Ava Narrando
Eu me debatia como podia. Minhas pernas chutavam o ar, meus braços tentavam se soltar daquele aperto bruto, mas o homem que me segurava era forte demais. Gritei, esperneei, tentei arranhar, morder, implorar, tudo ao mesmo tempo, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas e ódio. Minha tia, a desgraçada, assistia tudo com um sorrisinho cínico no rosto. E ainda teve a audácia de acenar pra mim, como se eu estivesse indo de férias. Nunca fui agressiva, sempre agi com calma, mais confesso que minha vontade era bater nela, até ela perder a consciência. Essa desgraçada é capaz de fazer tudo por dinheiro, não quero nem imaginar o que fez dessa vez, me colocando como sua garantia. — SUA VADIA — eu gritei, tentando avançar nela — VOCÊ VAI PAGAR POR ISSO. Mas eu não consegui nem dar um passo. O brutamonte segurou meus ombros e puxou meu cabelo com tanta força que gritei de dor. E foi aí que senti uma picada rápida, fria, no meu pescoço. Tudo ao meu redor começou a rodar. Minha visão ficou turva.Meus músculos enfraqueceram. E eu apaguei. Quando abri os olhos, estava zonza, com a cabeça pesada e um gosto metálico na boca. Tentei levantar, mas meu corpo não obedecia. Foi aí que percebi: eu estava sentada, amarrada à poltrona de um avião. Minhas mãos presas, tornozelos unidos e uma mordaça grossa entre meus lábios. Tentei resmungar, gritar, me mexer. Mas era inútil. A mordaça abafava qualquer som e as cordas machucavam meu pulso cada vez que eu tentava me soltar. O jatinho sacolejava no ar, e eu sentia um medo que não cabia dentro de mim. Quando finalmente aterrissou, meu coração disparou. Ouvi passos, vozes abafadas, e logo depois alguém abriu a porta. Um dos homens entrou, veio até mim e cortou as cordas sem dizer uma palavra. Antes que eu pudesse reagir, ele me puxou pelo braço e encostou uma arma no meu rosto. — Fica quietinha, boneca, ou tu morre aqui mesmo — ele rosnou, com um bafo de cigarro e suor que me deu ânsia. Engoli o choro. Só balancei a cabeça, tremendo, o corpo mole de tanto medo. Ele me empurrou pra frente e me fez descer as escadas do jatinho, onde um carro preto, luxuoso, já me aguardava. Entrei no banco de trás. Vidros escuros. Silêncio. O motorista usava luvas pretas e não disse uma palavra durante todo o percurso. A paisagem lá fora passava depressa, mas tudo era desconhecido. O idioma nas placas, as construções, as estradas largas. Eu sabia que não estava mais no México. Mas onde, exatamente, eu estava, era um mistério que me corroía por dentro. Depois de quase uma hora rodando, o carro parou na frente de uma casa grande, mas estranhamente fria. Sem janelas na fachada, cercada por muros altos e com câmeras em todos os cantos. As portas se abriram e fui puxada pra fora como se fosse um objeto. A entrada tinha um portão de ferro que se abriu com um sinal do segurança. Entrei, forçada, e dei de cara com o inferno. Era um abrigo. Ou melhor, uma prisão. Lá dentro, havia várias mulheres. Jovens, algumas mais velhas, todas com o olhar apagado. Umas sentadas em colchonetes encostados na parede, outras encolhidas em cantos. Parecia um depósito humano. Fui empurrada pra dentro e a porta se fechou atrás de mim com um estrondo. Me encolhi ali mesmo no chão. Chorei baixinho, com medo de chamar atenção. Eu tremia tanto que mal conseguia respirar. O medo me engolia viva. Meu corpo doía, minha cabeça latejava, e o desespero me deixava sem ar. — Estás bien — uma voz baixa me chamou. Levantei o rosto, com lágrimas escorrendo, e vi uma mulher de pele morena, rosto cansado e olhos escuros sentada perto de mim. Ela também era mexicana, como eu. — Dónde estamos? — sussurrei, a voz trêmula. — En los Estados Unidos — ela respondeu, suspirando pesado — Esto es un refugio, pero de la mafia. Tráfico de mujeres. Eu senti meu estômago virar. Minha pele arrepiou inteira. Quis vomitar. — Qué? Cómo? — eu balbuciei, sem entender. — Aquí llegan mujeres de todas partes. Algunas son vendidas. Otras leiloadas al mejor postor. Todas tratadas como mercancía — ela explicou, sem tirar os olhos do chão. (Mulheres do mundo inteiro vêm aqui. Algumas são vendidas. Outras, vendidas pelo maior lance. Todas são tratadas como mercadoria.) — Nadie escapa? — Algunas intentaron. Ninguna volvió. (Algumas tentaram. Nenhuma retornou.) Meu peito apertou. As lágrimas voltaram com força. Olhei em volta e vi meninas muito novas, outras com marcas no corpo, olhares perdidos, algumas até com crianças no colo. A atmosfera era de dor. De desespero. Senti vontade de gritar. De correr. De desaparecer. Mas eu estava trancada naquele lugar que parecia mais um cativeiro do que um abrigo. As paredes tinham câmeras, os corredores eram vigiados, e os portões pareciam de uma prisão de segurança máxima. A mulher ao meu lado sussurrou: — No llores tan alto. Aquí, si lloras, te golpean. (Não chore tão alto. Aqui, se você chorar, eles te batem.) Assenti com a cabeça, engolindo o choro. Enxuguei as lágrimas com as costas da mão e me encolhi contra a parede. O chão era gelado. O ar cheirava a mofo e perfume barato. As horas passaram devagar. O dia virou noite e as luzes nunca foram apagadas. A cada vez que um portão abria, o silêncio tomava conta. Era como se todas soubessem que, a qualquer momento, poderiam ser escolhidas e levadas... e talvez nunca mais voltassem. Deitei ali mesmo no chão duro, com o coração disparado. O medo não deixava meu corpo relaxar. A única coisa que eu conseguia pensar era que, se eu não achasse uma saída logo, ia acabar como todas aquelas mulheres. Vendida. Como se fosse um objeto. E foi assim que minha vida virou do avesso. Num piscar de olhos, eu fui traída, dopada, sequestrada e jogada dentro de um mundo que eu nem sabia que existia de verdade. Um mundo onde mulheres têm preço. Onde lágrimas não significam nada. Onde ninguém escuta seu grito. E agora, eu tenho que encontrar um jeito de sobreviver.