William Wueinnox entrou apressadamente no prédio da empresa, o terno encharcado pela chuva fina que caía em Stormnight. Passou pela recepção sem cumprimentar ninguém, subiu direto para o andar executivo e caminhou pelos corredores com o semblante fechado.
Ao passar pela mesa de Seraphine Ravenny, não disse uma palavra. Ela, que digitava concentrada em seu computador, ergueu os olhos e franziu o cenho ao notar o comportamento estranho do chefe. William entrou em sua sala e fechou a porta com mais força do que o necessário.
Minutos depois, o interfone tocou na mesa de Seraphine.
— Ravenny, venha até minha sala. Preciso falar com você.
Ela respirou fundo, ajeitou os óculos e entrou. William estava de costas, olhando pela janela, com as mãos nos bolsos da calça social.
— Que bicho te mordeu? — ela disse, cruzando os braços. — Não me diga que vai me pedir algo absurdo.
William se virou devagar, os olhos fixos nela. Hesitou por alguns segundos, depois soltou um suspiro.
— Você pode sair comigo hoje à noite?
Seraphine arqueou uma sobrancelha.
— Isso é um convite ou uma convocação?
— Um pouco dos dois. Preciso... conversar. E beber.
Ela sorriu de canto.
— Se tem vinho envolvido, talvez eu aceite.
____________________________________________________________________________________
Mais tarde, no bar...
O bar estava cheio, mas aconchegante. Luzes amareladas, música suave ao fundo e a chuva batendo contra os vidros criavam o cenário perfeito para confissões.
William estava mais solto do que o normal. Seraphine, entre uma taça e outra, ria das histórias que ele contava sobre sua juventude rebelde. Eles falaram sobre tudo — menos sobre o motivo real do encontro. Até que ele tomou a fala.
— Minha mãe me ligou hoje — disse William, sério, olhando para Seraphine, que bebia suavemente o vinho em sua taça, levemente corada. — Ela disse que está voltando.
— Então você vai dizer a verdade para ela, William? — perguntou Seraphine, com um pequeno sorriso.
— Você não acha que é tarde demais para isso? — ele respondeu, num tom mais alto e frio. Ela o encarou, confusa, enquanto ele respirava fundo, tentando se acalmar. — Eu não vou falar a verdade. Já é tarde demais. E eu preciso da sua ajuda. Minha mãe quer conhecer minha esposa... e minha filha.
— O quê? Deixa-me ver se entendi... Você quer que eu e Nyx conheçamos seus pais? Não, William. Eu não vou mais mentir. Essa mentira vem me consumindo há anos.
— Você sempre mentiu — disse ele, ironicamente, vendo Seraphine o olhar com raiva.
— Eu mentia antes por telefone, não pessoalmente. Arrume outra pessoa. Você conhece mulheres maravilhosas, das quais sei que já dormiu com cada uma delas. Então peça esse favorzinho a elas — disse Seraphine, se levantando com raiva da mesa.
— Você não entende! — William elevou a voz para que ela o ouvisse acima do som do bar, segurando seu pulso para impedi-la de ir embora. Era a primeira vez que ela o via tão transtornado. — Se esqueceu que você conversa com minha mãe por telefone? E que um dia teve que mandar uma foto sua e de Nyx para ela, por que nem você aguentava mais os pedidos dela?
Seraphine permaneceu em silêncio.
— É o último favor que eu lhe peço, Seraphine. Será apenas um encontro, e depois esquecemos essa história. Finjo que nos divorciamos. Será a última mentira — disse ele, puxando levemente o pulso dela para si, encarando-a.
— M-Me desculpe, Will... — ela sussurrou, encarando o chão. — Mas eu não vou mais mentir. E nem vou colocar Nyx em uma mentira dessas. Já tenho problemas demais para me preocupar com os seus.
Seraphine soltou o pulso da mão dele, deu as costas e se afastou. William se levantou, desesperado.
— Quanto você quer? — ele perguntou. Ela se virou.
— Como?
— Quanto você quer para se passar por minha esposa?
— Eu não quero dinheiro, William — disse ela, extremamente irritada.
— Como? — ele perguntou, confuso.
— William jurava que éramos amigos, que me conhecia. Mas acabo de ver que não. Eu não quero dinheiro. Apenas não quero levar essa farsa adiante. Você pensou, em algum momento, nos sentimentos da sua mãe?
— Mas é claro que sim! É por ela que estou fazendo isso. Você se esqueceu que eu disse que, se falasse a verdade, ela ficaria chateada? É por ela que eu menti — disse ele, se aproximando. — É apenas um dia, Seraphine. Por favor. O último favor que lhe peço.
