O som do monitor é constante. Bella passou por mais uma bateria de exames e os médicos estão muito confiantes de que não há nenhuma sequela ou consequência para sua queda.
Não saio do seu lado e nem largo sua mão por nada. Estou onde quero estar e onde devo ficar.
Alguém bate na porta.
— Com licença — ouço a voz e sinto os dedos de Bella se apertarem ainda mais entre os meus.
Viro para ver a mulher alta, elegante e um pouco mais envelhecida do que eu me lembrava, mas com o mesmo ar de superioridade disfarçada. As mãos cheias de anéis apertam uma bolsa caríssima contra o corpo. Os olhos varrem o quarto com uma mistura de análise e desprezo.
Já estou cansada desse hospital, mas pelo menos agora me deixam sair do quarto, desde que seja numa cadeira de rodas, com Dante me empurrando para lá e para cá.De qualquer forma, ainda estou deitada em uma maca de hospital. Outra maca. Outra sala. Mas um motivo novo e empolgante.— Está pronta? — o médico pergunta enquanto aplica um gel aquecido na minha barriga.Assinto, mas não consigo dizer nada. Dante está em pé ao meu lado, uma das mãos entrelaçada na minha, como tem sido nos últimos dias. A outra está espalmada no peito, talvez segurando o próprio coração no lugar.Ainda não há nada para ver, mas seus olhos estão fixos no monito
Saio do estacionamento do hospital me perguntando quando vai ser a próxima vez que vamos voltar aqui? Espero que somente quando Bella entrar em trabalho de parto.Não faz nem dez dias desde o acidente, mas parece que se passaram anos. Foi uma rotina cansativa e angustiante. Como se não bastasse todo o susto com a saúde de Bella e do bebê, ainda tive que lidar com todas as outras mudanças em minha vida.Mudei minha visão de mundo, minhas prioridades e minha história. Tive que dar depoimentos, estar em reuniões com uma sala cheia de advogados, policiais, outros empresários…Mas agora Bella recebeu alta e eu só quero levar minha mulher para nossa casa e cuidar bem dela. E por cuidar bem dela, digo que conversei com um médico obste
Dante deita ao meu lado, beijando os hematomas no meu corpo gentil e lentamente. Sei que eu deveria estar respeitando o repouso, mas é difícil quando me sinto tão bem, tão viva.Algumas partes do meu corpo ainda doem, é verdade. Meu braço segue quebrado, mas quando Dante me toca, a dor desaparece. Só o que sinto é um fogo descontrolado que parece se alastrar pelas minhas veias.— Tente se mexer o mínimo possível — ele diz com a voz grave enquanto tira a camisa. Senti falta disso, dessa vista, desse homem. Solto um suspiro alto e ele balança a cabeça, divertido. — Como o bebê não sofreu nenhum trauma direto, tem algumas coisinhas que a gente ainda pode fazer, você só não pode fazer muito esforço.
