"Mereceu mesmo" murmurei, cortando um pedaço do frango no meu prato. "Não é todo dia que alguém abandona um filho e depois aparece como se nada tivesse acontecido… depois de passar férias eternas no paraíso." Ele largou os talheres por um momento, os olhos fixos nos meus. Havia algo sincero ali. Algo doloroso. "Eu encontrei uma foto." A voz dele saiu baixa, rouca. "Há uns meses, estava limpando uma gaveta antiga quando achei uma fotografia dobrada. Era de mim, Trent e a mãe dele. "Devia ter muitos anos. Ele estava rindo, no colo dela. E eu… eu tinha esquecido aquele dia. Esqueci como ela olhava pra ele. Como me olhava." Ficou um momento em silêncio, engolindo em seco antes de continuar: "Ela morreu me odiando, Elise. E com razão. Eu falhei com ela. Falhei com meu filho. Eu... só queria consertar isso antes que seja tarde demais." Peguei minha taça de vinho e dei um gole longo. Trent havia comprado aquele vinho junto com as outras coisas. Senti o gosto amargo e doce se misturar
Trent olhou nos meus olhos. Havia raiva ali, mas também algo mais — talvez cansaço. De alma, não só de corpo."Eu não sei", ele respondeu, a voz rouca de exaustão.Virei meu corpo totalmente de lado. A luz da lua atravessava as frestas da cortina, desenhando linhas prateadas sobre a cama."Acho que vocês deveriam conversar", murmurei. "Ele mencionou algo sobre sua mãe… disse que ela morreu o odiando. O que ele quis dizer com isso?"Trent passou uma das mãos pelos cabelos, o gesto lento, como se procurasse paciência ou forças para relembrar."Não se engane por aquele rosto bonito", ele disse, a voz mais dura agora. "Minha mãe morreu de câncer. Quando eu era adolescente, ele a traiu dezenas de vezes. Ela sabia. Sempre soube. Mas amava ele… loucamente. Então, ela aceitava tudo. Aceitava os sumiços. As desculpas esfarrapadas. Os cheiros de perfume que não eram dela nas camisas dele. Aceitava tudo."Trent fez uma pausa longa, inspirando fundo."Quando ela descobriu o câncer, alguma coisa n
Descemos as escadas em silêncio. Darrion estava no sofá da sala, de braços cruzados."Vamos sair", Trent disse com a voz seca. "Tenho que resolver umas coisas no clube."Darrion levantou uma sobrancelha, desconfiado. "E eu?""Se quiser conversar, me segue com seu carro. Se não, fica por aqui."Não deu espaço pra resposta. Apenas passou pela porta e seguiu em direção à garagem. Eu fui atrás.Montei na moto atrás dele, ainda sem saber direito como me sentir. Não tomamos café. Quando entramos na estrada, o vento soprou forte nos meus cabelos, me obrigando a fechar os olhos por um instante. Era diferente agora. Dessa vez, consegui aproveitar o passeio. Não porque tudo estivesse bem. Mas porque, por algum motivo estranho, estar com Trent fazia tudo parecer... suportável.Meus braços ao redor da cintura dele. A estrada cortando a cidade. O ronco da moto vibrando embaixo de nós. E então, pelo retrovisor, peguei ele sorrindo. Não aquele sorriso provocador de sempre, mas um de canto de boca,
"Chega, mãe!" explodi. "Chega de bancar a vítima! Você quer reclamar do café, mas não apareceu quando levaram a Mel da gente! A única coisa que te interessava era sua bebida barata e suas noites sumida com sabe-se-lá-quem!"Ela me encarou, com os olhos marejando — mas não de tristeza. Era raiva. Desprezo. Ou talvez pura vergonha mal disfarçada."Quer saber? Nem quero mais saber onde você estava. Você falhou com a gente. De novo."Virei as costas, o peito arfando de tanta frustração.Foi quando Trent, que até então estava se segurando, deu um passo à frente e assumiu o comando."Você acabou de me desrespeitar na frente do meu clube inteiro, senhora. Mas vou fingir que não ouvi."A voz dele era dura, fria, quase ameaçadora. O silêncio na sala ficou denso. "Desrespeitar?" ela riu, mas o som saiu nervoso. "Você não manda em mim. Não pode me prender, seu merdinha tatuado!"O olhar de Trent escureceu. Ele fechou os punhos devagar, os músculos do braço se retesando. Grave se moveu um pouco a
