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O coração dele ainda pertence a outra.

— Eu disse “filha”? — perguntei, tentando disfarçar a surpresa, sentindo o coração disparar e as mãos formigarem.

— Disse, sim. — James franziu o cenho. — Não entendi o restante, mas parecia... aflita.

Uma vontade ardente de revelar tudo me consumia. Abrir o coração, deixá-lo saber a verdade que eu carregava há tanto tempo. Que a menina que ele chama de filha, na verdade, é minha. Que, após complicações graves no parto, fiquei em coma — e foi nesse período que minha mãe se aproveitou e deu minha filha para adoção.

Mas o peso da confissão me paralisava. Eu conhecia o preço que viria junto com essa verdade — e era alto demais para pagar.

Então menti — mais uma vez.

— Não, eu nunca tive uma filha.

— É que... eu estava sonhando com a minha mãe.

— Sua mãe? — ele suavizou o tom.

— Sim. Como o senhor sabe, ela faleceu há dois anos. — Engoli a dor que insistia em subir pela garganta. — Às vezes, ainda sinto a ferida de ter sido... rejeitada por ela.

James manteve o olhar atento, em silêncio.

— De vez em quando sonho com ela — continuei. — E nesses sonhos, eu a questiono... por que nunca conseguiu me ver como filha.

Soltei o ar devagar, forçando um sorriso triste. — Acho que foi isso que o senhor ouviu.

Ele se levantou e caminhou até a cama de Claire. Sentou-se ao lado da menina e a observou por alguns segundos.

— Ainda bem que a mãe biológica da Claire a entregou para adoção. — suspirou. — Imagine se ela tivesse crescido com alguém incapaz de amá-la? Ainda bem que agora está comigo.

Meu coração se apertou.

— Como o senhor pode ter certeza de que a mãe dela não a amava? — perguntei, quase sem voz.

James desviou o olhar de Claire e me encarou.

— Ninguém que ama de verdade o filho que gerou o entrega para que outros criem.

Respirei fundo, tentando conter as lágrimas.

— Eu penso diferente. — Aproximando-me, senti a garganta falhar. — É preciso amar muito... para abrir mão da criança que você trouxe ao mundo, apenas para vê-la feliz ao lado de pais que possam oferecer o que você não pode.

Ajoelhei-me diante da cama, contemplando o rostinho sereno de Claire adormecida.

— É preciso amar muito — sussurrei, a voz quase quebrando — para abrir mão de ser chamada de mãe, só para garantir que ela tenha uma vida melhor.

Ainda com os olhos fixos nela, senti a mão dele tocar meu rosto.

Desviei o olhar para James e, por um instante, nossos olhos se encontraram.

— Desculpe... é que você está chorando. — disse ele, retirando a mão com cuidado.

— Chorando? — levei a mão ao rosto e senti os dedos úmidos. — Não sei o que está acontecendo comigo esses dias.

Levantei-me depressa, tentando afastar o nó no peito.

— Acho melhor ir para o meu quarto. — disse James, visivelmente sem jeito, a voz baixa.

No quarto, a ansiedade quase me dominou, como se cada respiração fosse pesada demais.

— Se controla, Amélia... não estrague tudo agora. — murmurei para mim mesma, apertando as mãos contra o corpo.

À noite, Odete atravessou as portas eufórica, com aquele brilho nos olhos que denunciava: estava prestes a fazer algo que James certamente odiaria, mas, conhecendo seu poder de persuasão, ele acabaria cedendo.

— Viu James? — perguntou assim que me avistou, a voz vibrante.

— Acho que está no quarto dele. — respondi, hesitante.

Ela não perdeu tempo e se dirigiu apressada às escadas.

— Droga! Esqueci as coisas no carro. — resmungou, revirando a bolsa com gestos exagerados. — Faça-me um favor: chame James e diga que estou esperando por ele no escritório. Vou buscar o que esqueci. — E, sem esperar resposta, saiu apressada, quase derrubando a bolsa na porta.

Em frente ao quarto de James, bati três vezes na porta e o chamei. Silêncio.

— E agora? — pensei, sentindo o peso da decisão. Se eu voltasse sem resposta, Odete certamente me mataria.

Com o coração acelerado, levei a mão até a maçaneta. O metal frio contra meus dedos parecia me alertar para o que estava prestes a acontecer. Girei-a devagar. Em dois anos, aquela era a primeira vez que ousava entrar ali. Poucos tinham acesso àquele espaço.

Assim que a porta se abriu, um sussurro escapou dos meus lábios:

— Meu Deus...

O quarto não era apenas um quarto. Era um santuário. Um acervo inteiro dedicado a Sara, a ex-esposa dele. Quadros espalhados pelas paredes, frascos de perfume alinhados como relíquias, uma escova de cabelo repousando sobre a cômoda e, pendurada com delicadeza quase ritual, uma camisola.

Fiquei imóvel, tomada pelo choque. Como Odete ainda podia alimentar esperança? O coração de James estava trancado, e mesmo depois de todo esse tempo, Sara continuava sendo a única dona dele.

Eu estava tão imersa naquele quarto que nem percebi quando ele se aproximou.

— Quem deu permissão para entrar? — A voz grave de James cortou o silêncio, fazendo meu corpo estremecer.

Virei-me de supetão e, sem querer, esbarrei contra ele. O choque foi imediato: sua pele ainda úmida denunciava que havia acabado de sair do banho. Uma toalha mal presa à cintura era a única barreira entre nós.

— M-me desculpa! — balbuciei, desviando o olhar e recuando alguns passos, tentando recuperar o fôlego.

Mas James foi mais rápido. Num movimento brusco, agarrou meu pulso e me puxou para perto.

— Olha por onde anda! — resmungou, aparentemente irritado.

Senti meu corpo perder o equilíbrio e, ao virar o rosto, percebi que estava prestes a colidir contra a penteadeira.

Antes que pudesse reagir, James me puxou com ainda mais força. O impacto foi inevitável: nossos corpos se chocaram e, num segundo, estávamos no chão.

Fiquei sem reação, meus olhos presos nos dele, como se o tempo tivesse congelado.

— Amélia, não vai levantar? — perguntou.

Foi então que percebi: ainda estava imóvel sobre ele. Tentei me recompor, buscando forças para me levantar, mas antes que conseguisse, Odete abriu a porta.

— O que diabos está acontecendo aqui?

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