Ava

Ava Narrando

Hoje eu fui trabalhar diferente. Com um sorriso no rosto, como o senhor Beckman sempre pede. Ele não precisou me lembrar uma única vez. Pela primeira vez em meses, eu estava animada. E não era por causa do balcão cheio, nem pelos clientes folgados que me tratam como se eu fosse invisível. Eu sorria porque sabia que, às quatro da tarde, quando meu turno terminasse, eu teria algo meu esperando do lado de fora. Uma oportunidade.

Olhei o relógio incontáveis vezes. Cada vez que o ponteiro andava, meu coração acelerava. Quando finalmente deu quatro horas, eu tirei o avental como quem se livra de uma armadura pesada. Me despedi da equipe da cozinha com um aceno breve e segui direto para minha quitinete. Tinha pressa. Entrei, tirei a roupa ainda pela porta, fui direto para o banho. Água quente, sabonete de lavanda. Lavei o corpo como quem se prepara para algo novo. Escolhi minha melhor roupa — nada muito chamativo, mas elegante, prendi o cabelo num coque solto e passei um pouco de maquiagem.

Chamei um táxi. Não queria, mas fui. O dinheiro estava contado, mas não suportava a ideia de aparecer numa agência de modelos chiques e elegantes de ônibus. Imaginar as mulheres lindas descendo de carros importados e eu pulando do coletivo lotado me fez engolir o orgulho e gastar.

A agência ficava em um prédio espelhado, imponente. Quando entrei, senti o cheiro de perfume caro no ar. Fui direto até a recepção. Uma mulher com aparência impecável sorriu ao me ver.

— Boa tarde. Rafael Mendez está me esperando. Sou Ava.

— Claro, senhorita Ava. Um momento, por favor.

Ela pegou o telefone e falou algo em voz baixa. Minutos depois, Rafael apareceu, vestindo uma camisa preta elegante, com a câmera pendurada no ombro e aquele mesmo sorriso gentil do dia anterior.

— Ava! Que bom que veio. Fico feliz com sua decisão.

— Eu precisava ver com meus próprios olhos. Confesso que ainda estou surpresa.

— E vai se surpreender ainda mais. Venha comigo, por favor.

Entramos em uma sala ampla, com quadros de modelos nas paredes e revistas espalhadas sobre uma mesa de vidro. Ele me ofereceu água, que recusei com um sorriso educado. Rafael se sentou e abriu uma pasta.

— Você tem algo raro, Ava. Um perfil que foge do óbvio. Elegância natural, intensidade no olhar. E é exatamente isso que estamos buscando para uma nova linha de campanhas fotográficas ousadas, com conceito moderno. As fotos serão mais artísticas, sabe? Corpo, luz, sombra, expressão. Coisas sensuais, mas de bom gosto.

— Eu não tenho experiência com esse tipo de trabalho — confessei, hesitante.

— Não precisa. Nosso fotógrafo vai te orientar. Você tem presença. Isso não se aprende.

Ele me mostrou algumas fotos de campanhas anteriores. Modelos em lingeries finas, vestidos colados, poses provocantes. Eu engoli seco, mas permaneci firme.

— E quanto a cachê? — perguntei.

— Sessões pagas por hora, com valores que variam de acordo com o uso da imagem. Algumas meninas ganham mais de cinco mil por campanha. E tem mais: nosso contrato garante visibilidade internacional. Se você for bem, estará em capas de revistas em poucos meses.

Meus olhos brilharam. Era a chance que eu sempre quis. Vida nova. Dinheiro de verdade. Respeito.

— Este é o contrato. Leia com calma e, se concordar, pode assinar.

Peguei o contrato. As letras eram miúdas, quase impossíveis de ler com rapidez. Fiquei tensa, mas não quis demonstrar. Li algumas cláusulas superficiais. Nada parecia muito estranho. Peguei a caneta e assinei, uma linha após a outra.

— Perfeito. Agora vamos ao que interessa. Vou te levar até o camarim.

O camarim era luxuoso. Luzes ao redor do espelho, ar-condicionado, perfumes alinhados na prateleira. Sobre a arara, roupas penduradas como em um editorial de revista. Ele apontou para um vestido.

— Esse aqui. Preto, colado no corpo, com uma fenda generosa. Vai ficar perfeito em você.

Peguei o vestido. O tecido era macio, sofisticado. Entrei na cabine, troquei de roupa e me olhei no espelho. O vestido me moldava como uma segunda pele. A fenda ia até a coxa. Respirei fundo. Eu estava linda.

Saí do camarim devagar. Rafael sorriu e levantou a câmera.

— Exatamente como imaginei. Pronta para brilhar?

Assenti, ainda tímida.

— Vamos começar com algumas poses simples. Fique de pé, vire um pouco o tronco para a esquerda, isso, olha para mim. Agora o olhar mais intenso, perfeito.

Os flashes começaram. Um após o outro.

— Coloque a mão no quadril. Isso. Agora cruza as pernas, de leve. Olha por cima do ombro. Linda, Ava.

Ele se aproximava, mostrava as fotos no visor. Elogiava.

— Agora vou focar em detalhes. Olhos. Feche os olhos devagar, mantenha. Boca entre abra os lábios. Maravilhosa. Agora a mão, estique os dedos, como se estivesse tocando algo. Isso. Pé descalço agora, por favor. Ótimo.

Achei estranho. Fotos dos pés, da mão, do olho, da boca. Mas não questionei. Era arte, certo? Ousado, mas artístico. Ou, pelo menos, eu quis acreditar nisso.

Quando terminamos, ele sorriu satisfeito.

— Você foi incrível. Tem talento, Ava. Isso foi só o começo.

Sorri, agradeci, e me despedi. Peguei um táxi de volta para casa, sentindo o coração leve. Era como se um novo mundo tivesse se aberto diante de mim.

O que eu não sabia era que, ao assinar aquele contrato com letras miúdas e me deixar fotografar daquela forma, eu havia assinado mais do que um acordo profissional.

Eu tinha assinado meu passaporte direto para o inferno.

Eu estava dormindo profundamente quando bateram na porta com força. Me levantei assustada, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Caminhei devagar até a porta, com o coração acelerado.

— Quem é? — perguntei, a voz ainda rouca de sono.

— Sou eu, Ava. Sua tia Mary — ouvi a voz dela do outro lado, fria e familiar.

Abri a porta com desconfiança, e o que vi me gelou por dentro. Mary estava ali, com um sorriso cínico nos lábios, acompanhada de dois homens desconhecidos, altos, de expressão fechada.

— Essa é a mercadoria — ela disse, apontando para mim como se eu fosse um objeto.

— Do que você está falando? Como você descobriu onde eu moro? — perguntei, recuando um passo.

— Foi fácil demais. Rafael ajudou — respondeu com naturalidade, como se estivesse falando sobre pedir uma pizza.

— Você conhece o fotógrafo? Como? — questionei, tentando entender, mas ela se calou, desviando o olhar.

Antes que eu pudesse reagir, os dois homens me agarraram pelos braços.

— O Senhor está esperando por você — um deles murmurou, me puxando com força.

Meu corpo gelou. Naquele momento, eu soube: tinha caído numa armadilha.

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