O apartamento está escuro e silencioso quando chego, pelo corredor percebo a porta do quarto do meu pai fechada e o sofá disponível para que eu me arraste até ele e despenque igual fruta podre. Meus pés estão latejando, os ombros e braços rígidos de tanto equilibrar bandejas e a dor de cabeça parece uma sinfonia preenchendo todo o interior do meu crânio.
Mas eu sobrevivi. E fui paga por isso.
Não era muito dinheiro, mas qualquer quantia sempre é bem-vinda.
O coquetel foi exatamente como eu esperava: um desfile de hipocrisia, arrogância e sorrisos falsos. Alguns poucos rostos me reconheceram e nenhum deles teve o impacto que eu temia. Todos eles me atingiram de maneira superficial.
Exceto ele. Nada me preparou para reencontrar Dante Vasconcelos.
Meu coração acelera só com a vaga lembrança do seu toque firme em mim, seus olhos gentis me encarando com escrutínio.
Passei o dia inteiro preocupada com a possibilidade de esbarrar em Alberto Vasconcellos, o que teria sido horrível. Já foi humilhante o suficiente estar no meio daquela gente, mas ter que encontrar meu ex-namorado naquele estado foi provavelmente uma das piores coisas que eu poderia experimentar.
Dante sempre odiou coquetéis e ventos corporativos, ele nunca ia a nenhum deles. Nas poucas ocasiões em que eu o convidava para ir, ele me convencia de que, se eu queria usar um vestido chique, nós podíamos ir para qualquer outro lugar. Então me levava para algum jantar romântico que sempre terminava na cobertura dele, com o vestido arremessado num canto qualquer.
Hoje me arrependo amargamente dessas decisões. Eu deveria ter ido aos coquetéis, conversado mais com os poderosos chefões, descoberto mais informações, criado mais contatos.
Mas eu me permiti ser só a patricinha mimada, e quando tudo ruiu, eu não tinha absolutamente nada para oferecer a meu pai. Nada que pudesse tirar a gente dessa situação.
Ver Dante lá fez com que eu me sentisse… traída?
Era mais confortável imaginar que ele continuaria odiando e evitando certas coisas porque isso sempre me deu a falsa sensação de que o mundo tinha parado para me esperar.
Por muito tempo achei que, quando eu fosse me reerguer, conseguiria continuar exatamente de onde parei. Era o tipo de ilusão que me mantinha em pé, tentando, lutando.
Claro que, no fundo, eu sabia que isso era impossível, e com o tempo perdi a perspectiva de voltar para aquela vida. Eu nunca mais voltarei a ser aquela Isabella Mendes.
Argh. Nos últimos meses o apelido Bella adquiriu um gosto amargo em meus ouvidos, mas ouvir Dante pronunciando com sua voz grave, fez coisas… contraditórias com meu corpo.
Foi uma familiaridade agradável, vindo de uma situação nem tão agradável assim. Apesar de alto, impecável e todo vestido como o herdeiro perfeito, Dante não é nenhum santo. Vez ou outra, mesmo que eu fuja disso como diabo que foge da cruz, as fofocas de sua vida ainda chegam até mim.
E algumas vezes me peguei pensando como teria sido se as coisas fossem diferentes. Se meu pai não perdesse a empresa, se eu continuasse vivendo naquele mundo, se nós continuássemos um casal. Ou melhor, por quanto tempo teríamos continuado?
Porque, pelo estilo de vida que Dante leva, fica muito claro para mim que das duas uma: ou teríamos terminado pouco tempo depois, ou eu teria sido uma grande corna. E odeio pensar isso, que talvez nosso amor não era tão lindo e puro como eu achava. Que a qualquer momento tudo aquilo desabaria sobre minha cabeça.
Eu quero muito acreditar que Dante Vasconcellos não é nada além de um rosto do passado, uma lembrança de uma época que eu prefiro esquecer, mas quanto mais penso nele, mais rancorosa me sinto.
Aparentemente, enfrentar seu avô e devolver a empresa do meu pai para seu legítimo dono não era algo que ele estava muito preocupado na época.
