O trajeto até o local da recepção é feito em um silêncio sufocante. Nenhum de nós ousa mencionar o beijo perigosamente próximo da realidade, mas meus lábios ainda formigam com a lembrança. Desvio o olhar para Ettore, que mantém os olhos fixos na paisagem lá fora. Sua mandíbula travada revela que seus pensamentos estão tão tumultuados quanto os meus. — Chegamos — ele anuncia quando o carro para diante do Villa Reale, um dos salões mais prestigiados de Milão. O motorista abre a porta e Ettore desce primeiro, estendendo a mão para me ajudar. O marido atencioso para os paparazzi que nos esperam. — Pronta para mais um ato? — ele murmura enquanto subimos os degraus de mármore, envolvendo seu braço na minha cintura. — Tão pronta quanto deveria estar — respondo com um sorriso falso. As portas do salão se abrem e somos recebidos por aplausos educados. O espaço foi transformado em um paraíso em tons de branco e dourado, com as mesmas flores da cerimônia. Os convidados se aproximam para
Sua respiração quente contra minha pele provoca um calor que sobe pelo meu pescoço e, com o sorriso malicioso de Giulia, sei que estou corada. — Nos falamos amanhã, amiga — Giulia murmura, ainda sorrindo. — Aproveite sua… noite. Estreito os olhos em direção a ela, me levantando lentamente. Ettore contorna a mesa e estende a mão, esboçando um sorriso. — Vamos, querida? — Claro — respondo, aceitando sua mão. De braços dados, atravessamos o salão enquanto nos despedimos de algumas pessoas, recebendo abraços e votos de felicidade que parecem piadas cruéis diante da nossa realidade. Quando estamos quase chegando à saída, Isabella surge à nossa frente, bloqueando o caminho. — Os noivos já estão indo? Mal tive tempo de parabenizar a noiva — diz, num tom doce demais para ser sincero. — Me desculpe por isso, Liz. Sabe como é, Ettore e eu temos tantos assuntos que acabei me esquecendo. — Obrigada, Isabella — respondo, forçando o sorriso mais sincero que consigo, repetindo o que disse v
Congelo diante das palavras dele. Agora, com seus lábios quase roçando nos meus, é impossível não sentir a tentação de pedir exatamente por isso, mesmo contra minha vontade. — Você está… — murmuro, incapaz de terminar a frase. — Estou o quê? Ele se afasta ligeiramente, o suficiente para que seus olhos acompanhem cada reação minha, mas ainda perto o bastante para que eu não consiga raciocinar direito. — Muito enganado — finalmente consigo sussurrar. — Não vou pedir. Então, pare de me provocar. Ettore esboça um sorriso malicioso, me fazendo perceber que ele sabe exatamente o que está fazendo comigo. — Talvez eu esteja… — admite, levantando a mão para tocar meu rosto, deslizando o polegar pela minha bochecha. — É tão fácil te provocar, Piccola. O apelido, dessa vez dito sem a frieza habitual, faz meu coração acelerar ainda mais, se é que é possível. — Não me chame assim — peço, fechando os olhos por um instante. — Por quê? — ele questiona, aproximando-se ainda mais. — Porque te
A luz do sol atravessa as frestas da cortina e me acorda de um sono que demorou a chegar. Abro os olhos devagar, tentando me situar. O luxo do quarto de hotel me lembra depressa: estou casada. Com Ettore Bianchi. Viro o rosto e encontro o lado da cama vazio, os lençóis frios. Respiro aliviada. Não estou pronta para encará-lo depois de ontem à noite. Depois daquele beijo. Balanço a cabeça, tentando não reviver o momento, mas é inútil. Os flashes da noite anterior voltam como um filme em câmera lenta. O beijo. O desejo. A humilhação de ser rejeitada. Minha mão toca instintivamente a aliança no dedo, sentindo o peso frio do metal contra a pele. Um contrato selado. Uma prisão dourada. Ouço a porta do banheiro se abrir e meu coração dispara. Penso em fechar os olhos, fingir que ainda estou dormindo, mas já é tarde. Ettore surge no quarto, de calça social e camisa branca, o cabelo ainda úmido do banho. Por um instante, ele se parece com aquele veterano despreocupado por quem me a
