O silêncio do apartamento de cobertura é opressor. Quando jogo as chaves sobre o aparador ao lado da porta e afrouxo a gravata sinto a pressão da noite pesar sobre mim.
Não sei dizer o que me incomodou mais: o encontro inesperado com Bella, ou o jeito que ela me olhou. Como se eu fosse a personificação de tudo o que havia dado errado em sua vida.
Eu não era um erro, sabia disso. No instante em que ela falou comigo, sua voz engatilhou tantas memórias, tantas declarações. Não tinha como eu ser seu erro.
Mas naquele momento, parados naquele corredor, ela me convenceu.
Pego um copo e me sirvo com uísque, não que eu já não tenha tomado o suficiente naquele coquetel, até porque foi preciso para sobreviver ao resto da noite. Meu olhar vasculhava cada canto do salão, como se um ímã me obrigasse a ficar acompanhando os passos de Bella, mesmo sabendo que ela não arriscaria chegar perto de mim de novo.
E não chegou mesmo. Me evitou com maestria. E isso doeu.
Houve um tempo em que o magnetismo era mutuo, em que, independente de quantas pessoas ou quanto espaço nos separava, nós sempre encontrávamos o caminho e terminávamos um nos braços do outro.
Como tudo isso se perdeu assim? Tão rápido?
Paro de frente para a ampla parede de vidro com vista para a cidade iluminada, a noite continuando viva e agitada lá fora, como sempre costuma ser aos finais de semana. Eu deveria estar lá, em alguma dessas festas onde carros de luxo entram e saem o tempo todo.
Mas ao invés disso, estou aqui, pensando nela. Em Isabella Mendes. No reflexo do vidro, quase me vejo mais novo. O Dante que ela abandonou.
Lembro de quando meu avô disse para eu não me preocupar, porque a família Mendes ficaria bem.
Bella não parecia nada bem. Continuava linda, é verdade, mas também parecia que a vida lhe sugou boa parte da mulher incrível que ela costumava ser. Estava assustadoramente magra, com olheiras profundas, ainda que a maquiagem disfarçasse bem.
Só consigo imaginar em que tipo de situação Bella precisa estar para se submeter a trabalhar como garçonete em um evento onde era óbvio que encontraria gente do passado. Incluindo mulheres e homens que estariam mais que prontos para julgá-la e que se divertiriam muito fazendo isso.
Dou um longo gole no uísque e pego o celular. A curiosidade latejando, uma necessidade quase irritante de entender o que aconteceu. A mesma necessidade que me consumiu logo após o término.
Digito seu nome no mecanismo de busca e aperto enter.
Os primeiros resultados são fotos antigas de eventos de gala, a Bella que conheci. Sorrindo ao lado dos pais, vestindo vestidos impecáveis, os cabelos sempre soltos, cachos largos emoldurando o rosto e caindo sobre os ombros. A expressão sempre carregada da confiança de quem sabe seu lugar.
Sempre sonhou alto, grande, era ousada, ambiciosa. Bella sempre pertenceu a esse mundo. Até não pertencer mais.
Conforme rolo a página, a história muda.
A fusão entre a Mendes Tech e a Vasconcellos Corp começa a protagonizar a história de Bella. Algo chama minha atenção, uma palavra que parece mal encaixada.
"Após a fusão, Jorge Mendes deixou a companhia. Rumores indicam que sua participação na empresa foi reduzida a zero. Desde então, a família Mendes desapareceu dos círculos de elite."
Ele deixou a companhia. Não foi removido, como Bella defende. Isso explica algumas coisas, acho.
Continuo buscando por resposta na tela do celular, os artigos posteriores são escassos, eles perderam relevância. Não há fotos recentes, nenhuma menção em colunas sociais ou entrevistas. Eles simplesmente desapareceram da mídia.
A ponto de ninguém realmente se importar que agora ela carrega bandejas em um evento para o qual, anos atrás, teria sido convidada.
