Parte 23...
Aurora
Depois que desliguei da chamada onde falei com Samuel, fiquei um pouco mais animada. Em breve eu poderia me mudar para a casa de minha avó e não iria contar a ninguém. Bem, apenas a Gisele, mas ela não iria contar e lá era um lugar que meu pai não iria pensar em procurar.
A casa estava quase abandonada, se não fosse pelo casal e por Samuel, que ficaram todos esses anos morando lá. Foram bons empregados para minha avó e minha mãe nunca quis se desfazer da casa, mas ela mesma nem aparecia por lá e meu pai, menos ainda.
Parte 24...Domenico— Que porra você tem hoje, Domenico? É a terceira vez que eu faço a mesma pergunta.Eu levantei o olhar do notebook, para Carlo, de pé e me encarando com a testa franzida, esperando minha resposta.— Eu não tenho nada demais - gesticulei — Você que está agitado demais.— Eu não, estou no meu normal, mas não posso dizer o mesmo sobre você. Parece
Parte 25...DomenicoSaí do prédio sem me importar com os olhares dos funcionários, que provavelmente notaram minha expressão carregada de frustração. O calor de Palermo me atingiu assim que pus os pés na rua, mas nada se comparava ao incêndio dentro de mim.Eu precisava sair dali.Precisa de ar.Peguei o carro e dirigi sem pensar, as mãos apertadas no volante, os nós dos dedos quase bran
Parte 26... Aurora Eu não estava me sentindo bem emocionalmente, mas precisava ser forte para colocar meu plano em ação. Queria sair de casa, mas até isso estou sem ânimo. Achei melhor passar a maior parte do tempo em meu quarto, até que finalmente o sono chegou pra mim.Já de manhã, acordei sufocada. A casa parecia menor. O ar, pesado. Meu nome estava sendo negociado de novo e dessa vez, com data marcada. Sem meu consentimento.Eu realmente já não tinha mais como continuar morando com meus pais. O motivo maior sempre foi minha mãe, mas tenho que aceitar. Ela não vai ficar contra meu pai. De modo algum.Pensei em Diana. Peguei o telefone com os dedos trêmulos. Diana atendeu cansada, com o som abafado do bebê ao fundo.— Aurora? - a voz dela vinha baixa, quase um sussurro. — O que houve pra você me ligar tão cedo assim?— Não consegui dormir muito bem - suspirei — Está tudo bem com o Giancarlo?— Está sim, é ainda a questão dos dentes. Mas e você? Está tudo bem? Por que não dormiu?
Parte 27...Aurora Desci devagar as escadas de mármore frio, sentindo cada batida do meu coração. Fui direto para a sala de refeições e ele estava lá, como sempre. Minha mão como peça decorativa ao lado dele.— Pai. Mãe. Preciso falar com vocês.Ele não levantou os olhos.— Se for para reclamar de novo do casamento, pode voltar para seu quarto... Já está tudo acertado. O rapaz vem em quatro dias. Vai assinar os papéis e te levar como deve ser. - deu um pequeno sorriso — Finalmente você pode sair de casa - sacudiu o jornal ao virar a página — Até hoje eu não entendi porque ficou. Com certeza não tem amor próprio.“Segura a língua, não deixe que ele estrague seu plano”.— Não é reclamação... Ao contrário... Eu vou sair por uns dias. - respondi firme. — Sozinha. Quero um tempo pra mim. Um retiro. Preciso pensar. Limpar a cabeça... - aí ele ergueu os olhos para mim.— Pensar no quê? Em como continuar se fazendo de vítima depois de ser largada? Eu tenho um acordo, você não vai me desobede
