No caminho, meu telefone começou a tocar.
Era Bella. Claro que era ela. Devia estar ligando por causa do atraso.— Coloca no viva-voz, pedi a Keven, sem desviar os olhos da estrada.
Ele obedeceu sem fazer perguntas. Assim que a ligação conectou, pigarreei e tentei soar animado:
— Bom dia, gata casamenteira!
Ouvi uma risadinha familiar — e outra mais ao fundo. Devia ser o Petter.
— Oi, gato, gritei para Petter com seu tom costumeiramente debochado.
— Então... você conseguiu um encontro?
A pergunta veio rápida, certeira. Do outro lado da linha, havia expectativa.Lancei um olhar de soslaio para Keven, meu namorado falso pelas próximas duas semanas, e respondi com empolgação performática:
— Claro que sim! Férias grátis, aí vou eu!
Minha voz soou tão animada que até eu duvidei da própria encenação. Bella, por sua vez, ficou em silêncio por um segundo. Suspeito.
— Em quantos minutos vocês chegam? — ela perguntou, com um tom mais prático do que desconfiado.
— Está em cima de uma tartaruga, brincou Petter, se intrometendo.
— Será que vou aprová-lo?Eu ri. Se dependesse da beleza, Keven passava fácil. Só precisava se manter calmo e convincente. O charme ele já tinha de sobra — até Petter parecia interessado.
Mas, tecnicamente, eles não precisavam gostar dele. Só acreditar que estávamos juntos. E isso deveria ser fácil... ou assim eu esperava.
— Estamos no aguardo então, Bella finalizou. — Temos vinte minutinhos extras. Um almoço parece ótimo.
A ligação caiu. Keven guardou o celular na bolsa e redobrei minha atenção à direção, quando Keven resolveu quebrar o silêncio:
— Com quem vou me encontrar daqui a pouco?
— Com minha amiga e o noivo dela. Eles querem ter certeza de que estamos realmente namorando... e que eu não estou levando um estranho qualquer pro casamento.
— Hmm... — ele cantarolou. — Então, se eles não acreditarem na gente, eu não preciso mais ser seu par?
O carro parou no sinal vermelho. Virei devagar na direção dele, franzindo a testa.
— Está pensando em me sabotar?
Keven sorriu com falsa inocência. Eu continuei:
— Não. Você ainda será meu acompanhante. Mas, se eles não comprarem a nossa mentira, quem paga somos nós dois. Ou melhor... você.
Ele finalmente se virou para mim, curioso:
— É por causa do dinheiro? — Suas sobrancelhas arqueadas e o jeito como inclinou a cabeça me fizeram quase rir.
Pisquei para ele, misterioso:
— Não é só isso. Eu fiz uma aposta com a Bella... e perder não está nos meus planos.
Keven revirou os olhos como quem achava tudo uma grande bobagem divertida.
— Vamos fazer com que eles acreditem na gente logo mais. Ok?
Assenti com um sorriso, já me sentindo mais confiante. Mas, no mesmo instante, o carro de trás buzinou — uma, duas, três vezes — a última prolongada o suficiente para me fazer engolir em seco.
— Ai, droga... — murmurei, percebendo que o sinal estava verde.
Acelerei de imediato, fazendo o carro avançar apressadamente. Keven riu ao meu lado, com aquele tom provocador:
— Parece que o cara de trás não acredita muito na sua direção, hein?
Suspirei, tentando me concentrar na estrada. Era melhor Bella acreditar na mentira... ou minha conta bancária não sobreviveria à verdade.
Minutos depois, estávamos em frente à casa de Bella e Petter.
Ajeitei minha postura, conferi o reflexo no espelho retrovisor e respirei fundo antes de sair do carro. Ao meu lado, Keven também suspirou, ajustando os punhos da camisa enquanto abria a porta.
Caminhamos até a entrada principal. Toquei a campainha, mas, para minha surpresa, a porta se abriu sozinha — provavelmente automatizada ou deixada encostada. Entrei com um sorriso confiante, como se aquilo fizesse parte do plano, e fui direto até a sala, onde peguei um pacote de guloseimas na mesa de centro.
Bella apareceu logo em seguida, pulando na minha frente com aquela energia típica dela.
— Brincamos ou abraçamos primeiro? — brinquei.
Rimos juntos e nos abraçamos apertado. Em seguida, me afastei um pouco para apresentar Keven.
— Finalmente, meu novo amor. — anunciei com um tom dramático e romântico.
— Uau. Boa escolha. — disse ela, com um olhar ligeiramente avaliativo.
Keven, ao meu lado, sorriu de forma contida, com um leve ar de nervosismo. Acenei em sua direção e, discretamente, apertei sua mão.
— Tranquilize-se. Vai dar certo, murmurei para ele, baixo o suficiente para só nós dois ouvirmos.
— Ele se veste tão bem. — Bella comentou, cruzando os braços com um sorriso curioso. — Foi você quem escolheu, Asllan?
Observei Keven com mais atenção. Ele realmente estava muito bonito: o caimento da camisa, a combinação das peças, o charme natural.
Para não parecer controlador, dei de ombros e respondi casualmente:
— Apenas um toque aqui e ali. Ele tem bom gosto.
Mentira, claro. Fui eu quem montou cada detalhe do figurino.
Keven, ainda desconfortável com o calor, pediu para tirar o paletó e arregaçar as mangas. Os dois primeiros botões da camisa já estavam abertos, então me aproximei para ajustar a gola com cuidado, garantindo que ele estivesse impecável.
Dei um passo para trás e sorri. Ele estava pronto para impressionar qualquer um — inclusive Bella e Petter.
