A Casa dos Vasconcellos

O portão de ferro se abriu com um rangido quase cerimonial, revelando a mansão Vasconcellos: uma construção imponente de linhas clássicas, jardins impecáveis e colunas de mármore branco. Era como entrar em outro mundo — frio, calculado e cheio de segredos.

Isabela observava tudo pela janela do carro, os dedos apertando a alça da bolsa como se aquilo fosse impedir o peso da nova realidade de desabar sobre ela.

— Última chance de fugir — Leonardo comentou ao seu lado, com um meio sorriso.

— Eu já estive no fundo do poço — ela respondeu. — Não tenho mais nada a perder.

Ele pareceu surpreso com a firmeza da resposta, mas não disse nada. O carro parou diante da entrada principal, onde três empregados aguardavam, e atrás deles... uma mulher.

Alta, elegante, cabelos presos em um coque perfeito, olhar afiado como lâmina.

Beatriz Vasconcellos.

— Pronta para o seu primeiro teste? — Leonardo murmurou.

Isabela apenas assentiu e saiu do carro com a postura ereta. Caminhou até a sogra sem desviar os olhos, como uma guerreira diante da rainha.

— Então é você — disse Beatriz, com voz baixa, quase sem emoção. — A mulher que meu filho achou no lixo do altar.

Isabela congelou por um segundo. Mas sorriu.

— Na verdade, fui eu quem o escolheu. E se depender de mim, o sobrenome Vasconcellos não será a parte mais difícil desse casamento.

Leonardo tossiu, surpreso. Um dos empregados quase deixou cair a bandeja com as taças de champanhe.

Beatriz arqueou uma sobrancelha, avaliando a jovem diante de si com novo interesse. Ela podia ser contra o casamento, mas não podia negar: Isabela tinha algo que raras pessoas tinham coragem de exibir diante dela.

Espinha.

— Veremos — disse apenas, antes de virar as costas e entrar.

Isabela respirou fundo, contendo o impulso de voar no pescoço da sogra. Leonardo se aproximou, sussurrando:

— Não acredito que você disse aquilo. Foi... impressionante.

— Ela começou — retrucou Isabela.

— Isso vai ser divertido de assistir.

— Para você, talvez. Para mim, é guerra.

Eles entraram juntos. O interior da mansão era ainda mais opulento: lustres de cristal, quadros de família, escadas curvadas como de filme antigo. Isabela sentia o peso de cada parede, de cada detalhe. Tudo ali gritava poder, tradição… e controle.

Um mordomo os guiou até o quarto de hóspedes. O dela.

— Quartos separados? — ela perguntou a Leonardo, ao entrar.

— Só até as visitas irem embora — ele respondeu. — Depois, temos um quarto de casal. O da encenação.

Ela girou nos calcanhares, encarando-o.

— E você espera que eu durma com você? Mesmo que só para manter as aparências?

Leonardo sorriu, calmo.

— Eu disse "aparências", não "intimidade". Não se preocupe, Isabela. Eu respeito os limites. Até onde você quiser.

Ela não respondeu. Apenas entrou no quarto e bateu a porta.

A mansão parecia respirar ao redor de Isabela. Cada cômodo exalava história, dinheiro e uma arrogância silenciosa que parecia julgá-la a cada passo.

Ela tirou os sapatos, caminhou descalça pelo quarto e se aproximou da varanda. Dali, tinha uma vista privilegiada do jardim principal, onde duas funcionárias aparavam buquês perfeitamente simétricos sob o olhar atento de uma governanta. Tudo era impecável. Tudo era... sufocante.

Pouco tempo depois, uma batida leve na porta a tirou do transe.

— Pode entrar — disse, virando-se.

Era uma jovem empregada com uniforme cinza e cabelos presos em uma trança. Tinha o olhar gentil, mas desconfiado.

— Boa tarde, senhora Vasconcellos. Me chamo Marcela. A dona Beatriz pediu para avisar que o jantar será às 20h. Traje formal.

