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(Narrado por Gabriel) Ela dormia. O lençol branco subia e descia devagar com sua respiração calma, os cachos espalhados pelo travesseiro, os lábios entreabertos como se ainda sussurrassem meu nome. Havia algo de sagrado naquele instante. Algo que me fazia querer tocá-la e fugir ao mesmo tempo. Camila. Ela tinha gosto de vinho e perigo. Um perigo que eu não podia — não devia — me permitir. Mas ontem à noite... eu cedi. E agora, meu corpo ainda queimava com a lembrança. Me levantei da cama silenciosamente, sem acordá-la. Vesti a calça jogada no chão e fui até a janela aberta. O vento da madrugada cortava minha pele como se quisesse me lembrar que isso não podia se repetir. Porque eu não sou um homem livre. Nunca fui. Meu passado não é uma lembrança. É uma sombra viva. E tudo o que ela toca, ela destrói. Quando aceitei esse trabalho de reforma na casa dos pais da Clara, tudo que eu queria era me esconder do mundo. Me manter em silêncio. Me distrair com cálculos, plantas, concreto. Não esperava ser puxado de volta ao caos por uma mulher de olhos doces e alma em chamas. Mas a primeira vez que vi Camila... algo dentro de mim se moveu. Algo que eu jurei ter enterrado. — Não se envolva — murmurei pra mim mesmo. — Você sabe como isso termina. Me apoiei na parede, os olhos fechados. O quarto parecia pequeno demais para conter a culpa que me invadia. As mãos que tinham tocado seu corpo ainda carregavam o peso de outras memórias. Memórias que eu não divido com ninguém. Nem mesmo comigo. Ela não sabe. E nunca pode saber. O que aconteceu há quatro anos ainda está aqui, latejando como uma ferida infeccionada. Um nome que eu evito, uma noite que me perseguiu por tanto tempo que já virou parte de quem eu sou. Um acidente. Um erro. Uma morte. E tudo culpa minha. Camila merece alguém que a salve do vazio. Eu sou o vazio. Mas mesmo com esse pensamento... meu corpo ainda vibrava pelo dela. Meu peito ainda guardava o som da sua respiração ofegante, seus gemidos contidos, suas mãos segurando as minhas como se eu fosse mais do que sou. Ela me fez sentir. E esse é o verdadeiro perigo. Porque quem se aproxima de mim acaba machucado. E ela é forte, mas não sabe o quanto pode sangrar. Virei o rosto para a cama mais uma vez. Ela se mexeu, ainda dormindo, um leve suspiro escapando dos lábios. E meu coração traiu todos os avisos que minha mente gritava: Eu quero essa mulher. Mesmo que isso custe tudo. Mesmo com todos os alertas gritando dentro de mim, eu não conseguia esquecer o jeito como ela me olhou antes de adormecer. Havia algo nos olhos de Camila que quebrava defesas que levei anos para construir. Ela não sabia o que podia despertar — ou talvez soubesse, e mesmo assim escolheu me tocar. Isso me assustava. Porque eu sabia como era perder o controle, e já tinha vivido as consequências disso uma vez. Mas, ainda assim, uma parte de mim — aquela que eu enterrei junto com meu passado — desejava desesperadamente que ela continuasse me desarmando.