Os dias que se seguiram à entrevista na mansão foram marcados por uma inquietação que Eithan não conseguia nomear. Algo na maneira como Catarine conduzia suas respostas, no modo como seus olhos vacilavam por frações de segundo, despertava nele uma suspeita surda, incômoda, como um fio de seda que se enroscava lentamente ao redor do pescoço.
No entanto, não havia prova concreta, apenas a sensação de que aquela mulher — tão perfeita, tão inatingível — escondia algo bem maior do que deixava transparecer. Eithan voltou a procurá-la sob o pretexto de concluir a série de entrevistas que, supostamente, comporiam um extenso perfil para a revista internacional de negócios. A proposta foi recebida com a mesma frieza elegante de sempre. — Claro, senhor Eithan… — respondera ela ao telefone, com aquela voz aveludada e distante. — Agende com minha assistente. No escritório da Maison Noir, a empresa de moda que comandava com mão firme, Catarine era a imagem perfeita do poder e da sofisticação. Os funcionários a temiam e a reverenciavam em igual medida, movendo-se ao redor dela como peças obedientes num tabuleiro silencioso. Na manhã do novo encontro, Eithan aguardava na antessala, observando discretamente os quadros pendurados nas paredes: imagens monocromáticas, corpos femininos envoltos em tecidos fluidos, sempre tons de preto, cinza e azul profundo. A porta do escritório se abriu e lá estava ela, impecável num vestido de alfaiataria escura, com um lenço de seda no pescoço e os cabelos presos num coque firme. — Entre, Eithan. Ele obedeceu, cruzando o limiar como quem pisa em terreno minado. Enquanto isso, na mansão, Holly permanecia acamado, o rosto pálido, os olhos fundos. A febre oscilava, e Anastácia velava por ele com devoção silenciosa. A babá sabia que a patroa escondia não apenas um filho, mas também uma parte inteira de si mesma que jamais admitiria, nem sob tortura. Na empresa, Eithan acomodou-se diante da mesa de mármore negro enquanto Catarine se servia de café. — Como tem passado? — arriscou ele, observando os dedos longos e pálidos segurando a xícara. — Como sempre — respondeu ela, evasiva, soprando suavemente o vapor antes de beber. Eithan percebeu, então, uma leve marca arroxeada sob os olhos dela, como de noites maldormidas. — A senhora parece cansada — comentou, casual, quase como quem j**a uma isca. Catarine ergueu os olhos para ele, afiados como lâminas. — O trabalho exige. Ele sorriu, cortês. — Natural. Mas… não é apenas isso, certo? Por um breve segundo, o olhar dela vacilou. — Não entendo a que se refere. — À tensão, ao cansaço… Há algo mais. Ela inclinou-se para frente, cruzando as mãos sobre a mesa. — Eithan… — disse, num tom suave, porém gélido —, aconselho que se limite às perguntas profissionais. Ele assentiu, percebendo que avançara além da linha invisível que ela traçava com tanta precisão. De volta à mansão, Catarine receberia naquela noite um relatório médico sobre Holly: a febre persistia, mas não havia risco imediato. Anastácia, por sua vez, cuidava para que a criança não fizesse qualquer ruído durante as visitas esporádicas de Eithan. Naquele mesmo dia, após a entrevista, Eithan caminhava pelo estacionamento, revendo mentalmente a sequência de respostas evasivas, os pequenos silêncios, as mãos crispadas. Algo não fechava. Sacou o celular e ligou para o irmão de Catarine, seu contratante. — Não há nada conclusivo — disse, enquanto acendia um cigarro. — Ela é impecável… até demais. Do outro lado da linha, a voz soava fria, decidida: — Continue. Ela está escondendo algo. Eu sei. Eithan desligou, fitando o céu carregado sobre a cidade. No dia seguinte, voltou à empresa sob o pretexto de buscar imagens de arquivo para ilustrar a matéria. Durante a coleta, passou pela sala de reuniões onde, por um instante, flagrou Catarine ao telefone, o semblante tenso, a mão apertando o braço como quem segura a própria dor. — Não… Não, agora não posso… — dizia ela, antes de perceber a presença dele e desligar abruptamente. — Está tudo bem? — perguntou Eithan, parando à porta. Ela sorriu, com aquele sorriso que não alcançava os olhos. — Sempre. Eithan segurou o olhar dela, sustentando o silêncio até que ela desviasse primeiro. Naquela noite, Catarine voltou à mansão mais tarde do que o habitual. Subiu correndo a escadaria, livrando-se dos saltos a meio caminho, até alcançar o quarto de Holly. Lá estava ele, dormindo, com o peito subindo e descendo lentamente sob a manta de linho. Anastácia sentava-se ao lado, segurando a mão pequena com firmeza. — Como ele está? — perguntou Catarine, baixando a voz. — A febre cedeu um pouco… mas está fraco. Catarine passou a mão pelos cabelos do filho, com delicadeza, antes de depositar um beijo leve em sua testa úmida. — Obrigada, Anastácia. A babá sorriu, cansada, mas cúmplice. — Sempre. Na madrugada, enquanto o relógio da mansão marcava três horas, Catarine desceu sozinha até o jardim. Caminhou entre as sombras, respirando o ar frio, tentando sufocar a angústia que latejava dentro dela como uma ferida aberta. Não podia fraquejar. Não agora. Não com Eithan tão próximo. E, acima de tudo, não podia deixar que ele soubesse… No dia seguinte, Eithan enviou uma mensagem, propondo mais uma entrevista. Catarine, de pé junto à janela da mansão, observando o céu cinzento, respondeu apenas: “Quando quiser.” E, enquanto apertava o celular com força, o som de uma tosse fraca ecoou no andar de cima. Ela fechou os olhos por um segundo, inspirando fundo, antes de seguir com a pose de mulher inabalável. O segredo seguia intacto. Mas Eithan, silenciosamente, começava a apertar o cerco…