Como uma brincadeira do destino, nossos bipes tocaram ao mesmo tempo. O som agudo, repetido, reverberou pelo corredor como um sinal de que algo grave havia acontecido. Não era somente o meu, mas o de quase todos os profissionais daquele setor, sinalizando que uma emergência estava em andamento, uma situação crítica que exigiria nossa atenção imediata.
Observei-a olhar ao redor, observando cada funcionário que estava sob sua responsabilidade e imediatamente ela começou a dar suas ordens, como alguém que estava familiarizada com o caos.
O segundo bip me fez despertar do transe em que me encontrava. O foco, que antes estava completamente voltado para ela, para o cheiro irresistível do sangue daquela mulher, de repente se diluiu na tensão do momento. O impulso de me aproximar, de ceder àquela atração tão perigosa, foi substituído por um instante de clareza.
Eu era médico. E mais do que isso, eu sabia que não poderia perder o controle. O sangue dela… aquele cheiro doce e tentador… era um convite, uma armadilha, mas eu não podia permitir que isso me desviasse do que realmente importava.
Com a mente voltando ao trabalho, fui guiado pela necessidade de agir, pela urgência do chamado, que me lembrava de quem eu realmente era e do que era capaz de fazer. Era um momento de respiro, um breve instante para recuperar minha racionalidade.
E, por mais que o desejo ainda estivesse lá, à espreita, eu sabia que precisava me afastar, que eu era maior que os meus instintos. Eu não poderia me perder em algo tão trivial e mortal quanto a atração que sentia por ela.
Minutos depois do bip, o caos se instaurou de forma rápida e implacável. Ambulâncias chegaram em uma corrida frenética, com sirenes ecoando pelo hospital, enquanto portas se abriam e mais equipes eram acionadas. O ar parecia denso, carregado com a tensão de saber que algo sério acontecerá.
Os paramédicos desceram das ambulâncias com uma rapidez absurda, trazendo pacientes em estado crítico, vítimas de uma colisão terrível entre dois metrôs. O número de feridos era inimaginável, e o que antes parecia ser uma emergência um pouco caótica, se transformava em um cenário de guerra.
Pessoas com cortes profundos, ossos quebrados, algumas inconscientes, outras em pânico, eram rapidamente levadas para a área de atendimento. O hospital virou um campo de batalha onde cada segundo era crucial. A adrenalina subiu nas minhas veias, forçando-me a assumir o papel que eu exercia naquela emergência com a autoridade de alguém que já havia enfrentado o impensável.
— Dr. Dante, preciso de sua ajuda aqui… — A enfermeira Morgana, uma senhora que já conhecia minha forma de trabalhar, gritou.
— O que temos, Morgana?
— Dificuldade respiratória, pressão arterial caindo, e uma dor torácica visível. Parece estar com um pulmão comprometido. Pode ser uma hemorragia interna.
Ela estava certa. O padrão era claro, e eu não precisava mais de nada para saber o que fazer.
— Prepare a toracocentese, o mais rápido possível. Precisamos liberar esse sangue antes que ele entre em parada. Ligue para o bloco cirúrgico também, estamos indo para a sala de cirurgia com ele.
Ela imediatamente se virou, já ciente do que precisava fazer, e começou a organizar os materiais, mantendo a calma necessária.
— Farei isso agora, Dr. Dante. Vou precisar de mais duas bolsas de O negativo para esse caso.
Eu assenti, voltando a focar no paciente. Minhas mãos já se moviam com precisão, abrindo o uniforme do homem, avaliando os sinais de vida e o caminho que tomaríamos.
— Não há tempo para hesitar. Vamos estabilizá-lo e agir rápido.
Morgana, com sua calma e competência, me ajudava a preparar o paciente para o que viria a seguir. Ela era a extensão daquilo de que eu precisava em momentos como este — alguém que não hesitava, que não se perdia, que seguia as instruções sem questionar, mas com inteligência e dedicação.
