4- Raica

Nicholas arqueia uma sobrancelha e concorda com a porra de um sorriso sarcástico estampado no rosto, logo se atenta ao bolso da calça com o toque do celular. Encorajo um passo e outro sustentado no salto nada baixo e sou abrigada a brecar.

— Como assim, uma briga no estacionamento vip? — Não que seja da minha conta ouvir sua ligação, mas perco o prumo segundos depois: — Com o Théo e o namorado? Que porra, estou indo!

— Vem, seu irmão se meteu em uma briga.

— Ele o quê?

Renan não é de briga.

— Uma briga não ouviu? Tira o salto, vamos correr.

Faço o que pede e começo a segui-lo por caminhos desconhecidos na boate, as portas se abrem para ele com facilidade conforme avançamos. O caminho é curto, mas meu desespero em chegar elimina a paciência. Sinto a brisa da noite transpassar meu corpo e sons doloridos vindos do outro lado do estacionamento. Corremos até lá e…

— Meu Deus, Renan…

Meus saltos caem das minhas mãos, meus joelhos seguem a mesma rota. Meu coração perde a força ao ver meu irmão todo ensanguentado, cuspindo sangue, estirado no chão como o resto mortal de suas escolhas. Não sei em qual parte tocar, pois tudo nele parece quebrado. Théo jogado um pouco à frente, sacode o corpo numa tosse dolorida. Nicholas corre para socorrê-lo.

— Já chamaram uma ambulância? — Ouvi ele gritar e alguém responder. — Théo, pelo amor de Deus, consegue me ouvir? Théo… — lamuria para o meu cunhado.

— Mano… — balbucio. Cortes e muito sangue deformam o rosto que sempre expressou alegria, a respiração contida, fina, por um fio… Como em uma interrupção súbita seus olhos travam semiabertos, o desespero me toma, não posso perder meu irmão, ele é meu universo. — Renan, olha pra mim… Meu amor… Renan…

A sirene soa perto, a movimentação rápida me deixa tonta, meu corpo reluta em ser arrastado para longe, preciso ficar perto do meu menino. Nicholas segura meu corpo e impede que eu avance, os paramédicos fazem os procedimentos dos primeiros socorros, pressiona o desfibrilador no centro do peito o puxando para cima com brutalidade, uma, duas, três vezes… Renan não reage. As lágrimas caem como gotas de dor, e novamente pulsam seu peito com o aparelho o chamando para vida, implorando que volte. Mas para onde ele pensa que está indo? Como ele ousa me deixar sozinha? Como ele ousa não lutar? Seu lugar é aqui comigo, sempre foi. Meu maninho, meu menino, aquele que coloquei no meu ninho e o vi crescer.

Não… para onde você está indo…

— Renan, volta!

(...)

Com as vozes de Nicholas:

A noite se tornou minha paixão e meu refúgio há sete anos, nesse período é a primeira vez que uma catástrofe toca cruelmente as paredes do que idealizei como pura e crua diversão. É a primeira vez que sinto o chão se abrir e engolir tudo que construí com meu amigo.

Da distância que estou somente a barreira de vidro impede que a acústica ferida de Raica chegue aos meus ouvidos, mas essa mesma barreira não impede a imagem do seu sofrimento, as sombras da sua dor.

Renan, morreu.

De alguma forma sinto-me culpado, uma falha medíocre da minha equipe causou uma morte, uma fatalidade que pelo que sei, gerada pela porra de um preconceito. Isto não tem cabimento em meio ao século 21, filhos da puta como os que espancaram o Renan querem ditar regras homofóbicas nas escolhas de um indivíduo.

— Caralho! — Soco a parede à frente e colo a testa ali, negando essa noite, revoltado e sedento pelo pescoço de cada um dos vermes.

— Nick, se acalme! — Deloy toca o meu ombro. — Não há nada que possamos fazer, a polícia já assumiu o caso.

Encontro esses vermes primeiro que os tiras ou não me chamo Nicholas Queen.

— Eles são meus — viro-me —, cada um deles.

— Não podemos, em quinze minutos a entrada principal desse hospital vai estar suja de repórteres, o caso em todos os noticiários, se agirmos por conta própria vamos foder com tudo.

