Eu Kendra, fui uma general condecorada que encontrou um fim brutal e traidor. No dia de meu casamento, fui queimada viva em uma fogueira cheia de corpos, traída pelo homem que amava e por minha amiga e prima. A dor da traição suplanta a dor física das chamas, enquanto eu observava meu noivo e minha prima em meio às chamas ardentes. No entanto, a morte que achei que era o fim para meu sofrimento. Me trouxe outra coisa. Após a escuridão, me vi misteriosamente transportada de volta no tempo, deitada em lençois de alta qualidade. Retornei a um período anterior ao despertar de meus poderes como espadachim, antes de conhecer meu amado traidor e antes de me tornar a general que liderou grandes guerras. Renascendo das cinzas como uma fênix. Eu agora carrego as cicatrizes da memória e um ardente desejo de vingança, pronta para reescrever toda a história desse fim trágico que teve minha família e todos aqueles que um dia conheci. E irei começar por um detalhe bem pequeno. Minha linda e doce prima que me fez acreditar que aquele príncipe me amava. Irei fazê-la pagar por tudo que fez, e viverei uma vida totalmente diferente para compensar aqueles que um dia matei com minha próprias mãos.
Leer másO véu cobre meus olhos, e meu estômago dói. Meus ouvidos zunem e sinto o cheiro forte de fumaça; há fogo em algum lugar que não consigo ver. O que aconteceu? Estava pronta para subir ao altar com Sua Alteza, depois de tanto tempo eu iria me casar. Oh, meu Deus, será que é um ataque do império? Sua Alteza está bem? Onde estão os guardas? Por que ninguém está vindo?
Me arrasto até a parede. Meu estômago dói, levo a mão ao local, sentindo o melado. Estou sangrando. Não é fatal, mas dói. Já passei por isso tantas vezes, mas nunca foi tão doloroso. Meus lábios estão secos, minha garganta parece estar cheia de areia e meus olhos não conseguem focar em nada por conta da fumaça escura que permeia o lugar. O barulho de zunido está menor agora; escuto as chamas, gritos, e passos – distantes, agora mais próximos. Alguém está vindo me salvar. Finalmente. —Ela foi atingida? Parece morta. Ótimo. – Essa voz... É Sua Alteza. Ainda bem, ele está seguro. Posso descansar um pouco agora que sei que Sua Alteza está bem. Não conseguiria me perdoar se meu amado tivesse se ferido. —Eu disse que seria simples, querido. – Hum, Sofia? O que ela faz aqui? Ela chamou Sua Alteza de querido? Por quê? O que está acontecendo? Por que ninguém veio até mim? Príncipe Milton sempre me amou. E eu sempre cuidei de Sofia, pois só tínhamos uma à outra. —Oh, meu Deus! General Kendra! – Essa voz... É Miguel, meu subordinado mais leal. Ele está aqui, sim, ele pode proteger Sua Alteza e Sofia. Os dois precisam sair daqui; os inimigos podem atacar de novo a qualquer momento. Abro a boca, mas não consigo falar. —Sua Alteza, precisamos chamar um médico urgente, a general ainda está viva e pode ser salva. —Por que eu faria isso? — O quê? Escutei errado. Príncipe Milton me abandonou? Não, agora ele é Rei Milton e fui eu que o ajudei a chegar nessa posição. Entendi. Estou sendo deixada para trás, assim como a cartomante disse. Ele não é o homem que achei que era. E por fim, me abandonou. —Guardas, prendam esse homem por me insultar, o rei, e exponham o cadáver da general que se aliou aos inimigos do grande império de Fênix. Limpem essa bagunça. Escuto os gritos, mais passos e mais explosões. Eu fui enganada pelo meu próprio coração, mesmo tendo sido avisada. Pior ainda: eu matei com minhas mãos a pessoa que me avisou. Agora, todos aqueles que confiaram em mim estão morrendo comigo. Por que eu estava cega de amor? Cega por uma ilusão que eu mesma