O cheiro de café requentado se mistura ao som do telefone tocando insistentemente no balcão de metal, as vozes falam todas ao mesmo tempo, formam um zunido constante e desconfortável, como se fosse um enxame de insetos.Meu celular vibra no bolso da calça, mas respiro fundo e ignoro tudo enquanto equilibro uma bandeja cheia de xícaras e pratos sujos.O café onde trabalho está lotado nesse fim de tarde e meu chefe, Olavo, um homem baixinho e rabugento, já está bufando impaciente atrás do balcão.— Isabella, se demorar mais um segundo, os clientes vão ter que comer os guardanapos! — resmunga, deslizando outro pedido na minha direção.Respiro fundo, conto mentalmente até três e forço um sorriso simpático.— Eles sabem que sua comida vale a pena esperar, chefe.Ele quase sorri com orgulho, mas deve ter algum código de conduta pessoal que o impeça de ser querido pelos funcionários, o mais perto que consigo de sua simpatia é ser ignorada. O que pode significar que não estou fazendo nada err
Odeio pensar que talvez Enzo esteja certo: estou ficando velho. Minhas ressacas estão se tornando cada vez mais insuportáveis.Aperto os olhos puxando as memórias da noite passada, mas tudo se embaralha. O despertador toca, mas o que me desperta é a mão quente e macia no meu peito.Espio para confirmar que trouxe duas mulheres para casa, e elas sorriem entre si, depois para mim, rastejando pela cama, cada uma cobrindo uma lateral do meu corpo. Tento alcançar o celular para desativar o toque irritante do alarme. Só quando meu dedo tateia a tela onde deveria estar o botão é que percebo que, na verdade, estou recebendo uma chamada.Alberto Vasconcellos só me liga para duas coisas: desejar parabéns e arrancar meu couro. Digamos que hoje não é meu aniversário…Dispenso as meninas, contornando a situação para não ter que citar o nome de nenhuma das duas, já que não lembro quais são. Bebo um litro inteiro de água e lavo o rosto na água fria da pia do banheiro.Abro as redes sociais e mergulh
Entro no apartamento sem me dar o trabalho de acender as luzes. A luz da TV na pequena sala de estar ilumina o rosto pálido e ossudo de meu pai. Seu olhar está fixo na tela, mas não de um jeito concentrado, só de um jeito… vazio.— Oi, pai. — Tento forçar uma simpatia na voz, uma falsa felicidade por estar de volta nesse muquifo apertado e mofado.Como se fosse uma recompensa chegar em casa e encontrar meu pai, que nem levantou do sofá o dia inteiro, porque é como se já fossem uma coisa só, fundidas num ranço de depressão e descaso.Sinto a culpa me consumir quando penso nisso e me repreendo mentalmente.— Você comeu alguma coisa? — pergunto, tirando os sapatos perto da porta e largando as sacolas do mercado em cima do pequeno balcão da cozinha.Nada.Solto um suspiro cansado, aprendi a me acostumar com seu silêncio. Quase não me lembro mais do homem forte que ele costumava ser, um líder nato. O que me sobrou foi um homem pálido, apático, uma versão desgastada do homem que eu admirava
— Como requisito indispensável à manutenção da condição de herdeiro legítimo blablablá o beneficiário deverá contrair matrimônio com e manter o vínculo conjugal pelo período mínimo de doze meses a contar da data da celebração da união civil.— Eu sei, eu já li — murmurei, afundando no sofá de couro.— Não terminei — meu melhor amigo, Enzo, ralha. — Durante a vigência do matrimônio, o beneficiário deverá preservar a integridade e a reputação pública do nome Vasconcellos, abstendo-se de condutas que possam comprometer a imagem da família ou da empresa, direta ou indiretamente.— Traduzindo: um marido não vai pra balada, não traí, não bebe, não trepa…— Trepa com a esposa pelo menos.— Que esposa? Você acha mesmo que eu vou conseguir seguir qualquer coisa que esteja aí? — Minha voz sai mais aguda do que eu gostaria.Passei o dia inteiro pensando nisso. Ou mais especificamente, pensando em como me livrar disso.— Seria mesmo tão ruim eu recusar? Eu ainda teria as coisas que estão no meu n
“A Imperial Catering Services, empresa referência em eventos de alto padrão, está em busca de garçonetes profissionais para atuar em um coquetel exclusivo no prestigiado Lee Palace Hotel.”As palavras ainda se embaralhavam na minha memória.Isso era ruim. Péssimo. Catastrófico. Eu conhecia a Imperial Catering Services e conhecia o Lee Palace Hotel. Já havia contratado um e participado de coquetéis no outro, mas parece que foi em outra vida.Porque foi. Eu era outra Isabella naquele tempo, é isso que alguns zeros do lado certo da vírgula fazem por você. O Lee Palace Hotel brilha como um castelo moderno sob a iluminação dourada da fachada. Suas enormes portas de vidro refletem a sofisticação dos convidados que entram, vestindo roupas que custam bem mais do que eu consigo ganhar em um ano inteiro.Respiro fundo antes de cruzar a entrada lateral destinada aos funcionários, o estômago dando piruetas de ansiedade. Eu já me sinto humilhada antes mesmo de começar o serviço.A sala de funcio