Ainda um pouco transtornada, pois sabia que havia se metido na pior mentira — agora verdade — de sua vida, Seraphine ouviu o celular tocar e caminhou até a cabeceira da cama para atender. O aparelho estava ao lado das alianças.
— Alô?
— Seraphine, sou eu, Scarllet. Só estou te ligando para perguntar se já posso deixar Nyx aí. É que preciso ir ao médico... sabe, ando sentindo pequenas dores.
Seraphine sorriu. Sabia que Scarllet estava grávida de poucos meses, mas ainda insistia em trabalhar. Embora fosse apenas três anos mais velha, Seraphine a via como uma irmã.
— Claro, não se preocupe — respondeu, despedindo-se da amiga e desligando o telefone.
Agora, um novo problema surgia. Nyx havia passado a noite na casa de Scarllet, que também era sua babá, enquanto Seraphine saía com William. E olha só no que deu? Antes tivesse ficado com a filha em casa. Ela sabia que William não gostava muito de crianças — pelo menos na empresa — mas com Nyx ele até que gostava, embora nunca admitisse.
Seraphine respirou fundo e se aproximou da porta da sala.
— Will, você pode me levar em casa? Preciso ficar com Nyx. Ela passou a noite na casa da minha amiga, mas Scarllet precisa ir ao médico e vai levar Nyx de volta pra minha casa. Só que eu estou aqui, no seu apartamento.
— Está bem — respondeu William, voltando para o quarto para vestir uma camisa e calçar os sapatos, enquanto Seraphine o esperava.
No quarto, William estava pensativo. Sabia que precisava agir, ou Seraphine jamais aceitaria seu plano. Por mais que agora estivessem casados de verdade, a situação ainda era delicada. Mas a frase dela ecoava em sua mente: “Preciso ficar com Nyx.” Ele sabia que a menina era o ponto fraco de Seraphine.
Vestiu uma camisa social branca, calçou os sapatos e saiu do quarto, caminhando até Seraphine.
— Você se importa se eu for buscar Nyx pra cá?
— Hã? Por quê?
— Quero conversar com ela. Posso?
— Hum... eu não sei...
— Por favor, Seraphine. Prometo que a trago pra você.
— Está bem — suspirou.
— Não vou demorar.
William saiu do apartamento, entrou em seu carro e o tirou da garagem. Dirigiu pelas ruas de Stormnight, atento às pessoas. Logo avistou uma mulher ruiva andando de mãos dadas com uma garotinha sob um guarda-chuva. Estacionou o carro perto delas e desceu.
— Nyx! — chamou, vendo as duas se virarem.
Caminhou até elas e parou em frente. A mulher ruiva o encarou, confusa.
— Bom dia, Scarllet — disse sério. — Seraphine pediu para eu vir pegar Nyx. Não se preocupe, eu a levo.
Olhou para a menininha de cabelos negros e olhos azul-claros.
— Vamos, Nyx?
— Cadê a mamãe? — perguntou a menina, o encarando.
— Sua mãe está na minha casa, mas não se preocupe. Eu vim lhe buscar. O que acha de irmos comer algo? Está cedo, podemos tomar café da manhã.
— Tá bom — disse Nyx, andando até o carro.
William sorriu. Havia sido fácil convencê-la.
— Seraphine sabe disso? — perguntou Scarllet, desconfiada.
— Claro que sim. Não sairia com Nyx sem que ela soubesse — respondeu, dando as costas e caminhando até o carro.
Entrou e olhou para trás, vendo a menina com o cinto de segurança e um sorriso no rosto.
— Onde quer ir?
— Q-Quero comer McDonald’s — disse Nyx, abraçando sua boneca de pano.
William bufou ao ligar o carro. Sabia que, se Seraphine descobrisse que ele levou a filha para comer besteiras no café da manhã, estaria em apuros. Mesmo assim, ele a levou.
Mais tarde, já impaciente, William observava a menina hiperativa. Ela não parava quieta. Se perguntava a quem ela havia puxado, já que Seraphine era tão quieta — às vezes até demais.
Parou no estacionamento do McDonald’s e entrou com Nyx. Fez o pedido de um McLanche Feliz e sentaram-se à mesa. William a observava enquanto ela comia batatas com os olhos brilhando. Pegou o celular, mandou uma mensagem para Seraphine e o desligou.
— Então, Nyx... — disse, encarando a menina.
— Por que me pegou hoje? Mamãe sempre disse que você não gosta muito de crianças. Que é um homem frio, irritante e mulherengo.
— Sua mãe diz isso? — perguntou, surpreso. Ela assentiu com a cabeça.
— Nyx, eu te conheço desde que você nasceu... ou quase. O que tem você passar uma manhã comigo? E outra coisa... gostaria de te fazer uma proposta. Você aceita ser minha filha de mentira por um dia?
