Suspirei, antes de começar a falar.
— Tá, vamos lá. Meu nome é Asllan. Tenho um voo marcado para as Ilhas Verdes daqui a três dias. Preciso de alguém para fingir ser meu namorado durante uma semana. O pacote inclui passagens em primeira classe, estadia de luxo e a chance de conhecer a família mais caótica do planeta.
Dei um segundo suspiro, e continuei:
— Requisitos: saber sorrir em público, gostar de música ruim em festas e, se possível, ter um leve senso de humor. — dei uma pausa, olhando para o espelho. — Se você estiver ouvindo isso... me manda uma mensagem. Ou aparece.
Apertei "STOP". Reproduzi. Parecia meio ridículo. Mas era real. Era honesto.
Postei o áudio em um grupo discreto que fazia parte da comunidade LGBTQ+ da cidade, acompanhado de uma legenda sutil:
"Procura-se par para casamento. Prometo drama, boas fotos e café da manhã em hotel cinco estrelas."Respirei fundo e desliguei tudo. Bob se enroscou na minha perna. Cocei sua cabeça distraidamente.
— Se ninguém responder, acho que eu vou mesmo sozinho, Bob...
Ele miou baixinho, e então se afastou. A noite estava avançando quando ouvi três batidas firmes na porta.
Levantei devagar, cauteloso. Não era esperado. Quando abri, me deparei com um rapaz de olhos intensos e cabelo bagunçado, vestindo uma camisa escura e um olhar curioso.
— Oi — disse ele. — Eu ouvi o áudio. Sou Keven. Bom... meu nome verdadeiro é Keven, mas todo mundo me chama assim desde o ensino médio. Longa história.
Fiquei parado, encarando aquela aparição inesperada.
— Você mandou um convite, e eu estou aqui para aceitar!
Minha boca se abriu, mas as palavras demoraram a sair.
— Convidei. Quer dizer... postei o áudio. Não achei que alguém fosse aparecer assim... tão rápido.
Ele sorriu de leve, encostando no batente da porta.
— Achei divertido. E, pra ser sincero, estou precisando me distrair.
Ele soltou um leve riso nasal.
— Keven? Seu nome realmente é Keven? — perguntei, num impulso tolo, como se a brincadeira estivesse prestes a virar verdade.
Ele não confirmou nem negou. Apenas se afastou da luz da sala, como se sua presença ali já tivesse passado do limite.
Quando percebi que ele estava mesmo indo embora, dei um passo à frente, o desespero me empurrando. Ele era, naquele momento, minha única chance de conseguir aquele bendito acompanhante para o casamento da Belly — e, claro, as férias nas Ilhas Verdes que vinham junto.
Aproximei-me e, quase sem pensar, toquei seu braço. Ou o que presumi ser o braço dele, por baixo da camisa preta de mangas longas e tecido grosso. Desde que chegou, ele tinha permanecido num canto mal iluminado da porta, a silhueta pouco definida, o rosto quase sempre inclinado, oculto entre sombras. Só os olhos se destacavam: escuros, fixos, enigmáticos.
— Me solta — disse ele, em tom firme, porém controlado.
Balancei a cabeça, recusando. A voz me escapou num fio de urgência:
— Seja meu par no casamento da minha amiga.
Ele me encarou sem emoção. Senti um arrepio estranho subir pelos braços. Era como se algo invisível e opressivo estivesse se aproximando. O tipo de energia que faz o ambiente parecer menor do que realmente é.
Mesmo assim, continuei.
— Por favor… eu faço qualquer coisa em troca.
Era só um acompanhante, só um papel a ser encenado. Nada mais. Não havia maldade, não havia mentira além da que já estava combinada. Tudo o que eu precisava era que ele dissesse sim.
Ele pareceu ponderar por alguns segundos. Ainda assim, girou o corpo em direção ao jardim, pronto para partir. Reagi na hora, posicionando-me entre ele e a saída.
— Por favor — repeti, agora mais baixo, mas com mais peso. O tipo de pedido que não carrega orgulho.
Ele me observou. Depois respirou fundo, inclinando levemente a cabeça para o lado, como se estivesse tentando entender minha urgência. Então, sem dizer nada, se afastou da porta e olhou para o centro da sala.
Entendi, ele estava se oferecendo para entrar. Então, o convidei.
Sentei no sofá, um pouco atordoado com a própria ousadia. Massageei os pulsos — estava tenso demais. Ele, por sua vez, sentou-se com calma na poltrona ao lado, ainda imóvel, ainda com aquele olhar vazio, quase clínico.
— Quando é o casamento? — perguntou, direto.
Peguei o convite que estava na mesa e o entreguei. Ele analisou por alguns segundos, depois repousou o papel no mesmo lugar, como se aquilo não tivesse grande importância.
— Preciso estar lá só no dia da cerimônia?
Soltei uma risada nervosa, meio envergonhado.
— Na verdade, preciso que você seja meu namorado durante todo o evento. Até o fim do casamento. Sorrisos, abraços e, talvez, danças constrangedoras. Essas coisas.
Ele não respondeu de imediato. O silêncio se esticou por um momento desconfortável.
— Tenho que ficar com você todos esses dias? — perguntou, sem rodeios.
— Depende de quanto minha amiga vai acreditar na nossa história — respondi, sem floreios. — Se ela desconfiar, estamos ferrados. Mas se colar... só até o fim da semana.
Ele inclinou o corpo para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos.
— E eu preciso parecer... como você? — perguntou.
Franzi a testa.
— Como assim?
— Roupas. Aparência. Tenho que combinar com seu mundo, certo?
A pergunta fazia sentido. Ele ainda parecia um personagem saído de um filme noir: calça escura, camisa de tecido pesado, e um casaco que parecia ter sido encontrado em um brechó gótico.
Levantei e fui até o quarto. Voltei com uma camiseta preta e um moletom cinza escuro, os maiores que eu tinha.
— Isso deve servir por enquanto.
Ele aceitou as peças sem expressão. Vestiu ali mesmo, como se não se importasse em estar sendo observado. Quando terminou, levantou os olhos para mim, agora um pouco mais... humano, talvez. Ainda havia algo de inquietante em sua presença, mas pelo menos ele parecia um pouco mais adaptado à cena.
Dei um passo para trás e o observei. Ainda havia algo sutil — um jeito no olhar, uma rigidez nos gestos — que não combinava com o cotidiano. Algo que precisaria ser ajustado se quiséssemos que Belly acreditasse.
— A gente vai precisar comprar algumas roupas pra você — comentei. — Não que esse visual esteja ruim, mas... você parece um figurante de filme pós-apocalíptico.
Ele me olhou sério por um segundo, depois curvou levemente os lábios, num quase sorriso.
— Então vamos às compras — respondeu.
E pela primeira vez desde que ele apareceu, senti que talvez o plano estivesse funcionando.