“Ettore Bianchi” Todos os membros do conselho já estão sentados quando entro na sala de reuniões do Grupo Bianchi. Olhares que variam entre curiosidade e desaprovação me seguem enquanto cruzo a sala. Meu tio Alessandro, irmão mais novo do meu pai, é o único que sorri genuinamente ao me ver. — Bom dia — cumprimento, ocupando meu lugar na cabeceira da mesa. — Segunda-feira, cedo demais para quem esperava adiar o inevitável, certo? Alguns murmúrios desconfortáveis ecoam pela sala, enquanto minha assistente distribui as pastas com a pauta da reunião. — Antes de começarmos — continuo, a voz firme —, agradeço o apoio nos últimos dois meses. Não foram fáceis, mas estou aqui para honrar o legado de meu pai. — Honrar o legado de Victor Bianchi é exatamente o que discutiremos hoje — a voz de Giorgio Ricci, pai de Isabella, corta o ar com desdém. Giorgio sempre quis que eu me casasse com sua filha. O fato de eu ter escolhido uma Montesi deve ter sido um golpe em seu ego inflado. — Etto
“Liz Bianchi” Voltar à empresa após o casamento está sendo estranho. É como se eu tivesse mudado da noite para o dia, como se carregar o sobrenome Bianchi me transformasse numa pessoa completamente diferente. Agora, após o almoço, tento novamente ignorar os mesmos olhares que me receberam pela manhã. Mas, no fundo, nem posso culpá-los. Em uma empresa que sempre teve os Bianchi como rivais, ver a filha do dono carregando esse sobrenome deve parecer uma traição. Respiro fundo antes de entrar na minha sala, mas mal abro a porta e sou recebida por um abraço quase sufocante. — Finalmente! — Giulia exclama, me puxando para dentro e fechando a porta atrás de nós. — Já estava quase enlouquecendo de ansiedade. — Estou vendo — respondo, deixando a bolsa sobre a mesa. — Para estar aqui na sua folga… — Eu não ia esperar até amanhã para saber! Agora comece a contar: como foi a noite de núpcias? — Não aconteceu nada, Giu — minto, evitando seu olhar enquanto me sento na cadeira. Ela arque
“Alguns dias depois…” O Grande Hotel de Milão está deslumbrante esta noite. Lustres de cristal refletem a luz dourada, criando uma atmosfera de opulência que combina perfeitamente com o evento. — Lembre-se, esses investidores são cruciais para a expansão na Ásia — Ettore comenta, colocando a mão levemente nas minhas costas enquanto entramos no salão. — Precisamos impressioná-los, especialmente o Sr. Tanaka. Ele é tradicionalista, valoriza muito a família. — Serei a esposa perfeita esta noite, Sr. Bianchi — respondo, alisando meu vestido azul-marinho. — Exatamente como tenho sido. Encaro Ettore por um segundo antes de abrir um sorriso forçado, que, para meu próprio espanto, está surgindo com mais facilidade. Talvez eu esteja realmente aprendendo a atuar tão bem quanto ele. Os primeiros minutos se resumem a apresentações que fazem minhas bochechas doerem de tanto sorrir. Sr. Tanaka e sua esposa, vindos do Japão; os irmãos Chen, de Singapura; representantes de Hong Kong e da Cor
Por um segundo, o mundo inteiro parece congelar. A encenação. O teatro que deveríamos estar cumprindo agora é descoberto por uma cena impossível de ser explicada. Ettore solta meu queixo, e nos viramos juntos, encontrando Giulia parada na entrada da varanda, os olhos faiscando de indignação. — Isso não te diz respeito — Ettore finalmente responde, num tom controlado, frio. — É um assunto entre mim e minha esposa. — É um problema meu quando vejo minha amiga sendo tratada assim — Giulia rebate, parando ao meu lado. — Especialmente por um homem que deveria protegê-la, não humilhá-la. — Giu, está tudo bem — murmuro, tentando amenizar a situação. — Foi só um desentendimento. — Mesmo assim! — ela exclama, indignada. Então, sem desviar o olhar de Ettore, aponta o dedo para ele: — Liz foi obrigada a aceitar esse absurdo, mas isso não te dá o direito de tratá-la como um objeto. Ettore a encara em silêncio, o maxilar travado, como se estivesse decidindo se vale a pena responder ou