criei. Sinto meu corpo ser levantado. Minhas pernas não conseguem sustentar meu peso, então sou arrastada. O caminho está cheio de corpos e mal consigo enxergar. Não há mais nada que eu possa fazer. Vejo alguns fazerem uma reverência quando sou arrastada pelos corredores; esses estão sendo detidos pelos guardas. Tantas pessoas estão morrendo hoje. Ah... Como a vida é engraçada. Fecho os olhos, não querendo que me vejam mais. Abro meus olhos outra vez, encarando as chamas ardentes que queimam no pátio do castelo real. Há corpos por todos os lados e eles trazem mais e mais pessoas, matando-as bem na minha frente, onde eu possa escutar seus gritos de medo e agonia, onde elas deixam suas últimas palavras. Rostos conhecidos, rostos desconhecidos. Todos mortos aos meus pés. Pessoas que me idolatravam como sua rainha, que me trataram de forma respeitosa até em suas mortes. Eles me mantêm em uma cadeira rodeada de cadáveres. O sangue sai pela ferida do meu abdômen, e minha visão está obstruída pelo véu e pela sujeira. Sorrio, encarando o nada. Meu fim está próximo. Consigo sentir o frio da morte. Escuto um grito conhecido de longe: é a voz de Tulipa, minha criada, mas ela morreu há tanto tempo. Não é possível que esteja aqui. Deve ser a morte brincando com meus sentidos novamente. —Chegou a hora. – Uma mão quente ergue meu rosto. Meu corpo não tem forças para revidar o toque. —Espero que encontre todos os seus amigos no inferno, minha amada prima Kendra. Sinto algo sendo jogado sobre meu corpo; está mais frio agora. Por um longo tempo, encaro as chamas e sinto o cheiro forte do sangue. Logo uma dor ardente me invade: é fogo. Acho que é assim que vou morrer, por sujar minhas mãos de sangue inocente várias vezes. Queimarei até que não reste mais nada e em tremenda agonia, para que aqueles que eu matei possam ter vingança sobre minha alma. ◇◆◇ Respiro pesadamente. Me sento e sinto uma dor excruciante em meu corpo. O que está acontecendo? Eu morri. Fui queimada até a morte após ser traída por aqueles em quem mais confiava. Minha cabeça dói. Minha garganta está seca, parece que passei dias sem beber água. Mas consigo sentir o ar entrar em meus pulmões de forma limpa e pura. Levo a mão ao rosto, me sentindo perdida. Mas não parece haver cicatrizes de queimadura ou faixas em meu rosto ou corpo. O que está acontecendo agora? Eu estou no paraíso? Ou foi tudo um longo sonho? Olho em volta, tentando saber onde estou. Eu me lembro desse lugar. Essa sensação de estar em casa faz meu coração pesar tanto que parece haver uma pedra em meu peito. Quando eu tinha quinze anos, amava tudo que me fazia parecer uma princesa, por isso decorei meu quarto em vermelho e rosa, e mandei colocarem adornos em ouro por todo lugar para me acostumar com a vida no palácio. Este é meu quarto de quinze anos atrás: um lugar cheio de sonhos inocentes e irreais. Olho as paredes brancas com desenhos em prata. Eu realmente gostava dessas coisas. Até mesmo das cortinas vermelhas que batem até o chão, que rodeiam a cama arredondada. Engulo em seco. Estou sonhando? Ou sendo torturada? Esse quarto é de antes dos meus pais falecerem e de ter me tornado a regente das terras. Levanto as mãos receosa e conto os dedos. Mamãe sempre dizia que, para saber se está sonhando, basta olhar para as mãos: em sonhos, sempre temos dedos a mais para nos lembrar da realidade. Tenho dez dedos nas mãos. Com pressa, ergo a mão ao rosto, belisco com força minha bochecha e sinto a dor. Não é um sonho. Talvez uma miragem antes da morte? Jogo os pés para fora da cama e percebo que meu corpo está bem mais leve. É estranho. Faz quanto tempo que não sinto essa leveza