A chuva escorria pesada pelas goteiras do velho galpão, pingando em poças negras no chão de concreto rachado. Ela tremia. Não de frio — porque já não sentia mais o corpo —, mas de puro pavor.
Segurava o bebê com tanta força contra o peito que parecia que podia esmagá-lo, como se o calor frágil daquela criança fosse a última âncora que a impedia de simplesmente desaparecer.
— Por favor… — a voz saiu falha, rasgada, como se nunca tivesse sido usada.
O homem à sua frente permaneceu imóvel, o rosto oculto pela sombra do capuz. Apenas o brilho metálico de um anel grosso em seu dedo denunciava alguma humanidade.
— Por favor… — ela repetiu, com mais força, mais dor. As lágrimas queimando a pele fria. — Me ajuda… ele… ele é tudo que eu tenho…
O bebê soltou um gemido pequeno, faminto ou apenas inquieto, e ela o embalou automaticamente, como quem repete um gesto aprendido por instinto, não por conforto.
O homem deu um passo à frente, a bota afundando na lama com um estalo seco. Ela estremeceu.
— Ela… — a palavra morreu antes de sair completamente.
Não ousava pronunciar o nome. Como se dizer aquilo em voz alta fosse entregar ainda mais a própria desgraça.
Fechou os olhos, respirou fundo, e quando abriu, o olhar não era mais de súplica, mas de uma fúria silenciosa, fria, sufocada há tempo demais.
— Tem alguém que quer tirar ele de mim — a voz dela agora era uma lâmina fina, afiada. — Alguém que não pode…
O homem inclinou ligeiramente a cabeça, como quem escuta um animal ferido, curioso se deve matá-lo ou deixá-lo sangrar sozinho.
— Não posso deixá-la encontrá-lo. Nunca.
O bebê se agitou mais, e ela apertou os olhos, tentando conter o soluço que vinha à garganta.
— Eu faço qualquer coisa… — sussurrou, sem encará-lo. — Qualquer coisa…
O homem finalmente falou:
— Por que não vai à polícia?
Ela riu. Um som seco, quase histérico, mas tão fraco que mal reverberou no ar gelado.
— Não tem polícia pra quem carrega tanta sujeira… — ergueu os olhos, vazios, mortos, mas com uma centelha de algo que nem ela sabia que ainda restava: instinto de mãe.
Silêncio.
Então, o homem se virou, começando a caminhar para longe.
Ela sentiu o pânico novamente.
— ESPERA!
O grito ecoou pelo galpão vazio, assustando até o bebê, que chorou fraco, exausto.
O homem parou, sem olhar pra trás.
Ela caiu de joelhos, a lama sujando a barra do vestido velho, o bebê aninhado aos braços.
— Só me diz… só me diz o que eu tenho que fazer…
Ele ficou parado por um segundo que pareceu eterno… e então, sem dizer uma palavra, desapareceu na escuridão da noite.
Catarine ficou ali, sozinha, o choro abafado do filho, a respiração ofegante, o mundo desabando em silêncio.
O nome da mulher que queria sua vida queimava na garganta, mas ela não o pronunciou.
Não ainda, mas em breve.