Ava Narrando
Acordei com alguém me sacudindo com força. — Acorda. Vamos. — a voz era firme, seca. Abri os olhos devagar, com o corpo dolorido, a mente confusa. Ainda estava no chão frio daquele lugar infernal. Quando foquei a visão, vi uma mulher em pé diante de mim. Rosto impassível, uniforme preto, postura rígida. Ela não parecia uma das prisioneiras. Era uma delas. Uma das que mandavam. — Levanta. — repetiu, impaciente. Me ergui devagar, com os músculos rígidos. As pernas tremiam e a cabeça latejava. Ela nem esperou eu me recompor. Saiu andando, e eu fui atrás, muda, submissa, com medo de receber algum golpe se hesitasse. Caminhamos por um corredor estreito. Ela abriu uma porta de ferro e atravessamos para o outro lado da casa. Tudo ali era ligeiramente mais limpo. As paredes não estavam manchadas, o chão tinha cerâmica, e o cheiro de mofo tinha sido substituído por um perfume barato, mas suportável. Me entregaram uma muda de roupa: lingerie preta simples, uma calça legging, camiseta branca, chinelos e um kit básico de higiene. Sabonete, escova de dentes, pasta, shampoo e uma toalha. A mulher me mandou entrar num banheiro. — Banho. Rápido. Você tem cinco minutos. — disse, encostada na porta. Tirei a roupa suja com nojo. Eu me sentia imunda. Entrei debaixo da água morna e esfreguei a pele como se pudesse tirar o trauma junto com a sujeira. Mas ele continuava grudado em mim. O medo, a dor, a sensação de impotência, tudo ainda pulsava no meu peito. Lavei o rosto, o cabelo, escovei os dentes. Me olhei no espelho. Eu mal me reconhecia. Olhos vermelhos, olheiras profundas, a expressão apagada. Respirei fundo, vesti as roupas que me deram e saí. A mulher ainda estava ali. Me esperando como um cão de guarda. — Me acompanha. — disse, virando de costas. Eu fui. Sem questionar, sem desviar o olhar. Estávamos num lugar onde perguntas não eram bem-vindas. Ela me levou por mais corredores até uma porta dupla. Lá dentro, um espaço com várias mesas, cadeiras, uma espécie de refeitório. Algumas mulheres já comiam em silêncio, com olhares vazios e movimentos automáticos. Nenhuma ousava conversar. Nenhuma sorria. Me sentei numa cadeira livre. Um prato com pão, ovos mexidos e uma caneca de café foi colocado na minha frente. O cheiro me enjoava, mas eu sabia que precisava comer. Precisava me manter de pé, viva, consciente. Mastiguei devagar, sem gosto, sem vontade. Engolia seco, empurrando a comida garganta abaixo, só pra não atrair atenção. Porque ali, contrariar qualquer ordem podia ser o fim. Quando terminei, a mesma mulher voltou. — Levanta. Agora é hora do exame. Exame? Não tive nem tempo de perguntar. Ela me puxou pelo braço e me conduziu até uma sala branca, iluminada demais, fria demais. Parecia um consultório médico, mas algo naquele ambiente era mais assustador que qualquer hospital. O cheiro de álcool e látex só aumentava minha ansiedade. Um homem de jaleco estava lá dentro, junto com outra mulher, que parecia enfermeira. Me mandaram deitar na maca, abrir as pernas. Tremendo, fiz o que pediram. Ninguém me explicou nada. Ninguém perguntou meu nome. Ninguém se importava com o que eu sentia. Fizeram o exame sem o mínimo cuidado. Fiquei imóvel, engolindo o choro, com o coração batendo na garganta. Depois de alguns minutos de silêncio, o homem falou: — Confirmado. É virgem. Meu sangue gelou. A boca ficou seca. Era isso que eles queriam saber? Por que não perguntaram antes? Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu queria gritar, espernear, perguntar por que estavam fazendo aquilo comigo. Mas minha voz estava presa. Trancada com medo, dor e indignação. Saí da sala mais vazia do que entrei. E nem voltei mais pro quarto onde tinha passado a noite anterior. Me levaram pra outra ala da casa. Lá tudo era diferente. Ainda era prisão, ainda tinha cheiro de controle e sofrimento, mas ao menos as paredes eram pintadas, as camas tinham colchão de verdade e não colchonetes no chão. Havia cortinas nas janelas e lençóis limpos nas camas. Tudo dava a falsa sensação de conforto. Me colocaram num quarto com mais três meninas. Nenhuma disse nada. Só me olharam e voltaram a deitar. Cada uma perdida nos próprios pesadelos. Sentei na cama que me indicaram. O colchão era macio, mas a paz era ilusória. O coração seguia apertado, o medo enraizado no peito. O que me esperava ali? Por que eu estava naquela ala diferente? O que significava ser separada das outras? Eu queria respostas, mas tudo que eu tinha eram perguntas e um silêncio que machucava mais do que qualquer grito. Deitei, encarando o teto. Os pensamentos rodavam sem parar. A constatação da minha virgindade parecia ter algum valor ali. Talvez me tornasse mais cara, mais cobiçada, mais desejada por alguém que me via apenas como um troféu. Engoli o choro mais uma vez. Eu não podia desmoronar. Não ali. Me agarrei na única coisa que ainda me pertencia: a esperança de um dia sair viva desse lugar. Mesmo que parecesse impossível.