Isabela arqueou uma sobrancelha.

— “Pediu para avisar” ou “ordenou”?

Marcela hesitou antes de sorrir.

— Eu diria que foi... uma sugestão impositiva.

Isabela não conteve o riso.

— Obrigada, Marcela. Pode me deixar sozinha agora. Preciso escolher minha armadura para o campo de batalha.

Assim que a porta se fechou, ela vasculhou o closet improvisado. Havia vestidos lindos, cuidadosamente organizados — certamente colocados ali a mando de Leonardo. Ele pensava em tudo, até mesmo no figurino.

Escolheu um vestido preto de seda, justo na medida certa, com fenda lateral e decote discreto. Queria parecer elegante, mas não submissa. Uma mulher no controle, mesmo que não estivesse.

Às 19h55, desceu as escadas com a cabeça erguida. No saguão, encontrou Leonardo esperando por ela.

Ele a olhou por alguns segundos, os olhos deslizando lentamente pela silhueta dela, antes de dizer:

— Está deslumbrante.

— Eu sei — respondeu, sem modéstia. — Pronta para mais uma rodada de julgamento silencioso?

— Se você sobreviver ao jantar de hoje, merece um troféu. Minha mãe convidou alguns parentes. Gente venenosa. E falsa. Você vai adorar.

Ela cruzou o braço com o dele.

— Que comece o espetáculo.

A sala de jantar era um salão digno de realeza. Um enorme lustre dourado pendia sobre a mesa onde já estavam sentados alguns membros da família: tios, primos e, claro, Beatriz Vasconcellos, no centro, como a matriarca de um clã ancestral.

O burburinho cessou quando Isabela entrou com Leonardo.

— Boa noite — disse ela, com um sorriso cordial.

— Boa noite, minha querida — respondeu uma das tias com um sorriso forçado. — Então, você é a nova esposa do nosso Léo... que surpresa.

Beatriz pigarreou.

— Não foi exatamente uma decisão tradicional, mas... Leonardo nunca se importou muito com convenções.

Leonardo apenas tomou o lugar à cabeceira da mesa, e Isabela sentou-se ao seu lado. Os olhares a dissecavam, mas ela sustentava cada um com firmeza.

O jantar começou com conversas superficiais — negócios, política, viagens — e deslizou lentamente para perguntas incômodas.

— E de onde exatamente você vem, Isabela? — perguntou um primo. — Não me lembro de vê-la em nenhum círculo social.

Ela sorriu.

— Talvez porque eu vinha de um mundo onde as pessoas não medem valor pelo sobrenome.

Um silêncio desconfortável caiu. Até Leonardo conteve o sorriso com um gole de vinho.

Beatriz cruzou os talheres e encarou Isabela.

— E o que exatamente você pretende fazer, agora que carrega o nosso nome?

Isabela inclinou a cabeça.

— Honrá-lo. Mas à minha maneira.

Beatriz sorriu, um sorriso perigoso.

— Veremos quanto tempo isso dura.


Mais tarde, quando já estavam a sós no andar superior, Isabela encostou-se à parede do corredor, exausta.

— Isso foi um massacre — ela disse.

— Você lidou melhor do que eu esperava — comentou Leonardo, aproximando-se. — Minha mãe vai passar noites sem dormir tentando te decifrar.

Ela sorriu, cansada.

— Ótimo. Que ela sofra.

Leonardo ficou em silêncio por um momento, observando-a. Quando falou, sua voz estava mais baixa, quase suave:

— Você é... diferente.

Isabela ergueu uma sobrancelha.

— Isso é bom ou ruim?

— Ainda estou decidindo.

Ela se virou para entrar no quarto, mas antes de fechar a porta, disse:

— Seja rápido. Eu não tenho tempo para te impressionar.

E trancou-se, deixando Leonardo sozinho no corredor, com um sorriso intrigado no rosto.

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