— A gente precisa ir, e o Petter ainda não desceu. — Bella disse, vasculhando o balcão à procura das chaves do carro.
De relance, notei os óculos escuros que eu havia dado a ela tempos atrás.
— Você ainda usa?
Ela sorriu, pegando os óculos.
— Claro. São os meus preferidos.
— Petter! — ela gritou, com a paciência típica de uma futura esposa apressada.
— Aqui, meu amor! — a voz veio do alto da escada.
Quando ele apareceu, estava absurdamente apresentável. Cumprimentou Keven com naturalidade e, depois de alguns sorrisos educados trocados entre todos, seguimos juntos para o carro.
A viagem foi curta, mas suficiente para planejar o que viria a seguir. Teríamos que convencê-los de que eu e Keven éramos um casal legítimo — e isso exigia mais do que um terno bonito.
Bella, com certeza, nos submeteria a um interrogatório informal. Então, inventei rapidamente uma história e comecei a contá-la no caminho até o restaurante:
“Nos conhecemos há alguns dias no shopping, trocamos números e mantivemos contato. Conversamos muito, saímos algumas vezes, e... bem, foi rápido, mas intenso.”
Parei de falar por um instante quando o carro parou no sinal vermelho. Virei para conferir a reação de Keven — e percebi que ele não estava ouvindo nada.
Suspirei.
— Quer saber? Só seja bonito e charmoso.
Desta vez, ele escutou. Virou-se com um sorriso convencido.
— Eu já sou.
Revirei os olhos com um riso contido. Talvez, só talvez, essa farsa tivesse alguma chance de dar certo.
Estacionei a alguns quarteirões do restaurante e desliguei o carro. Antes de sair, fiz uma última verificação em Keven. Ele parecia… normal. O suficiente, pelo menos.
— Temos que ser o casal perfeito — avisei, ajustando a gola da minha camisa. — Apaixonados. Irresistíveis. Com química de filme romântico. Entendeu?
Keven virou-se para mim com uma expressão de tédio, quase zombeteira.
— Vou tentar… né?
Parei no meio da calçada e o encarei, desconfiado. Aquilo não soava promissor.
— Eu nunca namorei na vida — completou, sem o menor peso.
Minha pressão caiu uns bons cinco pontos. Respirei fundo. Tudo bem. Respira. Inspira. Eu podia lidar com isso. Com um pouco de direção, talvez...
— Então apenas ouça o que eu disser — pedi, enquanto atravessávamos a rua. — E por favor, nada de gírias esquisitas ou atitudes de “criança rebelde”, ok?
Keven não respondeu. Ótimo sinal.
Logo em frente estava o Restaurante & Café, onde Bella e Petter já nos aguardavam. Eu precisava que esse plano funcionasse — e tinha certeza de que Bella se derreteria por Keven assim que o visse se comunicar. Pelo menos era o que eu esperava.
— Agora, segura minha mão. Igual no shopping. Amor e respeito, lembra?
Keven virou-se com um sorriso nervoso.
— Casal perfeito! — sussurrei entre os dentes.
Ele segurou minha mão com uma relutância quase cômica, e então seguimos até a entrada. O garçom nos conduziu até a mesa, onde Bella e Petter já se aproximavam da mesa cinco.
— Sorria e puxe uma cadeira pra mim — cochichei. Recebi um resmungo como resposta, mas Keven fez o que pedi. Ponto pra ele.
Sentei-me ao seu lado e abri um sorriso encantado.
— Olha nós aqui! E dessa vez… — fiz uma pausa teatral — acompanhado.
— Parece interessante — murmurou Bella, sorrindo com a expressão de quem já estava analisando cada detalhe dele.
— Esse aqui é o meu novo namorado — anunciei, dando um leve tapinha no braço de Keven, que respondeu com um sorriso contido.
Virei-me para Petter.
— E aí, futuro cunhado? Aprovado?
Petter riu e acenou para Keven.
— Então, campeão… tem algum time no coração?
“Sorria e diga alguma coisa”, pensei, praticamente implorando em silêncio. Eu realmente torcia para que existisse alguma conexão telepática entre nós. E, surpreendentemente, funcionou.
— Barcelona. Isso… Barcelona eu gosto.
Petter sorriu imediatamente. Era o time favorito dele. Fiquei pasmo. Nós nunca tínhamos conversado sobre futebol. Pura sorte ou milagre?
Enquanto os dois mergulhavam em um papo sobre o último jogo — que, aliás, Keven lembrava com todos os detalhes —, eu e Bella trocamos olhares cúmplices e pegamos o cardápio. Revirei os olhos ao ver a paixão dos dois por futebol, mas, no fundo, estava aliviado. Eles estavam se dando bem demais.
Bella, minha irmã de outra mãe, estava prestes a se casar com meu melhor amigo de infância — e isso, por si só, já era um dos maiores acertos da minha vida. Eu sabia o quanto ela tinha sofrido em antigos relacionamentos. Apresentar Petter a ela foi meu presente ao universo.
Peguei o cardápio e escolhi rapidamente um suco natural. Para Keven, pedi ovos benedict — ele havia mencionado ser o prato preferido. O garçom, então, perguntou sobre as bebidas.
Paniquei. Esqueci completamente o suco favorito dele. Chutei sua canela de leve sob a mesa.
— Abacaxi com hortelã — ele disse, após um leve grunhido.
— Isso! — completei rapidamente. — Ele adora suco de abacaxi com hortelã.
Keven me lançou um olhar desconfiado, mas sorriu, mesmo assim.
Olhei para Bella, que ainda examinava o cardápio. Seu rosto demonstrava satisfação. Era nítido que tínhamos causado uma boa primeira impressão. Mas agora… agora vinha a parte difícil: manter a farsa até o final.