Por que eu ainda sinto que algo está estranho? Como se faltasse alguma peça ou eu estivesse olhando só para um pedaço do jogo?
Desabo no sofá, tentando relaxar. Mas aquele lugar também desperta memórias.
Bella sentada sobre mim, me abraçando com braços e pernas, minhas mãos subindo por suas coxas, quadril, cintura, seios… o vestido arremessado para qualquer lugar onde não fosse mais uma barreira para o meu toque, para minha boca.
Lembro de como ela sempre sorria quando eu me enfiava nela, e do carinho delicado em meu rosto mesmo em meio ao prazer febril. Eu nunca me senti tão amado como quando ela me olhava daquele jeito. Mas aparentemente eu não sei o que é amor, já que pouco tempo depois ela terminou comigo e tudo aquilo que ela sentia simplesmente deixou de existir.
Encaro o celular com um frio no estômago. Digito o meu nome depois do dela e encaro as fotos de um passado que parece mais como uma vida inteira.
A mídia nos adorava. As notícias nunca foram maldosas, éramos o casal queridinho da elite.
Isso me desperta para um problema atual. O contraste de quem eu era e quem eu sou. De repente, entendo por que a mídia ficou tão obcecada com minha vida sexual.
— Puta que pariu. É isso! — salto no sofá, largado o copo na mesa de centro e imediatamente tirando um print da tela e deslizando pelos aplicativos e contatos até encontrar a conversa com Enzo.
É perfeito. Vai soar autêntico.
Acabei de encontrar minha noiva por contrato.
O celular vibra em cima da mesa da cozinha enquanto lavo a louça do café da manhã. Olho de relance para a sala, onde meu pai não desgruda os olhos da TV, e quando espio o celular a tela já apagou. Como não tenho pressa para ler mais uma notificação de cobrança, termino de lavar minha louça com calma.Quando enfim pego o celular, antes mesmo de desbloquear a tela, sinto uma esperança como se fosse um raio me acertando. A notificação que ignorei poderia ser uma oferta de trabalho temporário da agência.O dinheiro que recebi do coquetel no final de semana passado tinha aliviado várias contas atrasadas, eu estava até me convencendo de que poderia usar só um pouquinho para sair essa noite. Não tanto para comemorar, não tinha nada a ser celebrado, eu ainda continuo devendo dinheiro, vivendo num apartamento caindo aos pedaços, mas eu preciso tanto de uma distração.
O alívio de Bella durou pouco. Quando ela finalmente me vê ali, o vermelho sobe por seu busto, seu pescoço, orelhas e bochechas. De repente, me vejo muito consciente do quanto a pele dela deve estar quente e preciso contar o impulso de tocá-la.Ela está linda e eu me agarrei a todo o meu autocontrole para não interceptá-la mais cedo. Mas deu para notar como ela precisava disso, de um espaço, de um momento só dela. Algumas coisas nunca mudam.Enzo tenta mediar a situação enquanto Bella e Lucca discutem sobre sua atitude invasiva. Não me intrometo mais porque a culpa é de Enzo, ele foi quem a viu primeiro, uma coincidência e tanto, quase boa demais para ser verdade. Lucca é um babaca e teria merecido se eu tivesse batido nele de verdade.