Parte 1...Aurora Deluca - Nove anos de idadeEu me assustei e abri os olhos depressa, olhando de um lado para outro na escuridão do meu quarto. Só a luz do banheiro iluminava um pouco com a porta aberta. Sentei. Ouvi um barulho e depois entendi que era um choro. Meu coração deu uma batida forte. Eu sabia de quem era o choro.Era minha mãe. De novo.E isso só significava uma coisa. Meu pai estava em casa. E aos nove anos, eu já não me sentia feliz quando ele chegava.Eu amo meu pai, mas ele não é uma pessoa fácil. Ou boa. Tenho medo dele, sempre tive. Ele não gosta de mim e eu sinto isso. Eu sei que tenho só nove anos, mas minha mãe sempre me diz que sou muito esperta e inteligente.E por isso eu sei que ele não gosta de mim. Não sei porque, não me lembro de ter feito algo errado. Sou uma menina obediente, estudo e gosto de ajudar mamãe.Me assustei de novo quando ouvi um som alto, parecendo uma queda. Pulei da cama, as mãos cruzadas em meu peito e andei devagar ate a porta do quarto
Parte 2...Aurora— Minha filha querida.Me virei e vi minha mãe, ao lado de um homem todo de branco. Acho que era um médico. Ele se aproximou de mim e pegou uma lanterninha fina, abrindo meus olhos e quase me deixando cega com aquela luz.— Como ela está, doutor? - minha mãe ficou ao meu lado.— As pupilas estão bem e os exames não mostram nada mais grave - ele suspirou parecendo aborrecido — Mas a senhora sabe que a polícia vai questionar o ocorrido. Sua filha está muito machucada.A cara que minha mãe fez foi de nervosismo. Eu a conheço. — Sim, eu sei - ela tentou dar um pequeno sorriso e olhou pra mim — É que minha Aurora é muito danada e não fica quieta - segurou meu braço — Foi mais um susto grande que ela nos deu, não foi, meu amor?Eu entendi que ela queria que eu mentisse. Apertou meu braço de leve, só com um toque. Eu concordei com a cabeça e ainda assim, o médico me olhou de um jeito desconfiado.— Nós temos alguns cães na casa - ela contou, meio sem jeito — E Aurora estav
Parte 3...Aurora— Me promete que você não vai contar o que houve pra ninguém, filha - ela me pedia com uma certa tristeza na voz — De forma alguma seu tio Pietro pode saber disso... Ele vai... Mandar seu pai embora - ela sentou na cama ao meu lado — E... Ele vai nos matar, você entende, não é querida? Seu pai vai nos matar se isso sair de casa... - ela engoliu pesado.O que eu poderia dizer? Meu coração está apertado e dói mais do que os machucados em meu corpo. Minha mãe está com medo, eu vejo e sinto isso. Eu também estou. Eu só tenho nove anos, o que posso fazer?Eu posso ser nova, mas eu sei que isso é errado e que minha mãe não deveria pedir isso pra mim. Mas ela pediu.— Está bem, mamãe... - respondi com tristeza e já chorando. A abracei — Eu não vou contar pra ninguém, eu prometo.— Nem mesmo para a Diana, me promete? Ela pode contar ao pai.Diana é a minha melhor amiga. Ela é filha mais nova de meu tio Pietro e a gente sempre se deu muito bem. Nascemos quase no mesmo dia e n
Parte 4...Aurora - hoje em diaBocejei e me espreguicei. Eu já tinha acordado há uns quinze minutos, mas a preguiça me pegou de jeito. O voo até que foi tranquilo, tirando o cara ao meu lado, que ficou puxando conversa, até que eu coloquei os fones de ouvido e ele finalmente entendeu que eu não queria conversar.Não há voos diretos e frequentes saindo da Calábria para Palermo. Tive que fazer uma conexão em Roma e isso demora mais umas três horas, então no total, fico cerca de cinco horas, pra ir e voltar. Mas vale a pena a ida.Eu poderia ter voltado de avião particular, que Carlo me ofereceu, como outras vezes, mas achei melhor não. Apesar dele ser um homem muito legal comigo e de termos uma certa amizade, sei que meu pai iria me encher a paciência se eu ficasse usando esse favor, todas as vezes em que eu fosse até Palermo para visitar Diana, que agora tem um lindo garotinho de nove meses.O pequeno é um pouco dos dois. Os olhos e o nariz são iguais aos do pai, Carlo. Já o cabelo, a