A manhã desabrochava em tons acinzentados sobre a cidade, filtrando-se através das cortinas de linho do escritório de Catarine, no topo da imponente sede de sua empresa.
O vidro refletia não apenas o céu opaco, mas também a mulher à frente dele — uma silhueta perfeita, erguida com a mesma rigidez das paredes de mármore ao redor. Catarine terminava de assinar um contrato quando a secretária bateu suavemente à porta. — Seu compromisso das dez está aqui. Ela nem ergueu o olhar. — Mande entrar. A assinatura deslizou firme pela folha, enquanto o coração, lá no fundo, pulsava naquele ritmo controlado e inalterável de quem dominava não só os negócios, mas também os próprios impulsos. Quando levantou a cabeça, viu-o atravessando a porta com passos seguros. O homem da entrevista. O repórter. Ou, pelo menos, era assim que se apresentava. Eithan. A barba levemente por fazer, o olhar cínico escondido atrás de uma expressão afável e estudada, as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo negro. Ele parou diante da mesa, inclinando-se ligeiramente com um sorriso. — Senhora Vasquez… Ela correspondeu com um aceno breve. — Senhor… — Eithan está ótimo. Ela apenas indicou a cadeira diante de si, convidando-o a sentar sem perder um segundo sequer. Ele se acomodou, cruzando as pernas, e abriu o bloco de anotações como quem não tinha pressa alguma. — Espero não estar atrapalhando… — Se estivesse, não estaria aqui — respondeu ela, cortante. Eithan soltou um sorriso enviesado, como se esperasse exatamente aquela resposta. — Justo. Catarine recostou-se na cadeira, cruzando os braços, observando-o com o mesmo olhar calculado que dedicava a qualquer homem que ousasse entrar no seu território. Mas havia algo em Eithan… Não soube definir o que era. Ele parecia confortável demais ali, naquele ambiente que costumava intimidar até mesmo os investidores mais experientes. — Decidi aceitar seu pedido de retorno — ela disse, mantendo a voz firme e sóbria. — Mas só porque a última entrevista foi… inconclusiva. Eithan ergueu uma sobrancelha. — De fato. Puxou uma caneta do bolso interno do casaco e a girou entre os dedos, antes de apoiar o cotovelo na mesa. — Hoje, pretendo ir além das perguntas óbvias. Catarine manteve o rosto inalterado, embora um canto da boca quase tenha ameaçado um sorriso. Ele sabia provocar. Mas ela sabia resistir. — Estou curiosa. — Não deveria. Ela arqueou levemente a sobrancelha, como quem lança um desafio silencioso. Eithan se inclinou um pouco mais para frente, sem tirar os olhos dela. — Todo mundo conhece a empresária. A mulher à frente do império. Mas… quem é Catarine Vasquez quando as luzes se apagam? Um leve silêncio pairou entre eles, denso e afiado. Ela descruzou os braços e apoiou as mãos sobre a mesa, entrelaçando os dedos. — Não sou uma mulher de luzes, senhor Eithan. Só de sombras. Ele sorriu, satisfeito com a resposta. — Excelente começo. Anotou algo no caderno, embora ela soubesse que, na verdade, não precisava de anotações. Estava memorizando tudo. Cada gesto. Cada inflexão. Cada nuance. — Trabalhar com moda… — ele continuou, casual — …é uma forma de projetar imagens, máscaras. A senhora gosta disso? Ela o fitou por um segundo mais longo do que o necessário. — Gosto de criar. O que as pessoas fazem com o que crio… é problema delas. Eithan assentiu lentamente. — E nunca sente… vontade de revelar quem é, de verdade? Ela sorriu. Pela primeira vez, um sorriso de canto, frio, elegante. — Não sou atriz, senhor Eithan. Ele riu suavemente, inclinando a cabeça. — Não? — Não. Eithan fechou o caderno e o deixou de lado, apoiando os antebraços na mesa. — Acho que é. Catarine o observou, o olhar afiado como a lâmina de uma navalha. Aquele homem não era como os outros. Não se intimidava. E, embora dissesse ser repórter, seu olhar tinha a densidade de quem procurava algo além de manchetes. Algo que não havia sido autorizado a procurar. — Acha mesmo? — ela provocou. Eithan inclinou-se ainda mais, como se quisesse atravessar a distância invisível entre eles. — Acho. Porque toda pessoa que esconde algo… atua o tempo todo. O silêncio se instalou de novo. Catarine manteve-se imperturbável, mas as palavras ecoaram por dentro como um sussurro perigoso. Se ele soubesse… Se soubesse da criança escondida na ala mais remota da mansão… Se soubesse das noites insones, das febres, dos desenhos espalhados no chão… Mas ele não sabia. Ninguém sabia. E nunca saberia. — Todos escondem algo, senhor Eithan. Até mesmo os jornalistas. Ele sorriu, aceitando o golpe como um bom jogador. — Justo. Levantou-se, caminhando lentamente até a janela, observando a cidade lá embaixo. — Quando a senhora olha para isso tudo… sente-se realizada? Ela inclinou o rosto, observando-o por trás daquela fachada de vidro. — Realização é uma palavra superestimada. Eithan virou-se para encará-la, agora com o olhar mais sério. — E medo? Catarine ficou em silêncio por um segundo longo demais. Depois, ergueu-se também, caminhando até ele, parando a poucos centímetros de distância. Os dois ficaram lado a lado, olhando para o mundo que se estendia além do vidro, como se, dali, pudessem decidir quem deveria viver sob as luzes e quem deveria permanecer nas sombras. — O medo não tem lugar aqui — ela disse, firme. Ele a fitou, os olhos buscando fissuras naquela armadura impenetrável. — Isso é… admirável. Ela sorriu, mas o sorriso não alcançou os olhos. — Não. É necessário. O telefone sobre a mesa tocou, quebrando o momento. Catarine deu um passo para trás, como quem volta para dentro de uma muralha invisível. — Preciso atender. Eithan assentiu, pegando o caderno e a caneta. — Posso marcar outra conversa? Ela hesitou um segundo. Depois, assentiu. — Marque com a minha secretária. Ele sorriu, inclinou-se levemente em despedida e caminhou até a porta. Antes de sair, parou, segurando a maçaneta. Virou-se apenas o suficiente para que ela o ouvisse. — As melhores máscaras… são as que ninguém sabe que existem. E saiu. Catarine ficou ali, parada, olhando para a porta fechada, com a mão sobre o vidro frio da janela. Respirou fundo, ajustou o blazer impecável e voltou ao telefone, como se nada tivesse acontecido. Mas, por dentro, algo pequeno e silencioso se deslocou. Talvez um pressentimento. Ou apenas mais um reflexo de todas as coisas que precisava manter enterradas. Para sempre.