Entre sangue e vidro

5 anos depois...

As vitrines exibem meus vestidos - frios, impecáveis - assim como eu.

Caminho pelo saguão de vidro da sede da minha marca, o salto marcando o chão com a mesma precisão que o bisturi corta carne.

Eles me olham, claro. Sempre me olham.

Mas ninguém realmente me vê.

Sou uma lenda nesta cidade: Catarine Vasquez, a mulher que ressurgiu do nada e ergueu um império de elegância e silêncio.

Sou... um mito.

E, como todo mito, nasci de uma mentira.

Cruzo o corredor, sentindo os olhos abaixarem à minha passagem. Respeito?

Não.

Medo.

E eu gosto disso.

No reflexo da parede de vidro, meu cabelo está impecável. A maquiagem, calculadamente sutil e agressiva. A pele, fria como porcelana.

Por fora, tudo está no lugar.

Por dentro...

Aperto o botão do elevador, sozinha. Sempre sozinha.

Enquanto subo, vejo a cidade se afastar sob meus pés - um formigueiro miserável.

Eu vim dali.

De um lugar escuro, sem amor, sem futuro.

De um pai que me quebrou.

De uma mãe que me abandonou.

Mas isso...

isso eu enterrei.

Ou tentei.

O elevador para com um estalo seco. As portas se abrem e sinto o ar rarefeito da cobertura.

As assistentes se erguem, apressadas, as bocas ensaiando sorrisos submissos:

- Bom dia, senhora Vasquez.

Respondo com um aceno quase imperceptível. Não preciso de palavras. Meu nome fala por mim.

Entro na minha sala, minimalista, estéril, e caminho até a parede de vidro.

Lá embaixo, carros, pessoas, sonhos medíocres se arrastam pelas ruas.

Olho tudo de cima.

Como sempre quis.

E, mesmo assim, há um buraco que nunca se preenche.

Fecho os olhos e ele vem... como sempre vem...

O choro abafado de um bebê.

O calor pegajoso do sangue entre as minhas pernas.

A mão fria que me arrancou dele...

Eu... fiz isso.

Eu precisei fazer.

Abro os olhos e volto ao presente.

Sou forte.

Sou fria.

Sou... Catarine Vasquez.

O telefone da mesa vibra. Ignoro.

Em minha mente, outro espaço vibra.

A mansão.

Lá, isolado, protegido... ele.

Holly.

Meu filho.

Ninguém sabe que ele existe.

Ninguém nunca saberá.

Apenas eu... e Anastácia.

A babá é eficiente, discreta. Cuida dele, ensina, protege.

Ele nunca foi à escola. Nunca frequentou uma praça. Nunca viu como o mundo pode ser cruel...

Como foi comigo?

Mantê-lo em casa é... prudência.

É amor.

Ou... é medo?

Não sei mais a diferença.

Meu celular vibra de novo. Tiro da bolsa de couro, desbloqueio.

Mensagem de Anastácia:

"Ele perguntou da senhora. Está bem, mas inquieto."

Respiro fundo.

O que posso responder?

"Diga que logo estarei com ele."

Minto até para ele.

Fecho os olhos por um segundo. O rosto dele se desenha em minha mente: olhos grandes demais, perguntas demais...

Como toda criança, ele quer saber.

Como toda mãe... eu não posso responder.

Sou a mãe dele... mas o mundo não pode saber.

Para o mundo, sou apenas a mulher poderosa, fria, inatingível.

Sem filhos.

Sem passado.

Só poder.

A assistente entra, tímida, segurando uma pasta preta.

- O relatório da coleção outono-inverno, senhora Vasquez.

Pego sem olhar. Abro, folheio. Tecidos, números, croquis...

Perfeitos.

Como tudo que construí.

Mas minha mente já não está aqui.

Volta...

Volta sempre para aquele dia.

A noite em que precisei desaparecer.

A noite em que precisei matar quem eu era...

... e me tornar quem eu sou.

O sangue.

O medo.

O silêncio.

Fecho a pasta com força.

- Agende a reunião com a equipe de criação - digo, seca.

- Sim, senhora.

Ela sai apressada, aliviada por escapar da minha presença.

Ou da minha frieza?

Volto a olhar a cidade.

Lá fora, eles acreditam na minha farsa.

Eles desejam ser eu.

Se ao menos soubessem...

Se ao menos pudessem ver o que escondo...

Mas ninguém verá.

Nunca.

Eu escondi tudo tão bem.

Até ele...

Holly.

Meu menino de cinco anos, preso na mansão, cercado por muros altos, câmeras, seguranças...

Preso como eu fui.

Por que o protejo...

ou por que o aprisiono?

Às vezes me pergunto.

E, às vezes, a resposta assusta.

A campainha do telefone fixo toca, cortando meus pensamentos.

- Sim? - minha voz é baixa, mas firme.

- Senhora Vasquez... - a voz do assistente hesita, tensa. - Um repórter da Capital News quer uma entrevista exclusiva... Ele disse que se chama Eithan.

O nome paira no ar, como uma lâmina prestes a cortar.

Eithan.

Por um segundo, sinto algo gelado escorrer pela espinha.

Por que ele quer me ver?

Por que agora?

- Diga que ele pode subir.

Desligo.

E então... pela primeira vez em muito tempo...

Sinto algo pulsar sob a pele endurecida:

Medo.

Medo de que ele saiba.

Medo de que ele veja.

Quem eu sou...

O que eu fiz...

Quem eu escondo...

Holly.

Aperto o anel no dedo, como se fosse um amuleto, mas sei...

Nada me protege do passado.

E ele...

sempre encontra um jeito de voltar.

E agora... está subindo pelo elevador.

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