A lua já surgia no céu, pairando acima das montanhas como um presságio.
Branca. Silenciosa. Impiedosa. Como o tempo que corria nas veias de Darian. No alto da fortaleza de pedra, o Alfa permanecia imóvel, de pé diante da janela, os olhos cinzentos fixos na floresta que se estendia até onde a vista alcançava. O vento soprava com força, uivando como fera ferida. Era como se a própria natureza soubesse: o prazo estava acabando. — A próxima lua cheia será sua última — dissera o mais velho dos conselheiros naquela manhã. — Se não encontrá-la… você cairá. A maldição era antiga. E cruel. Um Alfa sem sua verdadeira companheira não sobreviveria à própria força. A fera, antes contida, acabaria por consumi-lo de dentro para fora — e, quando isso acontecesse, não sobraria nada além de um monstro. Darian sentia. Sentia o lobo dentro dele arranhando suas entranhas, impaciente. A energia instável crescia como um trovão contido sob a pele. O que o segurava? Talvez… o instinto. Ou o resquício de honra herdado dos alfas anteriores. Ele fechou os olhos por um instante. Respirou fundo. E foi nesse instante que sentiu. Um aroma. Doce. Selvagem. Irresistível. Um cheiro que rasgou o ar como relâmpago, tão intenso que seus sentidos foram arrastados sem aviso. Era ela. A desconhecida que o destino devia. Aquela que, segundo os sussurros da Anciã, viria antes da queda. O lobo dentro dele urrou. Darian abriu os olhos, os punhos cerrados. A brisa trouxe de novo o aroma — e, junto, um calor estranho que se espalhou por seu peito. Pela primeira vez em meses, o caos interno silenciou por um segundo. Ela estava perto. Do outro lado da floresta, um carro velho estacionava ao fim da trilha de terra batida. O sol já baixava no horizonte, tingindo a copa das árvores com tons dourados e sombras compridas. A luz filtrada entre os galhos criava desenhos hipnóticos no chão. Selena desceu devagar, franzindo o cenho para a paisagem úmida e silenciosa. O céu acinzentado refletia bem o humor dela. O cheiro da floresta a atingiu como uma lembrança que não tinha nome. Era familiar. Demais. — Parabéns pra mim — murmurou. — Tô no meio do nada. De novo. Na mochila, a carta da avó repousava dobrada, manchada pelas dobras e pela raiva que sentiu ao relê-la pela quinta vez: "Volte por um tempo. Aqui você vai encontrar as respostas que nunca quis perguntar." Depois da demissão, da crise existencial e de um término que mais parecia piada de mau gosto, ela decidiu aceitar. Talvez um tempo longe de tudo — e com a única família que restava — fizesse sentido. Mas à medida que se aproximava da casa, o desconforto crescia. As árvores pareciam olhar. O vento tinha cheiro. E seu corpo, inexplicavelmente, tremia — como se lembrasse de algo que sua mente não acompanhava. A porta da frente se abriu com um rangido. A Anciã, mulher de cabelos longos e prateados, a encarava com olhos antigos. Ela não sorriu. — Bem-vinda de volta, menina-lua. Selena parou. Aquela alcunha a atingiu como uma pedra jogada em águas paradas. “Menina-lua”. Algo ecoou dentro dela, algo que vinha da infância — ou de antes. — Faz tanto tempo — disse, quase sem perceber que falava em voz alta. A Anciã se aproximou com passos lentos, os pés descalços tocando a terra como raízes. — Não para a terra. Ela nunca esquece os que nasceram sob seu manto. Tocou o colar que Selena usava — o presente que ela recebera ainda criança, e que nunca conseguiu jogar fora. — Você não lembra. Mas seus pés conhecem essa trilha. E seu sangue, mais ainda. Selena sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Quis perguntar o que ela queria dizer com aquilo, mas algo dentro dela — talvez orgulho, talvez medo — a impediu. Ficou em silêncio. E, por algum motivo que não compreendia, aquele silêncio pareceu a resposta mais verdadeira que poderia dar. Na fortaleza, Darian vestiu o casaco de couro, o olhar fixo no sul. — Preparem os guardiões — ordenou, a voz firme. — A floresta acabou de me dar um sinal. O lobo finalmente cheirou o que esperava. E não haveria mais tempo a perder.