O Peso do silêncio

O silêncio da mansão era denso, feito de camadas invisíveis que se sobrepunham, abafando sons, pensamentos e até emoções.

Catarine descia as escadas lentamente, os saltos dos sapatos mal tocando o chão de mármore polido. Sabia que, a qualquer momento, o celular vibraria com uma nova mensagem de Eithan, o homem que, apesar de sua educação impecável e charme calculado, a observava como quem espera uma falha, um deslize.

Naquela manhã, Holly piorara. A febre voltara com força e Anastácia passara a noite ao lado dele, administrando os remédios, controlando a temperatura, garantindo que o pequeno não emitisse nenhum som que pudesse ser captado por quem não devia.

Catarine entrou no quarto do filho e o encontrou adormecido, as bochechas queimando em contraste com a palidez do restante do rosto.

— Como ele está? — perguntou, sussurrando.

Anastácia suspirou, ajeitando a manta.

— Estável… por enquanto.

Catarine assentiu, comprimindo os lábios numa linha tensa. Não podia permitir que o estado de Holly interferisse no mundo externo, na imagem que construíra com tanto esforço: a mulher poderosa, fria, inatingível.

Do lado de fora, o carro de Eithan já se aproximava da propriedade.

Ele havia pedido uma última entrevista, alegando querer explorar um ângulo mais íntimo da personalidade dela, algo sobre “os desafios de ser uma mulher tão jovem e bem-sucedida num mundo dominado por homens”.

Ela sabia que aquilo era apenas mais uma tentativa de atravessar a muralha que erguera ao redor de si, mas, como sempre, aceitou.

Na biblioteca da mansão, um ambiente revestido de madeira escura e com estantes que tocavam o teto, ela aguardava quando Eithan foi conduzido até ali.

— Bom dia, senhora Noir — cumprimentou ele, com aquele sorriso discreto que nunca alcançava os olhos.

Ela correspondeu com um aceno breve, indicando a poltrona diante dela.

— O que deseja saber agora, senhor Eithan?

Ele tirou o gravador do bolso, mas não o ligou de imediato.

— Hoje… quero falar sobre você.

Ela ergueu uma sobrancelha, inclinando-se levemente para trás.

— Não é exatamente o foco da matéria, não?

Eithan sorriu.

— Talvez. Mas o público quer conhecer a mulher por trás do império. Seus hábitos, seus medos… suas alegrias.

Catarine manteve a expressão impassível, mas apertou levemente os braços da poltrona, num gesto quase imperceptível.

— Não costumo falar sobre minha vida pessoal.

— Mas todo mundo tem algo que guarda… — provocou ele, com a voz suave como veludo.

Ela sorriu, fria.

— E nem sempre é para ser revelado.

Por um segundo, Eithan a fitou em silêncio, antes de ligar o gravador e começar com perguntas banais sobre rotina, negócios, a coleção nova que seria lançada em breve.

Catarine respondia com a precisão de quem aprendeu a nunca permitir que o coração se misturasse ao discurso.

Enquanto isso, Anastácia, no andar superior, trocava as compressas de Holly, cuidando para que a criança não fizesse barulho. O menino, mesmo fraco, chamava pela mãe de vez em quando, e a babá o acalentava, prometendo que logo ela estaria ali.

Mas Catarine não podia estar. Não enquanto o jornalista – o homem que talvez fosse muito mais do que dizia ser – estivesse dentro da casa.

Na biblioteca, Eithan percebeu um retrato discreto sobre a lareira: uma mulher com um olhar semelhante ao de Catarine, mas mais jovem, mais vulnerável.

— Quem é? — perguntou, apontando com o queixo.

Catarine seguiu o olhar dele, e, por um instante, uma sombra atravessou seu rosto.

— Uma lembrança — respondeu apenas, seca, desviando o olhar.

Eithan sorriu, anotando mentalmente a reação.

Enquanto a entrevista prosseguia, Anastácia enviava uma mensagem cifrada para Catarine:

“Ele piorou.”

Mas Catarine não podia sair dali. Mantinha a postura impecável, respondendo com clareza, sorrindo quando necessário, mantendo a narrativa que construíra com tanto esforço.

Eithan percebeu que havia uma tensão ali, mas não conseguia ainda definir o que era.

Ao final da entrevista, ele se levantou e, antes de sair, disse:

— Espero que possamos conversar de novo… Talvez, quem sabe, em um contexto menos profissional.

Ela sorriu, educada, mas distante.

— Quem sabe…

Assim que ele se foi, Catarine correu até o quarto de Holly.

Encontrou-o ardendo em febre, a respiração curta.

— Mamãe… — chamou ele, com a voz fraca.

Ela se ajoelhou ao lado da cama, segurando-lhe a mão com força, beijando-lhe a testa úmida.

Anastácia, de pé atrás dela, sussurrou:

— Temos que levá-lo ao médico.

Catarine assentiu, com os olhos marejados que não permitiria que ninguém, além de Anastácia e Holly, visse.

Naquela noite, enquanto conduzia o carro até uma clínica particular, cuidando para que ninguém notasse sua ausência, sabia que estava cada vez mais difícil sustentar o peso do silêncio.

E, sem saber, Eithan já começava a puxar os fios da teia que ela levara anos para tecer.

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