de um corpo sem armadura? Pisco repetidas vezes ao reparar minhas mãos sem calos ou cicatrizes. —O que está acontecendo? – Essa é minha voz? Não parece minha voz. Parece tão infantil, jovial. Preciso de um espelho. Puxo as cortinas, saindo da cama, e assim que me viro, posso ver minha imagem jovem. Mesmo que um pouco diferente de como me lembro, ainda assim sou eu. Os cabelos na altura da cintura, os olhos sem rugas em volta e o rosto sem cicatrizes. Essa sou eu? Quantos anos eu tenho agora? Doze? Não, talvez quatorze. Mas não me lembro de meus cabelos terem essa cor; meus olhos também estão diferentes, mas com toda certeza sou eu, mais jovem. Com os cabelos emaranhados e de cores diferentes, mas sou eu. —Jovem senhorita! – Escuto o barulho de coisas se quebrando no chão e viro o olhar em alerta. —Graças a Deus! Irei chamar o duque agora mesmo. A moça jovem, acho que se chama Tulipa. Ela morreu há dez anos em meus braços durante um ataque dos lobos brancos. O que está acontecendo? Tenho certeza que acabei de morrer queimada. Por que Tulipa está aqui? Minha cabeça dói ainda mais quando tento pensar. Sigo a jovem Tulipa até o corredor e vejo as paredes sem arranhões ou marcas de sangue; não se parece em nada com a mansão em minhas lembranças amargas. —A senhorita não devia sair do quarto em roupas de dormir. – Viro o rosto, encontrando um cavaleiro. Dou a volta e paro em sua frente. Não reconheço esse rosto. Encaro bem seu rosto, tentando me lembrar, mas ele não está em minhas memórias; deve ter morrido antes de eu virar duquesa e desse lugar ser devastado. —Em que ano e mês estamos? – Questiono, ainda o encarando. Seu rosto é inexpressivo, mas ele não parece ignorante. Como não o conheço? Seu corpo é bem treinado e, pela postura, não é desrespeitoso. Ele devia estar entre os principais cavaleiros se tem esse porte. —No primeiro ano Fênix, quinhentos e um, mês da Fênix. – Ele sorri torto. O que tem de tão engraçado? —A senhorita parece menor. —Como? – Pergunto, olhando minhas mãos e depois para o chão. Eu realmente estou pequena agora. Como vou segurar uma espada com esse corpo? Mas por que estou pequena agora? Aos quinze anos, eu já era considerada uma menina grande, por isso, quando fui condecorada general aos vinte e quatro, ninguém se opôs. Por que eu parecia forte e robusta. —Acho que é só impressão minha. Agora, que tal voltar ao quarto, senhorita? Tenho certeza que o lorde e a senhora virão logo. – Suspiro e confirmo. Afinal, não vai adiantar nada ficar aqui no corredor de camisola falando com ele. Entro no quarto, me sentando no sofá sob o olhar atento do guarda. O que aconteceu? Eu voltei no tempo? Mas tenho certeza que morri queimada junto dos cadáveres de todos os que moravam em meu castelo. Fiquei quase vinte anos entre guerras para, no fim, ser traída e morta como um animal. Que irônico: uma general sanguinária morrer em uma revolta cheia de sangue e dor. —Kendra! — Viro o olhar, encontrando minha mãe. Seu rosto está tão jovial quanto me lembrava. Ela corre em minha direção, ajoelhando-se no chão enquanto me abraça. Não sei bem como reagir a isso; faz quanto tempo que não sou abraçada com tanto amor? —Mamãe. Está tudo bem, não precisa chorar. — Tento de alguma forma confortá-la, mas em vão: ela ainda se debulha em lágrimas enquanto me mantém presa em seus braços. —Querida. — Ergo os olhos momentaneamente, encontrando meu pai acompanhado de um senhor. —Que tal deixar o doutor examinar Kendra? Vamos ficar aqui ao lado. Ele estende a mão para minha mãe, que a pega ainda relutante. Por fim, ela se afasta, me deixando sob os olhares preocupados de todos. O doutor se aproxima