PONTO DE VISTA DE TRENTAssim que Elise saiu do meu escritório, levei alguns segundos respirando fundo, com os punhos ainda fechados. Ter que falar com ela daquele jeito sobre a própria mãe me corroía por dentro. Mas era necessário. Assim como o que vinha a seguir.Tínhamos uma barata pra esmagar.Sabine. A vadia achou que podia brincar com fogo e sair ilesa. Andava entregando informações do clube para meu pai. Aquele desgraçado desertor. E agora, com ele no salão, ela achou que seria a sombra perfeita pra se esconder.Mas não no meu clube.Peguei o celular no bolso e disparei uma mensagem simples.“Reunião. Agora.”Minutos depois, os passos pesados dos meus irmãos soaram pelo corredor. Um por um, eles entraram na sala.Ivar veio primeiro, caminhando devagar como um predador, girando a faca entre os dedos com uma calma. O aço cintilava sob a luz fraca, e o sorriso em seu rosto não prometia nada de bom.Cain apareceu logo atrás, com o colete de couro ajustado no corpo largo e as armas
PONTO DE VISTA DE ELISEMesmo ainda sentada no sofá ao lado de Maggie e Ceylan, minha mente estava longe. As palavras de Trent ecoavam dentro de mim como uma tempestade de verão que chega sem aviso."Primeira: não toque no que é meu. Segunda: não mexa comigo. Terceira… não foda com quem eu amo."Ele disse aquilo com tanta calma, como se fossem mandamentos imutáveis, verdades que ele levava no sangue. E talvez fossem.Eu não fazia ideia de que Trent tinha regras próprias. Muito menos que eu estava incluída em uma delas… na mais importante. A terceira.Fiquei imóvel. O coração batia lento, firme, como se estivesse tentando entender o que aquilo significava. O que significava pra mim.Sabine chorando, suplicando, sendo arrastada por Ivar... e eu ali, parada. Fria. Sem qualquer compaixão. Talvez porque ela já tivesse cavado sua própria cova anos atrás, quando escolheu se meter com Trent e Grave. Isso não termina bem pra ninguém."Esse foi um belo show, não acha, Maggie?" Ceylan comentou,
Um pensamento se alojou na minha mente como um espinho incômodo, cutucando, insistente, pedindo para ser dito em voz alta.Por que Simon odiava tanto Trent?Olhei para Maggie, que ainda mantinha os olhos fixos na porta por onde Scorpio havia desaparecido segundos antes, e respirei fundo. Me arrisquei."O que aconteceu entre eles, Maggie?"Ela virou lentamente o rosto na minha direção, como se pesasse se devia ou não contar. Ceylan também se calou. O ar entre nós ficou denso, como se o passado ainda assombrasse aquele salão cheio de vozes distantes."É uma longa história," começou Maggie, cruzando as pernas devagar, com um suspiro. "Mas vamos apenas dizer que... no mundo dos motoqueiros, às vezes, há mais regras silenciosas do que gritos de guerra.""Regras como o quê?" perguntei, mantendo os olhos presos nos dela."Como casamentos arranjados," ela respondeu. "Senhoras que são prometidas entre clubes, como moeda de troca pra manter a paz ou fortalecer alianças. Isso acontece mais do qu
PONTO DE VISTA DE ELISEUma semana havia se passado desde aquele dia no clube. Desde a última vez em que vi minha irmã no prédio onde Samanta estava. Desde que as coisas começaram a se mover de verdade, de um jeito que doía e, ao mesmo tempo, aliviava. Agora eu estava no bar onde eu trabalho. Mais precisamente, no escritório dos fundos, aquele com cheiro de couro e madeira antiga, onde Trent começou usar para resolver algumas coisas longe dos olhares curiosos dos irmãos.Ele estava encostado na bancada ao lado da geladeira, abrindo uma cerveja com o estalo típico que parecia combinar com o silêncio tenso da sala. Ao lado dele, Doyle, o advogado de confiança de Trent, folheava alguns papéis com cuidado, mas os dedos não paravam de bater levemente na borda da mesa. Nervoso. Eu percebia."Como estão indo as coisas, Doyle?" Trent perguntou, apoiando a garrafa aberta sobre a madeira maciça da mesa. Seu tom era direto, mas sem pressa. O tipo de voz que impõe presença, mesmo quando está em s