A manhã em Stormnight continuava cinzenta, com a chuva persistente tingindo as janelas do apartamento de tons melancólicos. Seraphine estava no quarto, sentada na beirada da cama, observando Nyx brincar com sua boneca de pano no tapete. A menina sorria inocente, alheia ao turbilhão que se passava na cabeça da mãe.

William, por sua vez, estava na cozinha, preparando café como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Mas nada estava normal. Eles estavam casados. Legalmente. E agora, Seraphine precisava decidir o que fazer com isso.

— Nyx... — ela chamou, com a voz suave.

— Sim, mamãe?

— William me disse que conversou com você. Se... se o William fosse seu pai... você gostaria?

Nyx parou de brincar e pensou por um segundo.

— Ele já parece meu pai. Ele me dá chocolate escondido de você. E me levou pra comer batata e me prometeu um pônei!

Seraphine riu, nervosa.

— Então, foi isso que ele te prometeu? Isso não é um bom motivo. E Nyx... você sabe que o William não é seu pai, certo?

— Sei. Mas ele disse que, só por um dia, eu podia fingir que era. E eu disse que só aceito se você aceitar também.

Seraphine se ajoelhou diante da filha, segurando suas pequenas mãos.

— E por que você aceitou?

— Porque ele me chamou de estrelinha. E porque... eu gosto quando ele está com a gente.

Seraphine sentiu o coração apertar. A espontaneidade da filha era como um espelho da verdade que ela tentava ignorar. Nyx não era mais um bebê. Ela entendia mais do que deixava transparecer. E, naquele momento, Seraphine percebeu que talvez estivesse tentando proteger demais — e ao mesmo tempo, se protegendo de algo que já estava acontecendo.

Seraphine suspirou, tentando organizar os pensamentos, quando sentiu o celular vibrar no bolso. Era uma mensagem de Lowri, esposa de Noah e sua melhor amiga.

Lowri: Ei, como você tá?

Seraphine: Cansada..., mas na medida do possível, bem. Amiga, precisamos conversar.

Lowri: Aconteceu alguma coisa?

Seraphine: Lembra da mentira do William?

Lowri: A da esposa e filha de mentira?

Seraphine: Sim. Hoje ele me pediu pra me passar por esposa dele de novo.

Lowri: Você já fez isso uma vez. Qual o problema de fazer de novo?

Seraphine: O problema é que agora os pais dele vão voltar. Não é mais por telefone, Lowri. Ele quer marcar um almoço com eles. E quer que Nyx esteja presente.

Lowri: Espera... ele quer que você se apresente como esposa e que Nyx seja filha dele?

Seraphine: Sim. E pelo jeito, Nyx aceitou. Ele foi buscá-la hoje cedo e levou pra comer no McDonald’s. Prometeu um pônei para ela.

Lowri: O que ele ofereceu pra você?

Seraphine: Nada. Só pediu. Disse que está desesperado. E eu... fiquei com dó. Você sabe como eu sou.

Lowri: Seraphine, você já mentiu por anos. Uma tarde com os pais dele não vai te matar. E vai ser só uma tarde, certo?

Seraphine: Creio que sim..., mas estou com medo. E se não der certo?

Lowri: O que poderia dar errado? Os pais dele não gostarem de você e da Nyx? Isso seria impossível.

Seraphine: Eu não sei por que aceitei fazer parte dessa farsa de novo.

Lowri: Porque você não sabe dizer não. E porque, no fundo, você se importa com ele.

Seraphine olhou para Nyx, que agora brincava com sua boneca de pano no tapete do quarto de William. A menina sorria, cantarolando baixinho, alheia ao turbilhão que se passava na cabeça da mãe.

Lowri: Quer que eu vá aí? Posso conversar com você e com a Nyx.

Seraphine: Não precisa. Ela já está envolvida. E parece... feliz.

Lowri: Então talvez seja isso que importa. Se ela está feliz, e você está segura... talvez seja só uma brincadeira que vai passar. Ou talvez... seja o começo de algo que você nunca teve coragem de admitir.

Seraphine permaneceu em silêncio por alguns segundos, encarando a filha com ternura.

Lowri: Você realmente quer fazer isso, querida?

Seraphine: Eu não sei. Mas... acho que Nyx já decidiu por mim.

Lowri: Então faça o que achar melhor. E se precisar de mim, estou aqui. Sempre.

Seraphine: Obrigada, Lowri. De verdade.

Lowri: Tchau, mamãe corajosa.

Seraphine sorriu ao ler a última mensagem. Desligou o celular, se aproximou da filha e sentou-se ao seu lado no tapete. Abraçou Nyx com força, sentindo o coração aquecer. Talvez fosse uma loucura. Talvez fosse só por um dia. Mas naquele momento, tudo parecia fazer sentido.

Depois de um tempo ela se levantou, respirou fundo e voltou para a sala. William estava na cozinha, preparando café, como se tudo estivesse sob controle. Mas, ele estava pensativo. Ele não queria pressionar, mas sabia que o tempo estava correndo. Seus pais chegariam em poucos dias, e a mentira — agora verdade — precisava de uma história convincente.

Ela se aproximou devagar, encostando na portada da cozinha.

— Ela aceitou — disse Seraphine, cruzando os braços.

William se virou, surpreso.

— E você?

— Eu ainda estou decidindo. Mas... se for só por um dia, e se você prometer que vai respeitar meus limites e os dela... então talvez eu aceite também.

William assentiu, com um sorriso contido.

— Prometo. E obrigado, Seraphine. Por tudo.

Seraphine assentiu.

— Nyx está bem?

— Está. E... ela gosta de você mais do que eu gostaria de admitir.

William sorriu, mas havia algo vulnerável em seu olhar.

— Eu não quero que você se sinta presa a isso. Mas... se você decidir me ajudar, eu prometo que vou fazer valer a pena. Nem que seja só por um tempo.

Seraphine se desencostou do batente da porta, caminhou até ele e cruzou os braços.

— Você quer que eu finja ser sua esposa... mesmo sendo sua esposa?

— Exatamente.

— E depois... fingimos que nos separamos?

— Se você quiser. Ou... — ele hesitou — ou a gente vê no que dá.

Ela suspirou, ainda sem saber se estava fazendo a coisa certa. Mas uma coisa era certa: Stormnight havia mudado tudo. E talvez, só talvez, aquela cidade estivesse mesmo tentando unir dois corações que sempre estiveram mais próximos do que imaginavam.