com sua bolsa e se senta ao meu lado no sofá. Apenas observo seu rosto sério. Ele não diz nada, apenas resmunga e anota coisas em um pequeno caderno. —Senhor, sua filha está bem. Apesar de o veneno ter causado algumas mudanças físicas bem aparentes, não houve danos irreparáveis. – diz por fim, após me analisar. —Ainda precisamos ficar de olho em sintomas futuros, mas ela está bem. —Oh, graças a Deus. – Minha mãe respirou fundo, com a mão ao peito, a voz ainda embargada, mas com um suspiro de alívio que aquecia meu peito de uma forma que eu não sentia há décadas. Esse calor inquietante que deixei para trás há tanto tempo me faz saber que estou realmente viva. Mas se eu me atentar ao fato que acabei de ouvir... Veneno? Mudanças físicas? O doutor falava como se eu tivesse acabado de acordar de uma doença, não de uma morte horrível. Ou talvez para todos foi apenas uma leve doença, para mim a morte horrenda na fogueira de corpos. Minha mente girava, tentando conectar as peças desse quebra-cabeça temporal e existencial. Primeiro ano Fênix, quinhentos e um, mês da Fênix… Foi o ano em que tudo começou. O ano em que a paz de minha família foi desfeita, o ano em que a guerra começou a sussurrar nos ventos frios vindos do norte. —Veneno, doutor? Que veneno? — Meu pai perguntou o que eu mesma queria saber, a preocupação gravada em suas feições. Ele se aproximou, e eu pude ver a juventude em seus olhos, a ausência das linhas de cansaço e desgosto que a guerra traria em um futuro próximo não estavam ali. Era estranho vê-los tão... íntegros. Minha mãe, com o rosto ainda rosado e não marcado pelas noites sem sono e pela dor da perda de entes queridos. Meu pai, com a postura orgulhosa de um duque que ainda não havia sentido o peso da coroa de espinhos que eu, ironicamente, o ajudei a forjar para Milton. —A senhorita Kendra foi encontrada inconsciente no jardim há dois dias. Nossos exames indicam uma pequena dose de uma toxina peculiar. Felizmente, não foi fatal, mas parece ter alterado algumas características, como a cor do cabelo e dos olhos, além de uma aparente diminuição no físico por um breve período de recuperação. Acredito que o corpo dela está passando por uma adaptação. Um fenômeno raro, mas já registrado em alguns tomos antigos sobre medicina arcana. – explicou o doutor, gesticulando com as mãos de maneira nervosa e temerosa, todos sabem bem o amor que o duque tem pela família. Medicina arcana? Esse termo me era familiar, mas de uma forma que eu preferia esquecer. Sempre associei a algo místico e perigoso, não a tratamentos médicos. Ainda mais depois que a guerra nos trouxe tantos experimentos em prol do ganho maior que essa medicina arcana poderia proporcionar. Remexo de leve a cabeça, tentando afastar tais pensamentos. Então eu não estava apenas mais jovem, eu era diferente. Meu cabelo, que antes era de um castanho escuro, quase preto, agora tinha mechas estranhas: uma mistura de cobre e algo que parecia... escuro, com reflexos prateados? Como chamas douradas? Talvez. E meus olhos, que eu sabia serem de um verde profundo, uma mistura dos olhos dos meus pais, agora tinham um brilho dourado peculiar nas íris. Era como se eu fosse outra pessoa, mas ainda assim, inegavelmente eu. Meus pais me abraçam novamente, suas palavras de carinho soam como uma melodia há muito esquecida. Sinto uma pontada de culpa por não conseguir corresponder à emoção deles com a mesma intensidade. Eu fui uma general calejada pela guerra, com a alma manchada por incontáveis batalhas e sacrifícios. A inocência que eles projetam em mim parece uma miragem. —Mamãe, papai... O que aconteceu exatamente antes de