CAPÍTULO 05

(DIAS ATUAIS)

Hoje faz um século de tudo aquilo, mas para mim parecem somente dias em que tudo aconteceu. Catarine era uma excelente enfermeira, antes de ser transformada em vampira. Ela tinha orgulho de sua profissão e sempre arrumava uma forma de exercê-la, mesmo sendo ela quem era, não porque precisava, mas porque amava aquilo que fazia.

Para honrar tudo o que ela me ensinou, deixei para trás o país onde nasci e consegui me formar em uma conceituada universidade como médico-cirurgião. Antes de seguir esse caminho, tive que aprender a controlar minha sede por sangue.

Atualmente, isso era algo moderado. Vital, mas não enlouquecedor sempre que uma bolsa de sangue surgia diante de mim. Eu tinha o controle pela minha sede. Minha maior dificuldade era permanecer no mesmo hospital por muito tempo. O fato de nunca envelhecer me fazia migrar a cada dez anos e precisar estar sempre viajando.

Desde quando me formei, sempre trabalhei como plantonista e claro tinha em meu currículo, excelentes referências. Sempre optava pelos turnos noturnos, algo pouco disputado nessa área. Já havia ouvido falar sobre os anéis diurnos. Algo que nos dava poder de caminhar durante o dia.

No entanto, nunca soube de alguém que o fizesse. Era um encantamento poderoso e poucos eram privilegiados de o terem. Somente os genuínos, isso quer dizer, aqueles nascidos de vampiros, conseguiam andar à luz do sol, pois eram imunes a eles.

Tornei-me o médico sempre consultado, mas totalmente introvertido. Não era de falar além do necessário, mas possuía um vasto conhecimento em tudo, afinal já havia passado por várias situações, desde conflitos de guerras até surtos e epidemias, sobrevivendo a elas todas devido ao fato de nada disso me matar.

Tentava me comportar como um humano normal, e o caos de uma emergência em um hospital tinha certos benefícios, principalmente quando a sede batia. Há muito tempo deixei de beber diretamente da fonte, e em um hospital extremamente movimentado era possível extraviar uma ou duas bolsas de sangue sempre que necessário.

Bebia da fonte sempre quando saía para caçar em alguma mata deserta, principalmente em meus dias de folga, afinal, precisava demonstrar que necessitava de descanso, mesmo quando isso não era verdade. Caçar me fazia relaxar, um lembrete silencioso de que, apesar do jaleco branco e das luvas estéreis, eu era, no fundo, uma besta assassina. Uma que, por sorte ou disciplina, ainda mantinha o controle de suas faculdades mentais.

No hospital, era o médico competente que salvava vidas. Mas ali, na escuridão da noite, no meio da floresta, eu era outra coisa. Um predador. Um monstro que escolhia suas presas com cuidado, sem pressa, sem culpa. Afinal, até monstros têm suas necessidades.

Certa noite, cheguei ao hospital para mais um plantão, sentindo o cheiro estéril de álcool e desinfetante misturado ao leve aroma metálico do sangue. Não era nada comparado ao que eu sentia lá fora, quando caçava, mas ainda assim era um lembrete constante da minha sede sempre presente.

Como de costume, mal pisei no corredor e já senti os olhares sobre mim. Técnicas de enfermagem, enfermeiras, médicas, pacientes e até alguns médicos desviavam a atenção do que faziam para me observar.

Algumas sorriam timidamente, outras lançavam olhares descaradamente famintos, e eu sabia que aquilo não tinha nada a ver comigo de verdade. Não era meu carisma, minha simpatia ou qualquer traço de personalidade que as atraía, porque fazia questão de me comportar exatamente ao contrário disso tudo. Era minha natureza.

A beleza inumana que minha espécie possuía era um ímã para os humanos. Mesmo sem querer, eu os seduzia, despertava neles um fascínio instintivo, quase irracional. E, sinceramente, era irritante. Eu não queria essa atenção. Não queria os sorrisos, os convites velados para um café, os olhares que demoravam tempo demais para desviar.

Eu só queria trabalhar. Salvar vidas, para equilibrar a balança daquelas que um dia eu tirei e para honrar tudo que Catarine me ensinou um dia.