“Fusões assim acontecem o tempo todo, não posso bater no escritório do meu avô e exigir que ele devolva tudo para seu pai, não sei qual foi o acordo que eles fizeram, mas não é assim que funciona.”
Fazia tempo que eu não lembrava dessa conversa, talvez porque eu já tinha esquecido como era a voz de Dante, mas agora ela está vívida demais na minha cabeça e eu acabo me lembrando de muitas outras coisas inconvenientes.
“Eu te amo tanto, Bella, me diz o que posso fazer pra ajudar.”
“Você é linda, é a mulher mais linda que eu já vi.”
“Um dia eu ainda vou colocar um anel nesse dedo.”
— Chega! — digo, interrompendo as memórias que me inundam como se uma represa tivesse se rompido dentro de mim.
Dante me deixou partir e seguiu com sua vida.
Nunca nem tentou ir atrás de mim. Talvez ele só estivesse esperando uma oportunidade para terminar comigo, para cair na vida de noitadas e libertinagem que ele vive agora. Talvez eu tenha lhe feito um favor ao terminar com ele, assim ele não precisaria carregar nenhuma culpa. Imagina ter que terminar comigo depois de tudo o que aconteceu, teria sido muito pior. Mas, como fui eu quem terminou, ele ainda saiu como o bonzinho da história.
A parte boa de reencontrá-lo é saber que tudo realmente acabou. Não existe mais nada entre nós, não preciso nem me preocupar em esbarrar com ele outra vez, já que não vou aceitar outro trabalho desses e ele nunca vai chegar nem perto do lugar decadente onde estou agora. Vivemos em mundos totalmente diferentes agora e existe um abismo entre nós.
O silêncio do apartamento de cobertura é opressor. Quando jogo as chaves sobre o aparador ao lado da porta e afrouxo a gravata sinto a pressão da noite pesar sobre mim.Não sei dizer o que me incomodou mais: o encontro inesperado com Bella, ou o jeito que ela me olhou. Como se eu fosse a personificação de tudo o que havia dado errado em sua vida.Eu não era um erro, sabia disso. No instante em que ela falou comigo, sua voz engatilhou tantas memórias, tantas declarações. Não tinha como eu ser seu erro.Mas naquele momento, parados naquele corredor, ela me convenceu.Pego um copo e me sirvo com uísque, não que eu já não tenha tomado o suficiente naquele coquetel, a
O celular vibra em cima da mesa da cozinha enquanto lavo a louça do café da manhã. Olho de relance para a sala, onde meu pai não desgruda os olhos da TV, e quando espio o celular a tela já apagou. Como não tenho pressa para ler mais uma notificação de cobrança, termino de lavar minha louça com calma.Quando enfim pego o celular, antes mesmo de desbloquear a tela, sinto uma esperança como se fosse um raio me acertando. A notificação que ignorei poderia ser uma oferta de trabalho temporário da agência.O dinheiro que recebi do coquetel no final de semana passado tinha aliviado várias contas atrasadas, eu estava até me convencendo de que poderia usar só um pouquinho para sair essa noite. Não tanto para comemorar, não tinha nada a ser celebrado, eu ainda continuo devendo dinheiro, vivendo num apartamento caindo aos pedaços, mas eu preciso tanto de uma distração.
O alívio de Bella durou pouco. Quando ela finalmente me vê ali, o vermelho sobe por seu busto, seu pescoço, orelhas e bochechas. De repente, me vejo muito consciente do quanto a pele dela deve estar quente e preciso contar o impulso de tocá-la.Ela está linda e eu me agarrei a todo o meu autocontrole para não interceptá-la mais cedo. Mas deu para notar como ela precisava disso, de um espaço, de um momento só dela. Algumas coisas nunca mudam.Enzo tenta mediar a situação enquanto Bella e Lucca discutem sobre sua atitude invasiva. Não me intrometo mais porque a culpa é de Enzo, ele foi quem a viu primeiro, uma coincidência e tanto, quase boa demais para ser verdade. Lucca é um babaca e teria merecido se eu tivesse batido nele de verdade.
