o dia, como se carregar o sobrenome Bianchi me transformasse numa pessoa completamente diferente. Agora, após o almoço, tento novamente ignorar os mesmos olhares que me receberam pela manhã. Mas, no fundo, nem posso culpá-los. Em uma empresa que sempre teve os Bianchi como rivais, ver a filha do dono carregando esse sobrenome deve parecer uma traição. Respiro fundo antes de entrar na minha sala, mas mal abro a porta e sou recebida por um abraço quase sufocante. — Finalmente! — Giulia exclama, me puxando para dentro e fechando a porta atrás de nós. — Já estava quase enlouquecendo de ansiedade. — Estou vendo — respondo, deixando a bolsa sobre a mesa. — Para estar aqui na sua folga… — Eu não ia esperar até amanhã para saber! Agora comece a contar: como foi a noite de núpcias? — Não aconteceu nada, Giu — minto, evitando seu olhar enquanto me sento na cadeira. Ela arque
“Alguns dias depois…” O Grande Hotel de Milão está deslumbrante esta noite. Lustres de cristal refletem a luz dourada, criando uma atmosfera de opulência que combina perfeitamente com o evento. — Lembre-se, esses investidores são cruciais para a expansão na Ásia — Ettore comenta, colocando a mão levemente nas minhas costas enquanto entramos no salão. — Precisamos impressioná-los, especialmente o Sr. Tanaka. Ele é tradicionalista, valoriza muito a família. — Serei a esposa perfeita esta noite, Sr. Bianchi — respondo, alisando meu vestido azul-marinho. — Exatamente como tenho sido. Encaro Ettore por um segundo antes de abrir um sorriso forçado, que, para meu próprio espanto, está surgindo com mais facilidade. Talvez eu esteja realmente aprendendo a atuar tão bem quanto ele. Os primeiros minutos se resumem a apresentações que fazem minhas bochechas doerem de tanto sorrir. Sr. Tanaka e sua esposa, vindos do Japão; os irmãos Chen, de Singapura; representantes de Hong Kong e da Cor