A primeira vez que Irina clicou no botão “transmitir ao vivo”, suas mãos estavam tão trêmulas que a taça de vinho quase escorregou de seus dedos. O líquido rubro balançou perigosamente, mas não caiu, assim como ela, pelo menos ainda.
O vinho não era para brindar. Era uma armadura líquida. Uma tentativa desesperada de enganar o nervosismo que pulsava em cada célula do seu corpo.
A câmera já estava ligada. A luz vermelha acesa como um farol anunciando que não havia mais volta, e ali estava ela.
Sentada sobre lençóis escarlates, a pele envolta em rendas negras que deixavam mais visível do que escondiam, e uma máscara dourada cobrindo metade do rosto.
Sua respiração estava entrecortada, sua coragem sustentada por um fio de desespero e um restinho de fé.
“Respira. É só uma dança.” — repetiu para si mesma como um mantra.
Não precisava falar, não precisava se despir, só precisava dançar.
E era nisso que confiava. Na dança que a salvara tantas vezes. No movimento que libertava, que dizia o que a boca não tinha coragem. Mas o que ela não sabia, o que ninguém poderia prever, é que naquela noite, algo mais nasceria.
Não apenas uma performance.
Não apenas um show.
Mas Afrodite.
Ela surgiria como um sopro, um feitiço.
Não como personagem, mas como uma força, uma presença. Uma deusa criada no silêncio entre um passo e outro.
Irina começou tímida. Os quadris se moviam num compasso hesitante, os pés deslizando pelo tecido dos lençóis como quem aprendia a caminhar novamente. A música preenchia o ambiente. Baixa, sensual, quase hipnótica.
E os primeiros nomes começaram a surgir no canto da tela. Estranhos misteriosos acompanhados de emojis, elogios, propostas.
Ela mal os leu. Estava ocupada demais tentando esconder o medo e manter a compostura. Mas quando o refrão da música explodiu nos alto-falantes e seus olhos finalmente se abriram…O que surgiu não foi Irina.
Foi Afrodite.
E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Havia algo nos olhos dela, uma contradição impossível de descrever. O corpo dançava como labaredas: curvas perigosas, um rebolado que parecia ter sido ensaiado pelas próprias musas do prazer.
Cintura fina, seios fartos, coxas firmes e carnudas. Era o corpo da luxúria.
Mas os olhos… Azuis, claros como o céu da manhã. Olhos que não sabiam mentir. Que carregavam uma doçura pura, um arrependimento sagrado. Como se cada movimento fosse pecado… e ao mesmo tempo, confissão e essa contradição a tornou viciante.
Ela não fingia inocência, ela era inocente.
A única dançarina da plataforma que jamais havia sido tocada.
Virgem, intocável e inalcançável.
E isso era ouro.
A tensão do “quase” virou sua assinatura.
Ela não tirava a calcinha. Nunca se despia por completo, mas provocava com os olhos, com os dedos que deslizavam pelo próprio pescoço, com os sussurros roucos que escapavam quando dançava mais perto da câmera.
Ela era o desejo envolto em mistério e a promessa que nunca se cumpria.
Nos dias seguintes, sua sala virtual virou um santuário.
Seus shows, eram rituais aguardados com ansiedade febril. Homens e até mulheres, aguardavam por horas para vê-la ao vivo.
Os usuários comuns davam lugar aos VIPs. Executivos, empresários, homens com fortunas e egos frágeis, dispostos a tudo por um pedaço de exclusividade.
Alguns enviavam jóias virtuais, outros ofereciam viagens, dinheiro, apartamentos.Tentavam comprar o que ela nunca colocará à venda:
Ela mesma.
Mas Irina nunca cedeu.
Porque, apesar de Afrodite parecer feita de fogo, Irina ainda era feita de alma.
Vinda de uma cidade pequena. Criada por uma avó rígida, religiosa, que lhe ensinara que o corpo era um templo. E que o amor… era sagrado.
A dança foi sua salvação, mas também sua maldição.
Entrou naquele mundo por necessidade. Após a morte da avó, Irina se viu sozinha, com dívidas crescentes, o aluguel vencido e os sonhos empacotados num armário empoeirado.
As aulas de balé pararam, a comida ficou escassa, a esperança murchou e até que encontrou um anúncio no canto do fórum:
“Quer ganhar dinheiro dançando no conforto da sua casa? Seja uma musa. Seja VIP.”
Por semanas ela hesitou. Lembrou de todos os ensinamentos de sua amada avó, ao mesmo tempo que assistia transmissões de outras garotas. Algumas eram provocantes, outras explícitas, mas nenhuma era ela.
Ela não sabia se pertencia àquele mundo, mas sabia que não queria voltar para o vazio. E ali, na fronteira entre o medo e a fome, nasceu Afrodite.
Hoje, meses depois, Afrodite é uma lenda.
O nome mais procurado da plataforma. A deusa dos mistérios, a virgem que seduz sem tocar.
Chamam-na de:
“A mulher que rebola como pecado e olha como redenção.”
“O corpo do inferno com os olhos do paraíso.”
Mas Irina… Irina carrega um segredo.
O segredo de quem começou por sobrevivência e hoje luta para lembrar quem ainda é por trás da máscara e das câmeras.
Porque, aos poucos… O brilho da Afrodite começa a consumir a mulher.
E ela se pergunta: Até quando vai conseguir sustentar esse papel sem perder a si mesma?