Nyx parou de comer e o encarou.
— A mamãe sabe disso?
William ergueu uma sobrancelha, confuso. Quantos anos aquela menina tinha mesmo?
— Claro que sua mãe sabe. Agora só preciso que você aceite, porque ela já aceitou. Eu dou tudo o que você quiser — disse, pegando uma batata da menina e colocando na boca.
Nyx sorriu, confiante.
— Quero uma casa da Barbie nova e um pônei.
— Um pônei? Pode ser outra coisa?
— Não. Eu quero um pônei, uma casa da Barbie e um vestido de princesa.
— Então você aceita?
— Se mamãe aceitar, eu aceito, papai — disse, encarando-o.
William suspirou e a encarou.
— Você é cria da sua mãe mesmo? Porque você tem uma mente bem geniosa.
Nyx corou, sorrindo.
— É, ela é filha da Seraphine mesmo. — Pensou William ao ver a menina corar do mesmo jeito que a mãe fazia.
— Só vejo mamãe à noite e nos finais de semana. Fico com Scarllet ou com o tio Noah.
— Ótimo. Então está feito o acordo. E não pode voltar atrás, está bem?
— Quando vamos pegar meu pônei?
— Não sei — respondeu, vendo a menina voltar a comer.
Uma parte de seu plano já estava pronta. Agora, precisava convencer Seraphine.
Nyx terminou de comer e eles se levantaram. William abriu a porta do carro para que ela entrasse, depois entrou e ligou o veículo. Parou em frente ao prédio, olhou o celular e viu quinze ligações perdidas de Seraphine. Abriu a porta para Nyx descer e entrou com ela no prédio, indo até o elevador.
Quando as portas se abriram, levou a menina até sua porta e a abriu. Nyx pediu licença ao entrar e correu para a mãe. William colocou as mãos nos bolsos, preparando-se para encontrar uma mulher furiosa.
Assim que passou pela porta, viu Seraphine abraçando a filha. A morena levantou a cabeça e o encarou com raiva.
— Nyx, pode ir para o quarto brincar enquanto eu converso com o William, por favor? É a primeira porta à direita.
Nyx assentiu e saiu da sala. Assim que fechou a porta, a conversa começou.
— O que você pensa que estava fazendo, sequestrando minha filha? Você me pediu para ir buscá-la para conversarem, mas eu pensei que seria no carro, não a levando para comer besteiras, William!
— Eu não a sequestrei. Caso contrário, ela não estaria aqui. Peguei Nyx para conversar com ela sobre minha história de mentirinha — disse, se virando para Seraphine. — E ela aceitou. Nunca vi um sorriso tão grande em toda a minha vida. Pode perguntar, eu não a obriguei a nada.
— Minha filha? Você está ficando louco, Will?
— Você se esqueceu que foi você quem falou dela para minha mãe?
— Foi um acidente!
— Então a culpa não é minha. Olha, Seraphine... será só um dia. Só isso. E eu e você já estamos casados agora, lembra?
— Nós casamos bêbados também. E você sabe por que eu estou brava? Porque você está colocando minha filha nas suas mentiras. Sabe, Will... Nyx e eu estamos em uma situação muito difícil. Eu me separei há dois anos, e o pai dela liga apenas de três em três meses. Eu tenho que esconder suas mentiras, fazer parte delas... e ainda por cima, nos últimos três meses, Nyx tem ido quase toda semana ao hospital com crises de bronquite e asma. E você quer que eu me finja de sua esposa? Isto é... já não sendo?
Seraphine colocou as mãos na cintura, encarando-o.
— Você vive dizendo que Nyx não é mais a criança de quando você ainda era casada, não é mesmo? — começou ele, com a voz firme. — Eu percebi que ela é diferente de você, Seraphine. Nyx precisa de alguém. E sei que você faz de tudo para ser a melhor mãe do mundo... só que pense nela.
William se sentou no sofá, observando Seraphine caminhar em direção à porta do quarto. Sabia que precisava dizer algo antes que ela se afastasse completamente.
— Eu nunca vi uma criança tão feliz como vi hoje — continuou William. — Então, converse com ela. Veja você mesma. Vou fazer o café da manhã pra nós dois, pode ser?
Seraphine parou, ainda de costas para ele, ouvindo em silêncio.
— E, Seraphine...
Ela não respondeu, apenas girou a maçaneta e entrou no quarto.
— Caso precise de ajuda com algum tratamento da Nyx, pode pedir pra mim. — Acrescentou William, antes que a porta se fechasse.
William se manteve em silêncio por alguns segundos, observando Seraphine desaparecer no quarto. Ele sabia que havia ultrapassado limites, mas também sabia que Nyx era a chave — não apenas para convencer Seraphine, mas para entender o que ele realmente sentia.