eu... desmaiar? – Pergunto, tentando soar tão infantil e preocupada quanto possível, enquanto minha mente calcula os riscos e as oportunidades que esse novo começo me proporciona. Se eu havia voltado no tempo, tinha uma chance, mesmo que pequena. Uma chance de mudar tudo. De evitar a guerra, de proteger minha família, de desfazer a ascensão de Milton, de salvar as vidas de todos aqueles que morreram por minha causa. De viver como sempre imaginei. Sem ser em campos de batalha, a escutar gritos de morte e destruição. —Não se lembra? Você estava brincando perto dos canteiros de rosas, querida. Tulipa foi buscar alguns biscoitos e, quando voltou, você estava caída perto do poço. Pensamos o pior! — Minha mãe explica de forma doce, o susto ainda evidente em sua voz. —Mas agora você está aqui, está bem, e isso é o que importa. Brincando perto dos canteiros de rosas? Isso significava que eu estava na idade em que a inocência era minha única arma, e a ignorância, minha proteção. Eu tinha o conhecimento de uma vida inteira de guerra e política, mas o corpo de uma pré-adolescente mimada. Como eu poderia mudar o destino com as mãos que mal conseguiam segurar uma espada de madeira? A frustração começou a borbulhar em mim, misturada com uma pontada de esperança. Havia algo diferente, mas tenho certeza. Eu me lembrava daquele dia. A queda, a febre, os pesadelos... e depois a notícia do ataque ao ducado vizinho que deu início a tudo. Minha "doença" havia me impedido de ver o ataque em primeira mão, poupando-me dos horrores iniciais. Por que fiquei meses presa na cama, delirando, escutando o choro de minha mãe e as palavras de meu pai. Aperto a mão em punho, mas saber que foi um veneno me deixa com raiva. Todos aqueles meses na cama, até que minha mana despertou. As notícias ruins recebidas enquanto não havia nada que eu pudesse fazer, a morte de entes queridos dos quais nem ao menos pude me despedir. Tudo por causa de um veneno? O doutor se retirou depois de uma saudação. Meus pais ainda me observavam com carinho, mas com um certo receio em seus olhos, como se a nova Kendra ainda fosse um mistério para eles também. Eu sabia que precisava agir, mas com cautela. Meus pais não precisam sofrer em antecipação ao que iremos passar; posso protegê-los. Irei protegê-los. Respiro fundo, sentindo o ar limpo e puro em meus pulmões, tão diferente da fumaça e do sangue que haviam sido meus últimos companheiros. O peso da responsabilidade é esmagador, mas a chama da esperança acendeu em meu peito. Eu não sou mais a General Kendra, a executora do império. Eu sou Kendra, a jovem duquesa, com uma segunda chance para reescrever a história. Mas por onde começar? ◇◇◆◇◇O peso da espada de aço em minhas mãos era um lembrete constante da tarefa que tinha pela frente. Meus treinos com Sir Kael se intensificaram. Cada movimento era executado com a precisão de um coreógrafo, mas com a letalidade de um predador. O velho cavaleiro, outrora cético, agora me olhava com uma admiração silenciosa, percebendo que a recuperação da jovem duquesa era, na verdade, um despertar. Eu me sentia mais forte a cada dia, a memória muscular de General Kendra retornando, sobrepondo-se à fraqueza do meu corpo infantil.Mas força física não seria o suficiente. Eu precisava de aliados, e rápido. A data do ataque dos Lobos Brancos se aproximava, e minha intuição gritava que a situação era ainda mais urgente do que parecia. A única maneira de evitar a carnificina era interceptá-los, de alguma forma, antes que Milton pudesse usá-los como bode expiatório. E isso significava encontrá-los.A ideia era audaciosa, beirando a loucura para uma menina de quatorze anos.