Engulo a vontade de chorar, porque seria um erro fatal demonstrar o quanto as palavras de Dante me machucam.Pelo visto, não foi à toa que ele me superou tão rápido. Se teve sangue-frio para me pedir em casamento, só como uma estratégia para sei lá o quê ele está planejando, dispensando meu amor, é porque ele não é mesmo mais o Dante que eu conhecia, ou que acreditava conhecer.“São negócios” ele disse. As palavras ainda ecoam na minha mente.Ouvi essa frase mais vezes do que fui capaz de contar. Quando perdi tudo, era sempre sobre negócios. As pessoas parecem esquecer que por trás de empresas existem pessoas de carne e osso, que também lutam, que também sofrem, que também amam.Eu nunca mais amaria Dante de novo. Isso era óbvio. Provavelmente não é uma boa ideia trazer Bella para meu apartamento, mas quando ela não recusou meu convite para comer, só consegui pensar nas pizzas que ela me pedia quando estávamos juntos.Nunca fui bom cozinheiro, mas adorava inventar recheios mirabolantes com o que quer que tivesse na geladeira e porções absurdas de queijo para matar nossa fome. Sempre amei ver sua reação experimentando cada uma delas.Tá, isso foi uma péssima ideia.Só me resta torcer para que ela se lembre disso também e, com alguma sorte, isso funcione a meu favor no que diz respeito ao casamento falso.Ela encara a banqueta que costumava ser seu lugar, do outro lado do balcão, mas não senta.— Tudo continua igual por aqui… — comenta cruzando os braçoCapítulo 12 - Dante Vasconcellos
Vir aqui foi uma péssima ideia. Desde essa maluquice de casamento por contrato até a pizza e esse sofá, e o perfume de Dante impregnando minhas narinas e cada uma das memórias que ameaçam despertar.— É só um ano, Bella — ele diz num sussurro. — É mais fácil a imprensa acreditar que a gente se reencontrou por acaso e que o destino nos juntou de novo. O que é parcialmente a verdade.— E depois de um ano, Dante? O que acontece?— Divórcio amigável. Você sai e leva o que for seu por direito e eu garanto minha herança.Encaro Dante por longos segundos. É muita, muita maluquice. Então, por que não consigo simplesmente dizer não? Por que não me levanto daqui e vou embora agora mesmo? Já fiz isso antes, posso deixá-lo falando sozinho. Me sinto frustrado, e nos últimos anos só uma coisa foi capaz de aliviar minha frustração. Pego o celular determinado a encontrar alguém disponível. Alguém que já conheça como as coisas funcionam.Não quero apego, nem me envolver emocionalmente. Quero só a parte descomplicada dos relacionamentos.Rolo pelos contatos e pouco a pouco algo vai me consumindo. Algo que me deixa ainda mais frustrado, o que, contrariando minha expectativa, me deixa com ainda menos vontade de transar.Passo a mão pelos cabelos, respirando fundo e exalando devagar, tentando manter a cabeça no lugar enquanto encaro a porta do elevador fechada. O silêncio e a solidão são opressores.Num diCapítulo 14 - Dante Vasconcellos
Quando ainda estava descendo no elevador naquele prédio opulento de Dante, eu já sabia que voltar para a rotina não seria nada fácil. Eu só não esperava que fosse tão sufocante.Nos primeiros dias fiz o possível para me convencer de que tinha tomado a decisão certa. Sustento minhas palavras, não sou um objeto, nem uma prostituta, eu não iria permitir que Dante me tratasse como algo descartável. O casamento tem prazo de validade, mas eu não.Na hora, isso falou mais alto que as contas atrasadas, mas as ligações dos cobradores foram rápidas em me lembrar que eu não tinha muito tempo e tinha ainda menos perspectiva de conseguir pagar tudo de maneira convencional.Era quase como se uma parte de mim, uma muito quebrada e cansada, tentasse me convencer com uma voz fraquinha no fundo da minha mente, dizendo que me vender p