— Está indo bem, Dr. Dante. Estamos prontos.
Eu não disse mais nada. Somente acenei com a cabeça e começamos a trabalhar como uma unidade, com o foco na vida que estava por um fio.
Eu sabia exatamente o que fazer. Não havia tempo para hesitar. Nenhuma preocupação com a atração insana que ainda me assolava, nenhuma distração pela presença dela, com seus olhos azuis imaculados. Eu era médico. E naquele momento, o que importava era salvar vidas.
O caos tinha um ritmo, e eu sabia exatamente como dançar com ele, como ser o mestre daquilo. Cada paciente era um campo de batalha separado, mas todos estavam conectados pela urgência de sobrevivência.
Após estabilizar aquele paciente, o enviamos para a sala de cirurgia que já o aguardava. Devido a todas as décadas de experiências, não perdi aquele paciente. Muitos diriam que eu havia feito um milagre, mas qualquer um com os anos que tenho atuando teria conseguido.
No fundo, mesmo no meio daquele furor, minha mente continuava a ser atraída por ela. A mulher com o sangue tão doce, tão inebriante, como se tivesse deixado uma marca invisível em meu ser.
Contudo, eu empurrava esse pensamento para o fundo da minha mente, forçando-me a focar no que estava diante de mim — o sangue real, o que precisava ser tratado, o que eu poderia salvar.
O fluxo de pacientes era incessante, um turbilhão de emergência que exigia minha total atenção. As ordens vinham e iam, as enfermeiras trabalhavam rapidamente ao meu lado, e, por um breve momento, o cheiro irresistível do sangue da mulher que tanto me atraía desapareceu em meio ao caos.
O hospital estava em um estado de emergência total, e cada segundo importava mais do que qualquer outra coisa. Eu estava imerso na rotina, na pressão de salvar vidas, quando, de repente, escutei um pedido de ajuda.
— Doutor! Por favor!
Minha cabeça se virou automaticamente e eu a vi. Ela estava lá, próximo a mim, com um rosto pálido de preocupação e urgência. Seus olhos, aqueles olhos azuis, estavam fixos em mim enquanto ela tentava segurar uma criança na maca, o corpo da pequena convulsionando.
A cena se desenrolou em um instante. A menina, provavelmente não mais do que cinco ou seis anos, estava em estado grave. Seu rosto estava distorto em uma expressão de dor, enquanto se contorcia involuntariamente. O sangue que manchava as luvas da enfermeira e a maca era um lembrete cruel do quão severo era o trauma.
O tempo pareceu parar por um segundo. Eu queria dar um passo atrás, queria me afastar daquela mulher, afastar-me do cheiro que ainda me atormentava, mas não havia tempo para isso.
— Ela está em convulsão, doutor. Não consigo estabilizá-la sozinha! — A voz da enfermeira tremia, mas ela se mantinha firme, sua preocupação mais voltada para a criança do que para o próprio medo.
Eu me aproximei rapidamente, minhas mãos treinadas imediatamente em ação. O olhar dela ainda estava fixo em mim, mas agora era uma mistura de alívio e tensão. Ela sabia que eu poderia ajudar, que essa criança precisava de mim, mas algo em mim ainda estava em turbulência, uma batalha entre o que eu precisava fazer e o que o meu corpo e a minha mente estavam exigindo.
— Se afaste, por favor… — Minha voz estava firme, meu foco voltando completamente à criança. Não havia mais espaço para distrações.
Ela se afastou um pouco, as mãos tremendo ligeiramente enquanto tentava manter o controle. Os sintomas eram claros — traumatismo craniano severo, provavelmente resultado de um impacto direto. A convulsão era um reflexo do cérebro tentando lidar com o trauma.
Eu assumi o comando, começando a estabilizar a criança e coordenando os movimentos ao redor dela. Mas minha mente estava dividida. A presença da enfermeira estava ali, e eu não podia afastar a ideia de que ela tinha me atraído de uma forma que não conseguia explicar.