Aquele teria sido só mais um dia comum, como qualquer outro. Eu ignoraria os olhares, atenderia meus pacientes, caminharia pelos corredores iluminados demais e fingiria ser apenas mais um médico dedicado. Mas então, senti.

O cheiro.

Um aroma diferente de tudo que já havia percorrido este hospital. Doce, quente, viciante. Não era apenas sangue… era algo mais. Algo que me seduziu de uma forma que nunca acontecera antes.

Minhas mãos se fecharam instintivamente, tentando conter o impulso primitivo de seguir o rastro daquele cheiro. Meu autocontrole, esculpido ao longo de décadas, vacilou por um instante. Virei a cabeça, escaneando o ambiente até a encontrar.

Ela deveria ser nova ali. Nunca a havia visto antes. Uma enfermeira. Seus cabelos loiros platinados, que dependendo da luz se tornavam brancos, estavam presos, sua pele clara e aparentemente sedosa era um convite para ser tocada, a expressão concentrada enquanto lia um prontuário, alheia ao caos suave do hospital.

Mas para mim, naquele momento, nada mais importava além do magnetismo que me atraia para ela.

O som dos monitores, o burburinho dos corredores, até mesmo os olhares das outras mulheres — tudo se tornou insignificante. A única coisa que existia era aquela enfermeira. E o desejo perigoso que crescia dentro de mim.

Meus olhos a escanearam sem que eu pudesse evitar, fixando-se em seu pescoço esguio. Cada detalhe estava ali, evidente para mim. O pulsar do sangue sob sua pele, a forma como a veia se expandia e contraía em um ritmo hipnotizante.

Com minha audição aguçada, pude ouvir o som perfeito do seu coração batendo, ritmado, forte, uma sinfonia tão sublime quanto Beethoven em sua mais pura essência.

Por um breve momento, ela desviou seus olhos do prontuário, como se algo tivesse despertado sua atenção e nossos olhares se cruzaram. Foi então que percebi… os olhos dela eram de um verde que não se via com frequência.

Era um verde que chamava a atenção em contraste com seus cabelos bastante claros, quase brancos, diferente de qualquer outra coisa que eu já tenha visto. E aquela visão rara despertou algo dentro de mim — uma sensação que eu não sabia nomear.

Ela não desviou o olhar de imediato, e naquele instante, por mais breve que fosse, o hospital, as pessoas, o mundo ao nosso redor, deixaram de existir. Somente nós dois, presos naquele instante efêmero e intenso. E eu soube que, a partir daquele momento, nada mais seria como antes.

Mas também percebi algo inesperado. Diferente das outras mulheres ali, ela não parecia atraída por mim. Não houve aquele brilho no olhar, aquele rubor tímido nas bochechas, nem um sorriso hesitante. Nada.

Somente curiosidade momentânea antes de desviar o olhar e voltar ao que estava fazendo, como se eu fosse apenas mais um médico naquele hospital.

Por um momento, aquilo me causou um alívio profundo. Porque, se ela tivesse reagido como as outras… se tivesse demonstrado qualquer sinal de fascínio, eu não sabia se poderia resistir a ela.

O desejo que seu cheiro despertava em mim já era perigoso o suficiente. Mas a indiferença dela? Isso tornava tudo ainda mais intrigante. E eu sabia que estava caminhando para um território desconhecido e potencialmente fatal.

Contraditório, como tudo na minha vida, eu também senti raiva. Raiva de me sentir atraído por ela. Era irracional. Era perigoso. Eu deveria ignorá-la, como sempre fiz com todas. Mas havia algo nela que me desarmava, algo que me puxava para mais perto, como se eu não tivesse escolha, como se, de alguma maneira, eu já estivesse preso.

Nem mesmo Catarine, que me ensinou tudo o que sou hoje como vampiro, teve tanto fascínio sobre mim. Catarine me moldou, me guiou nas sombras da minha natureza. Mas aquela enfermeira… ela não precisava fazer nada, e ainda assim me dominava de uma maneira que eu não entendia. Era como uma chama, ardente e incontrolável.

Eu precisava me afastar dali. Precisava sair daquela sala de emergência, sair de sua presença e quem sabe até do hospital. Porque quanto mais eu ficasse perto, mais difícil seria resistir ao impulso de ceder. E não seria somente a minha segurança em risco. Seria a dela também.

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