Engulo a vontade de chorar, porque seria um erro fatal demonstrar o quanto as palavras de Dante me machucam.Pelo visto, não foi à toa que ele me superou tão rápido. Se teve sangue-frio para me pedir em casamento, só como uma estratégia para sei lá o quê ele está planejando, dispensando meu amor, é porque ele não é mesmo mais o Dante que eu conhecia, ou que acreditava conhecer.“São negócios” ele disse. As palavras ainda ecoam na minha mente.Ouvi essa frase mais vezes do que fui capaz de contar. Quando perdi tudo, era sempre sobre negócios. As pessoas parecem esquecer que por trás de empresas existem pessoas de carne e osso, que também lutam, que também sofrem, que também amam.Eu nunca mais amaria Dante de novo. Isso era óbvio. Provavelmente não é uma boa ideia trazer Bella para meu apartamento, mas quando ela não recusou meu convite para comer, só consegui pensar nas pizzas que ela me pedia quando estávamos juntos.Nunca fui bom cozinheiro, mas adorava inventar recheios mirabolantes com o que quer que tivesse na geladeira e porções absurdas de queijo para matar nossa fome. Sempre amei ver sua reação experimentando cada uma delas.Tá, isso foi uma péssima ideia.Só me resta torcer para que ela se lembre disso também e, com alguma sorte, isso funcione a meu favor no que diz respeito ao casamento falso.Ela encara a banqueta que costumava ser seu lugar, do outro lado do balcão, mas não senta.— Tudo continua igual por aqui… — comenta cruzando os braçoCapítulo 12 - Dante Vasconcellos
Vir aqui foi uma péssima ideia. Desde essa maluquice de casamento por contrato até a pizza e esse sofá, e o perfume de Dante impregnando minhas narinas e cada uma das memórias que ameaçam despertar.— É só um ano, Bella — ele diz num sussurro. — É mais fácil a imprensa acreditar que a gente se reencontrou por acaso e que o destino nos juntou de novo. O que é parcialmente a verdade.— E depois de um ano, Dante? O que acontece?— Divórcio amigável. Você sai e leva o que for seu por direito e eu garanto minha herança.Encaro Dante por longos segundos. É muita, muita maluquice. Então, por que não consigo simplesmente dizer não? Por que não me levanto daqui e vou embora agora mesmo? Já fiz isso antes, posso deixá-lo falando sozinho. Me sinto frustrado, e nos últimos anos só uma coisa foi capaz de aliviar minha frustração. Pego o celular determinado a encontrar alguém disponível. Alguém que já conheça como as coisas funcionam.Não quero apego, nem me envolver emocionalmente. Quero só a parte descomplicada dos relacionamentos.Rolo pelos contatos e pouco a pouco algo vai me consumindo. Algo que me deixa ainda mais frustrado, o que, contrariando minha expectativa, me deixa com ainda menos vontade de transar.Passo a mão pelos cabelos, respirando fundo e exalando devagar, tentando manter a cabeça no lugar enquanto encaro a porta do elevador fechada. O silêncio e a solidão são opressores.Num diCapítulo 14 - Dante Vasconcellos
Quando ainda estava descendo no elevador naquele prédio opulento de Dante, eu já sabia que voltar para a rotina não seria nada fácil. Eu só não esperava que fosse tão sufocante.Nos primeiros dias fiz o possível para me convencer de que tinha tomado a decisão certa. Sustento minhas palavras, não sou um objeto, nem uma prostituta, eu não iria permitir que Dante me tratasse como algo descartável. O casamento tem prazo de validade, mas eu não.Na hora, isso falou mais alto que as contas atrasadas, mas as ligações dos cobradores foram rápidas em me lembrar que eu não tinha muito tempo e tinha ainda menos perspectiva de conseguir pagar tudo de maneira convencional.Era quase como se uma parte de mim, uma muito quebrada e cansada, tentasse me convencer com uma voz fraquinha no fundo da minha mente, dizendo que me vender p
O sino sobre a porta do pequeno café tilinta quando entro, chamando a atenção das poucas pessoas ali presentes, e o mais importante, a atenção dela.Parada no meio do salão, Bella me encara como se eu fosse uma assombração. O homem baixinho atrás do balcão solta um pigarro e ela abaixa a cabeça e segue seu curso até depositar uma xícara de café em uma das mesas ocupadas.Ignoro os olhares curiosos e me sento na ponta do balcão, longe do senhor que deduzo ser o chefe. Não acredito que ela poderá se sentar em uma mesa comigo, pelo menos aqui ela pode fingir que trabalha enquanto conversamos.Assumindo que ela vai co