A porta se fechou atrás da Anciã com um rangido suave. Selena ficou sozinha no quarto, observando os detalhes daquele espaço que cheirava a poeira antiga, ervas secas e algo mais… familiar.
Soltou o ar devagar, como se tentasse convencer o próprio corpo de que estava tudo bem.
Mas não estava.
A sensação que a acompanhava desde que pisara naquela floresta não tinha passado. Ao contrário. Crescia. Como um tambor batendo fundo dentro do peito. Como se algo — ou alguém — estivesse prestes a atravessar os limites do que ela conhecia como realidade.
Tirou os tênis, largou a mochila no canto e sentou-se na cama, que rangeu levemente sob seu peso. A colcha bordada lembrava as de sua infância. Era como estar num lugar que pertencia ao passado, mesmo sem se lembrar de ter vivido ali.
Ela olhou o colar no próprio pescoço. A pedra pendurada nele parecia mais quente que o normal.
Aproximou-o do rosto.
— Você também está estranho, né?
Falou baixinho, como se a pedra fosse capaz de responder. E talvez, naquele lugar, fosse.
Deitou-se, mas o corpo não relaxava. O cansaço era real, mas o sono… não vinha. Seus músculos estavam em alerta, como se antecipassem algo que ela ainda não conseguia ver. Os olhos pesavam, mas sua mente parecia girar num ciclo de lembranças soltas e intuições inexplicáveis.
“Menina-lua.”
Aquela voz, aquela alcunha, martelava sua memória.
Ela se levantou de novo.
Caminhou até a janela. A noite já dominava o céu. A lua cheia surgia redonda entre as copas das árvores, iluminando a floresta com uma luz pálida e sobrenatural. Era bela. E ameaçadora.
Lá fora, as sombras pareciam mais densas. As árvores... mais vivas.
Foi quando sentiu.
Um arrepio.
Forte. Preciso. Quente.
O mesmo que a atingira quando se aproximou da trilha. Um calor que não vinha do corpo, mas do ar. Como se estivesse sendo observada — ou sentida.
Ela recuou, mas não fechou a janela. Os olhos buscaram algo entre as árvores, mas a floresta devolveu apenas silêncio.
Mas havia algo ali.
No alto da encosta, oculto entre os troncos e a escuridão, Darian observava. O cheiro dela era mais forte agora. Tão forte que doía.
Ela estava próxima.
Pela primeira vez, ele a via — mesmo que de longe. O cabelo claro tocado pela luz da lua, a silhueta recortada contra a janela, o coração batendo alto demais.
O lobo dentro dele rosnava, impaciente. Mas Darian não se moveu.
Ele era um Alfa.
E alfas sabiam esperar.
Ainda assim, o sangue pulsava nos ouvidos. Ele não a tocara. Não a ouvira. Mas seu corpo inteiro já a reconhecia.
A garota parecia inquieta. Confusa. Seus olhos vasculhavam a escuridão como se procurassem algo — ou alguém.
Ele quase sorriu.
Ela sentia.
Mesmo sem saber.
Mesmo sem aceitar.
Selena apertou os olhos, tentando romper a cortina de sombras que cobria a floresta. Por um momento, teve a certeza de que havia uma figura ali, entre as árvores. Mas quando piscou, não havia nada além do balanço leve das folhas.
— Alucinação. Só pode ser.
Fechou a janela devagar e voltou para a cama. Mas não conseguiu dormir.
Lá fora, o Alfa permaneceu imóvel, o olhar cravado na casa.
A brisa trouxe de novo o aroma dela, e seus olhos se fecharam por um breve instante.
Era doce. Selvagem. Antiga.
A terra havia falado. A maldição já sentia o cheiro da quebra.
Mas ela ainda não estava pronta.
E ele… também não.
Com um último olhar, Darian desapareceu entre as sombras, os passos silenciosos sobre a terra. Precisava de respostas. Precisava entender quem ela era. O que ela carregava. E por que, entre tantas, era ela quem seu lobo reconhecia como salvação.
Na manhã seguinte, Selena acordou antes do sol. O corpo cansado, mas a mente em ebulição. Sonhara com olhos cinzentos e uivos distantes. Com mãos que não via, mas sentia. E com um nome que não conseguia lembrar.
Vestiu-se com pressa e desceu.
A Anciã já estava lá fora, colhendo ervas no jardim.
— Dormiu bem? — perguntou, sem olhar para trás.
— Dormi... algo assim.
A velha mulher se virou, erguendo os olhos prateados.
— Sentiu a floresta?
Selena hesitou.
— Senti… algo me observando.
A Anciã assentiu.
— A terra desperta quando quem pertence a ela retorna. Você carregou esse chamado por muito tempo. Só não ouvia.
— Eu não pertenço a lugar nenhum — rebateu Selena, seca.
— Não ainda — respondeu a Anciã. — Mas vai pertencer.
Selena suspirou, irritada com a calma daquela mulher. Tinha perguntas demais, mas não sabia por onde começar. E, no fundo, uma parte dela temia as respostas.
— O que tem nessa floresta afinal?
— Segredos. Cicatrizes. Promessas antigas — respondeu a Anciã. — E talvez... um destino que você ainda vai precisar aceitar.
Selena virou o rosto. As árvores pareciam mais verdes agora. Mais próximas.
Como se estivessem ouvindo.