— Então que fodemos tudo — rebato, sem me importar com as consequências. — Sei muito bem a quem recorrer. — Saco o celular, discando rápido.

— Fora que o Théo pode processar a boate por falta de segurança…

É sobre dinheiro que Deloy se refere?

Encaro-o irado, enquanto os toques soam no meu ouvido.

— Por acaso é dinheiro sua preocupação, depois de… — Garbo atende, aceno para que Brizz aguarde. — Não pense que é um sonho, sou eu mesmo…

— Nicholas Queen, por que imaginei que ligaria assistindo ao noticiário?

— A bomba explodiu?

— E pelo visto acabando com a UP. Que porra aconteceu, maninho?

— Preciso de você, consegue me encontrar pela manhã?

Athos solta uma lufada de ar, os sons que ecoam dão indícios de que está em algum lugar aberto.

— Não posso, em dez minutos embarco para a Califórnia.

— Que porra, Athos! Quero os filhos da puta que espancaram o garoto até a morte por conta da orientação sexual dele, quero-os antes que a polícia pegue esses playboys e os condenem com uma indenização bem gorda. — Minha voz jorra veneno dos meus pulmões.

— Se houve homicídio as coisas não serão fáceis assim.

— Athos, ainda não tive tempo de ver as câmeras, mas se estavam no estacionamento vip terão mais de cinco advogados para a defesa.

— Não tenho certeza, mas tenho alguém que pode te ajudar, é de minha confiança e muito competente.

— Não tenho escolha — lamento.

— É foda! — Sim, é. — Infelizmente estou em uma investigação sigilosa, não posso voltar.

— Ok, cara. Boa viagem. Desligo e volto para Brizz.

— Confio em Garbo, ele é um federal fora da curva, se vai enviar alguém é de confiança. A moral e os bons costumes ficam para você. — Jogo no colo do meu sócio, deixando claro que meu amigo está a metros de distância de ser um exemplo de homem. Mas os erros sempre eram meus, então foda-se. — Eu mal consigo imaginar algo que não seja mutilar os pescoços dos corpos inúteis, será uma utilidade pública.

— É... — Ele vaga pensativo e a ruga que sempre sinaliza preocupação finca no meio da sua testa.

Deloy Brizz é um amigo a contar do colegial, alguns nos confundiam com irmão por causa da semelhança dos olhos azuis e cabelos castanhos. David e eu sempre fomos diferentes, ele herdou a pele bronzeada de mamãe e eu a palidez do meu pai.Os pais de Brizz são do ramo de hotelaria, garantiram a ele uma fortuna bilionária que provavelmente sustentaria algumas gerações Brizz, isto não o parou. O cara é ambicioso e se alimenta de poder, mano a mano com ele nesse quesito. Há alguns anos o chamei para a sociedade da rede de boates UP que inauguraria na América Latina, desejava conquistar o mundo sem o estigma WUC prensado na testa, saltei do berço Queen devido a escolha hipócrita dos meus pais.

“Filho, aquela garota é uma vagabunda, seu irmão não teve culpa." Palavras de Robert W. Queen, meu pai.

Era evidente quem era o filho de ouro, a predileta adoração. Assim como quem devia engolir garganta abaixo a porra da dor da traição e fingir que nada aconteceu naquela noite de sexta. Deloy era o cara ideal — frio, calculista, prático —, o parceiro sublime em aspectos necessários para o novo Nicholas.

— Nick, isso vai foder a nossa imagem com os árabes — avisa realmente preocupado.

— Que se foda os árabes.

Meus olhos caem pesados numa Raica encolhida na parede abraçando o joelho, uma visão lastimosa, lamentável. Sinto pena da garota, sinto meu coração encolher com sua dor.

— Sei que vai soar cafajeste, mas não escondo minhas origens, sabe disso. — Ele se posiciona ao meu lado, pousa uma das mãos no meu ombro, dividindo comigo a mesma imagem. — Ela é gostosa, alegrava as noites de salsa.

Trinco o maxilar, muito puto com o comentário do caralho.

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