Os dias que se seguiram à minha recuperação foram uma dança cuidadosa entre a menina que eu deveria ser e a guerreira que era. Tulipa, fiel à sua palavra, conversou com meus pais sobre meu desejo de fortalecer o corpo e a mente após o incidente do veneno.Para minha surpresa, ou talvez não, eles concordaram com uma facilidade tocante. A preocupação deles com minha saúde e segurança superava qualquer norma social que desaprovasse uma futura duquesa treinando combate. Meu pai até sugeriu que o treinamento poderia ser uma boa distração para minha mente, ainda abalada pela experiência.Minha rotina se transformou. As manhãs eram dedicadas aos estudos, e eu absorvia cada informação com a voracidade de uma faminta. Lia sobre a história das grandes casas nobres, suas alianças e rivalidades. Estudava as leis do reino, as rotas comerciais, as guarnições militares em cada ducado. Cada pedaço de informação era uma peça no meu tabuleiro de xadrez, e eu estava traçando cada movimento de Milton e s
Há vários dias venho me aprofundando em pesquisas das notícias de ataques e furtos dos últimos anos, e tudo que vivi até minha morte faz mais sentido agora. Os vários companheiros que perdi, as incontáveis vidas que tirei… Tudo isso me faz querer aniquilar os perpetradores dessa situação. A raiva borbulhava em minhas veias. Não era a fúria cega de uma jovem que acaba de ser traída, mas o ódio frio e calculado de uma guerreira que havia sido enganada e usada como ferramenta para a destruição.Milton não era apenas um traidor; ele era um monstro, um manipulador que sacrificava inocentes para pavimentar seu caminho ao poder. E eu, Kendra, a grande General, havia sido sua cúmplice involuntária. As lembranças dos rostos dos Lobos Brancos que matei, das vilas nômades que incendiei em nome de uma justiça que não existia, assombravam-me agora com uma intensidade sufocante.Agarrei o último jornal amassado em minhas mãos, sentindo o papel rasgar. Esse é de dois dias atrás: uma cidade portuária
Vários dias se passaram. Meus pais me deixaram aos cuidados de Tulipa, e pude organizar meus pensamentos nesse quarto que é como um eco profundo do meu passado. Eu preciso de um plano. Um plano para mudar o curso dos eventos sem que isso recaia sobre o ducado. Tenho o conhecimento do futuro, mas não a força física ou a influência do nome que fiz como General Kendra. É como ter um mapa do tesouro sem uma pá para cavar. A primeira coisa a fazer é entender a linha do tempo em que estou. Não me recordo totalmente dessa época porque estava acamada, doente. Só me lembro do que ouvi enquanto era transportada até a capital, mas são coisas vagas e confusas. Se estou no Primeiro Ano Fênix, então é antes do ataque que vitimou Tulipa. Isso vai acontecer em alguns anos, tenho certeza. Assim como a ascensão de Milton ao trono como primeiro herdeiro, após a morte súbita do irmão mais velho e legítimo herdeiro do trono. Logo após isso, uma grande guerra iria eclodir com o Império, mas isso ainda v
O véu cobre meus olhos, e meu estômago dói. Meus ouvidos zunem e sinto o cheiro forte de fumaça; há fogo em algum lugar que não consigo ver. O que aconteceu? Estava pronta para subir ao altar com Sua Alteza, depois de tanto tempo eu iria me casar. Oh, meu Deus, será que é um ataque do império? Sua Alteza está bem? Onde estão os guardas? Por que ninguém está vindo?Me arrasto até a parede. Meu estômago dói, levo a mão ao local, sentindo o melado. Estou sangrando. Não é fatal, mas dói. Já passei por isso tantas vezes, mas nunca foi tão doloroso. Meus lábios estão secos, minha garganta parece estar cheia de areia e meus olhos não conseguem focar em nada por conta da fumaça escura que permeia o lugar. O barulho de zunido está menor agora; escuto as chamas, gritos, e passos – distantes, agora mais próximos. Alguém está vindo me salvar. Finalmente. —Ela foi atingida? Parece morta. Ótimo. – Essa voz... É Sua Alteza. Ainda bem, ele está seguro. Posso descansar um pouco agora que sei que Sua
Último capítulo