“O que começa como jogo… pode acabar em ruína.”
A cobertura parecia engolir o próprio ar naquela noite. Era um abismo de concreto, vidro, silêncio que carregava algo maior, mais frio.
Evan estava encostado à parede de vidro, com os olhos fixos na cidade que ardia em luzes lá embaixo tão viva, tão indiferente à ruína que se instalava dentro dele.
Segurava um copo de uísque com tanta força que parecia que quebraria a qualquer instante. Mas não bebia, porque não havia álcool no mundo capaz de apagar o gosto amargo que queimava sua garganta: o gosto cruel da verdade.
Atrás dele, Irina estava parada, parecia uma estátua de dor. Segurava o celular nas mãos, a tela ainda acesa com a mensagem que ela lera tantas vezes que parecia ter se fundido à sua pele.
Mas foi a voz dela que rasgou o ar. Fria, ferida, flamejante.
— Uma aposta, Evan?
Ele se virou devagar, como se o próprio corpo pesasse toneladas. O coração batia em espasmos selvagens, mas o rosto… era a máscara de sempre. Aquela que usava quando não suportava ser vulnerável. Aquela que agora… era inútil.
— Irina…
— Não me chama assim. — A voz dela cortou como vidro. Fina quase letal. — Então é verdade? Tudo isso… era só um jogo? Você se aproximou por causa de uma maldita aposta com seus amigos?
Ele avançou um passo, hesitante. Como quem se arrasta por um campo minado.
— Era só uma brincadeira no começo. Eu juro, eu não fazia ideia que você…
— Que eu era o quê?! — ela gritou, e a dor escorreu com as lágrimas que ela se recusava a enxugar. — Uma diversão noturna? Um experimento bizarro? Uma fantasia que vocês comentariam entre risadas no grupo de W******p?
Ele não respondeu. E naquele silêncio… tudo desabou.
Irina riu. Um riso quebrado, amargo, que jamais deveria sair da boca de alguém como ela.
— Você me comprou, Evan. Como quem arremata uma joia rara num leilão. Comprou a minha exclusividade. Me cercou de olhos invisíveis, me trancou num palco que só você podia ver. Fez de mim seu espetáculo particular. E eu… idiota… achei que era porque você… se importava.
— Eu me importo! — ele explodiu, avançando mais rápido, a dor rasgando seu peito como navalha. — Eu me apaixonei por você, Irina! Você acha que eu teria ido tão longe se tudo ainda fosse uma aposta estúpida?
— Acha que isso me consola?! — ela recuou, com os olhos faiscando como lâminas. — Você invadiu a minha vida. Me encurralou, controlou quem podia me ver, quem podia me tocar…me transformou num objeto, Evan! Um brinquedo de luxo! E agora vem me falar de amor?
— Eu nunca quis te machucar.
— Mas machucou. — ela sussurrou. E o mundo pareceu parar por um segundo. — E muito. Porque eu me apaixonei por você, pela mentira que você arquitetou com perfeição.
Ele estendeu a mão, como se pudesse tocá-la e, com isso, segurar o que estava escapando por entre os dedos.
— Me dá uma chance de explicar…
— Explicar o quê?! — ela cuspiu as palavras, sua dor transbordava de cada sílaba. — Que apostou minha alma numa roleta de luxo? Que transformou minha dignidade num desafio pessoal? Que seus amigos duvidaram de você e você resolveu usar a mim como resposta?
Evan engoliu em seco. Sua garganta ardia como se houvesse cacos lá dentro.
— Sim, no início foi tudo um jogo. Eu queria mostrar para todos que eu conseguiria te fazer minha, mas quando eu te vi, Irina. De verdade. Não como Afrodite, não como um nome numa tela. Eu senti algo que nunca tinha sentido antes…
Ela abaixou o olhar, suas mãos tremiam. A raiva começava a ceder espaço para um luto silencioso, o luto por um amor que nunca foi inteiro.
— Você destruiu a única parte minha que ainda era pura, Evan. Aquela que acreditava que podia ser amada… por quem eu sou. E não pela personagem que vocês consumiam por trás de um monitor.
Evan se aproximou e Irina deu um passo para trás e continuou:
— Eu queria ter me entregado a alguém que me amasse por completo. Não como desejo, tesão, mas amor…
— Eu… eu te amo. — ele disse, num sussurro desesperado, quase infantil.
Mas ela apenas balançou a cabeça, e seus olhos marejados refletiam toda sua dor.
— Você ama Afrodite. A mulher que projetou, a fantasia que comprou. Mas Irina? Irina foi só a consequência da sua aposta.
Ela caminhou até a porta com passos firmes, mesmo que o coração estivesse dilacerado. Quando sua mão alcançou a maçaneta, ele tentou de novo. A última tentativa de um homem prestes a afundar.
— Por favor… não vai embora assim. Me deixa tentar… consertar.
Ela virou levemente o rosto, os olhos vermelhos, a alma trincada, mas a expressão… forte como nunca fora.
— Você não pode consertar o que nasceu da mentira, Evan.
E então, ela se foi.
Deixando para trás um Evan estilhaçado, sozinho com o silêncio que agora ecoava como um lamento dentro da cobertura.
Do lado de fora, a cidade ainda brilhava. Indiferente.
Enquanto, dentro dele, o mundo inteiro se partia.