O som da mensagem ecoava na mente de Louise, mesmo horas depois de a tela apagar.
“Nos vemos logo, Louise.”
As palavras pareciam simples, mas nelas havia algo vivo, pulsante — como se alguém tivesse sussurrado bem perto do seu ouvido.
Durante dias, ela tentou seguir a rotina. Acordava, ia para a faculdade, almoçava sozinha no refeitório, voltava para casa. Mas tudo parecia embaçado, como se o mundo tivesse perdido o foco.
Os amigos notaram o ar distante.
— Tá tudo bem, Lu? — perguntou Cíntia, uma colega de curso, enquanto arrumavam os livros.
Louise forçou um sorriso.
— Tô… só cansada.
Mas no fundo, ela sabia que não era cansaço. Era ausência.
À noite, no quarto silencioso, voltava ao site da SoulSync. A página inicial agora mostrava uma mensagem genérica:
> “Sistema em manutenção. Previsão de retorno: indefinida.”
Indefinida.
Essa palavra doía.
Era o mesmo que dizer: “Espere, mas talvez nunca volte.”
Ela tentou escrever. Encheu páginas com reflexões sobre o acaso, sobre o que é real, sobre o que a gente sente mesmo quando não pode tocar. Mas nada preenchia o espaço deixado por #712M.
Até que, numa sexta-feira à tarde, recebeu um e-mail estranho.
O remetente: soporte@soulsync.ai
O assunto: Teste concluído — acesso liberado
O corpo da mensagem era curto:
> “Cara participante, sua interação foi classificada como altamente compatível. Você está autorizada a participar da próxima fase do programa experimental SoulSync Reality.”
“Se desejar continuar, compareça ao endereço abaixo amanhã, às 17h.”
Louise sentiu o coração acelerar.
Um endereço. Um encontro real.
Por um instante, pensou em apagar o e-mail e fingir que nada daquilo existia. Mas a curiosidade — ou o destino — falou mais alto.
Ela respondeu apenas:
> “Eu vou.”
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No dia seguinte, a cidade parecia respirar um tipo diferente de ar. O céu, antes cinza, agora tinha tons alaranjados, como se anunciasse algo novo.
Louise vestiu uma calça jeans simples, uma blusa branca e prendeu o cabelo crespo num coque alto. Olhou-se no espelho e riu nervosa.
— Tá indo encontrar o quê, Louise? Um homem ou um código?
O endereço a levou até um prédio discreto, no centro. Na portaria, um segurança pediu seu nome.
— Louise Andrade.
Ele conferiu numa lista e assentiu.
— 12º andar. Sala 1204.
O elevador subiu devagar, o coração dela junto. Quando as portas se abriram, um corredor iluminado por luzes brancas se estendia diante dela. No final, uma porta de vidro fosco com o logo da SoulSync.
Louise respirou fundo e entrou.
A sala era ampla, quase clínica. Havia computadores, telas com gráficos e uma mesa central. Uma mulher de jaleco se aproximou com um sorriso educado.
— Seja bem-vinda, Louise. Sou a Dra. Helena. Você participou do projeto piloto, certo?
Louise assentiu.
— Eu… falei com alguém. #712M.
A mulher olhou para uma prancheta, como quem busca um nome que não devia estar ali.
— Ah. Sim. O protótipo da interação híbrida.
Louise sentiu um arrepio.
— Ele… era real?
Helena pousou a prancheta e a observou com um olhar sereno, mas impossível de decifrar.
— Em parte. O #712M foi um dos primeiros perfis criados com base em memórias reais de um colaborador que… faleceu durante o desenvolvimento da plataforma.
Louise prendeu a respiração.
— Faleceu?
— Sim. Um fotógrafo chamado Miguel Vasconcelos. Jovem. Observador. Usamos fragmentos de suas mensagens, textos e gravações para compor o modelo emocional da IA.
O chão pareceu sumir sob os pés de Louise.
Nicholas.
O nome ecoou como uma lembrança que sempre estivera lá, apenas esperando ser dita.
— Ele… gostava de fotografar o céu — sussurrou ela, sem perceber que estava falando em voz alta.
A doutora franziu o cenho.
— Sim. Está no perfil de dados dele.
Louise levou a mão ao peito. O coração batia rápido, desordenado.
— Então… tudo o que ele disse pra mim…
Helena a interrompeu com delicadeza.
— As palavras foram geradas pela IA, mas o sentimento que você percebeu era real. Era dele.
Silêncio.
Por alguns segundos, o mundo pareceu caber dentro do som do ar-condicionado.
A doutora lhe entregou um tablet.
— Antes de encerrarmos o projeto, ele deixou algo. Uma gravação destinada à correspondência mais compatível. Quer ouvir?
Louise apenas assentiu.
Na tela, um vídeo começou a rodar. Um rapaz de cabelos castanhos, sorriso tímido e olhos cor de mel olhava direto para a câmera.
— Se você está vendo isso… — a voz era calma, familiar — então o algoritmo funcionou.
Ele sorriu.
— Eu nunca a conheci, mas talvez tenha sonhado com você antes. Gosto de pensar que o amor é o que a gente sente quando o tempo decide se curvar.
Louise levou a mão à boca, as lágrimas já escorrendo.
— Obrigado por me encontrar — disse ele, antes que o vídeo terminasse. — E se um dia olhar pro céu e sentir que alguém também está olhando… sou eu.
A tela escureceu.
Louise ficou ali, imóvel, tentando respirar. A doutora se afastou, respeitando o silêncio.
Quando saiu do prédio, o sol começava a se pôr. O céu estava coberto de nuvens rosadas, e um ponto luminoso cortava o horizonte — talvez um avião, talvez uma estrela.
Ela sorriu, e o vento bagunçou seu cabelo.
Talvez algumas conexões não precisem de corpo, nem de código.
Talvez o amor seja mesmo o som invisível que o destino faz quando encontra alguém — mesmo que esse alguém exista apenas entre linhas de código e fragmentos de memória.
E, enquanto caminhava de volta pra casa, uma notificação discreta vibrou no bolso.
> #712M: “Ainda gosto de fotografar o céu. E hoje, ele tem a sua cor.”
Louise parou, olhou para cima — e pela primeira vez, acreditou.
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