William olhou para ela, que mordeu o lábio inferior, pensativa.
— Eu não sei, William...
— Pense, está bem? Me dê a resposta amanhã.
— Não quero colocar Nyx nessa mentira, William. Ela sente falta do pai. E é muito esperta, não se deixa enganar fácil.
— Quantos anos ela tem mesmo? — perguntou ele, encarando Seraphine.
— Cinco — respondeu ela, com um sorriso no rosto.
— Hum... — disse ele, segurando a mão dela. — Pense. E amanhã me dê a resposta. Por favor, Seraphine.
— Eu vou pensar.
— Tudo bem. Você pode ficar? — ele pediu, num tom baixo, diferente do habitual. — Não quero ficar sozinho.
Suspirando, Seraphine voltou para a mesa com ele.
— Você está diferente hoje — disse ela, apoiando o queixo na mão.
— Talvez eu esteja com medo — ele respondeu, encarando a taça.
— Medo de quê?
— De perder o controle. De perder você.
Ela ficou em silêncio. William estendeu a mão e tocou a dela.
— Vamos só... esquecer tudo por uma noite?
Seraphine hesitou, mas acabou sorrindo.
— Só uma noite.
______________________________________________________________________________________
No dia seguinte...
O som do despertador ecoou pelo apartamento, anunciando o início de um dia que prometia ser tudo, menos comum. Seraphine Ravenny abriu os olhos lentamente, ainda sonolenta, e esticou o braço para desligar o alarme. Ao tentar se sentar na cama, sentiu um peso em sua cintura. Olhou para baixo e viu um braço masculino envolto nela.
— Oh não... — murmurou, assustada. — Não me diga...
Virou-se devagar e se deparou com William Wueinnox dormindo tranquilamente ao seu lado. Ela até teria mantido a calma, se ele não a puxasse ainda mais para perto, abraçando-a como um bichinho de pelúcia.
Sentir seu cheiro, seus músculos tão próximos, trouxe flashes da noite anterior — junto com a dor de cabeça da ressaca. Seraphine fechou os olhos, tentando organizar as memórias. Depois de alguns minutos, William se mexeu. Ela se afastou sutilmente e o observou.
Um sorriso involuntário surgiu em seus lábios.
Até acordando ele é fofo...— Bom dia... — disse William, com a voz rouca.
— Bom dia... — respondeu Seraphine.
Eles se olharam por alguns segundos, em silêncio.
— Você se lembra de ontem? — perguntou ele.
— Lembro que saímos para beber... que pegamos chuva... e que chegamos no meu apartamento. E agora... acordei ao seu lado.
— Ainda acho incrível o fato de você não se importar por eu estar deitado junto com você.
— Estou um pouco sem jeito, por você estar sem camisa. Mas não é como se eu fosse te expulsar da cama. Afinal, dormíamos juntos quando éramos adolescentes e fazíamos trabalhos da faculdade na casa um do outro.
— Não somos mais adolescentes que estudaram juntos, e você sabe disso.
— Desde que não tenhamos feito nada que estrague nossa amizade ou nosso relacionamento profissional, está tudo bem. E por falar nisso... temos que ir trabalhar, chefe.
— Não me fale de trabalho. Estou com uma baita dor de cabeça. E só de lembrar que terei que assinar e revisar vários papéis, ela já piora.
— Então se dê uma folga. E me dê uma também. Afinal, foi você que me arrastou para beber ontem.
— Hum... não é uma má ideia. Mas só se eu pudesse ficar abraçado com você assim.
— Oh, meu Deus. Meu amigo está carente hoje, é? Esse é um lado seu que eu não vejo com frequência. Sempre sério e frio.
— Não começa, Seraphine... — resmungou, fazendo bico.
— Sabe que te amo, bobo. Mas vai, levanta. Temos que ir pra empresa. Você tem uma reunião importante hoje.
Seraphine se soltou do abraço e se sentou na cama, colocando os pés no chão.
— Aish! Não posso adiar?
— Sabe que não, senhor Wueinnox. Agora levanta... hm?
Ela notou um papel no chão, ao pé da cama, com sua assinatura e a de William. Pegou o documento e começou a ler.
— O que foi? — perguntou ele, se sentando e se espreguiçando.
— William...
— Oi?
— Olhe... isso...
— Hm?
Ele se aproximou e pegou o papel da mão dela. Ao ler, franziu o cenho. Seraphine olhou para a mesa de cabeceira e encontrou o que confirmava o conteúdo do documento.
— Isso... não pode ser... Pode?
Ela pegou o que estava sobre a mesa e mostrou a ele: duas alianças.
— O que fizemos ontem à noite?