Depois do jantar — pago por Keven, aliás — seguimos para casa. Eu dirigia, enquanto ele mexia na minha bolsa tentando encontrar meu celular que começou a tocar.
— Quem é? — perguntei, mantendo os olhos na rua enquanto ele desbloqueava a tela.
Ele fez uma careta curiosa antes de responder, com um leve tom de deboche:
— ‘Doce Menina’? — leu, arqueando uma sobrancelha.
Soltei um riso nasal.
— É a Belly — expliquei. — Ela colocou esse apelido de provocação mesmo. Deve estar me ligando por causa do tal encontro.
— Coloca no viva-voz — pedi, sem tirar a atenção do trânsito.
Keven apertou o botão e, quando a chamada conectou, pigarreei antes de cumprimentar:
— Boa noite, senhora Fech.
Ouvi uma risada do outro lado, certamente era o Petter por perto também.
— Senhor Fech — acrescentei, só para provocar.
— Então, conseguiu um encontro? — perguntou Belly, direta como sempre.
Lancei um olhar rápido para Keven, meu “namorado de mentira” nas próximas duas semanas. Ele apenas me encarou com aquele sorriso meio irônico de quem está se divertindo.
— Claro que sim. Dois meses de férias, aí vamos nós! — respondi animada demais, mesmo sabendo que Belly perceberia o exagero.
— Pode encontrar a gente amanhã e entregar as passagens — sugeri, confiante. Keven era bonito, charmoso, e tinha aquele estilo que fazia as pessoas prestarem atenção. Belly com certeza cairia na encenação.
— Vamos ver — respondeu Petter. — Se ele for com você, acho que já será um bom sinal. Pode ser que ele tenha algo que eu vá gostar também.
Fiz um leve bico. Tecnicamente, não era necessário que eles gostassem do Keven — só precisavam acreditar que estávamos juntos. Isso já bastava.
— Que tal o restaurante árabe então? — decidiu Belly.
Rápido e direto respondi — Me manda o endereço.
A chamada caiu. Keven colocou o celular de volta na minha bolsa e me lançou um olhar curioso.
— Para quem vou ter que mentir amanhã?
Suspirei e resolvi contar tudo de uma vez.
— Minha amiga e o noivo. Eles querem garantir que eu não estou inventando essa história só pra ganhar dois meses de férias e nem viajar de graça. Querem ver com os próprios olhos que a gente tá... juntos.
Ele cantarolou de leve, como se estivesse se divertindo.
— Então, se eles não comprarem a história, não preciso mais te acompanhar?
Parei no sinal vermelho e me virei para encará-lo, franzindo a testa.
— Não, você ainda vai. A diferença é que, se eles não acreditarem, eu vou ter que pagar tudo sozinha.
Keven girou o corpo na cadeira, me observando com interesse.
— É por causa do dinheiro? Porque, se for isso, relaxa. Eu tenho o suficiente.
A forma como ele disse isso, sem arrogância, me pegou desprevenida. Só levantei as sobrancelhas, surpresa. Mas não era só o dinheiro. Tinha outra coisa.
— Fiz uma aposta com ela. Não quero perder.
Ele riu baixo, balançando a cabeça, e voltou a olhar para a frente.
— Então amanhã a gente convence eles — disse, firme.
Antes que eu pudesse responder, o carro atrás de nós começou a buzinar — três vezes. A última, prolongada e irritada. O sinal tinha aberto e eu nem percebi.
— Merda — murmurei, acelerando enquanto Keven soltava uma risada baixa.
— O cara de trás parece não estar muito convencido da nossa relação — comentou, divertido.
Primeiras Impressões
Acordei no dia seguinte e fui direto me arrumar. Queria estar pronta antes que Keven chegasse. Ontem ele saiu depois que voltamos, dizendo que tinha “uns rolês” pra resolver. Não explicou muito, só disse que apareceria hoje cedo.
Desci para a sala e peguei um pacote de biscoitos. Bob, meu gatinho, apareceu do nada e pulou ao meu lado no sofá. Ele sabia quando era hora de petiscos.
Brinquei um pouco com ele, tentando relaxar, até ouvir a campainha. Fui até a porta e abri: Keven estava ali, de jeans escuro e camiseta preta, com uma mochila nas costas. Cara de quem já tinha vivido o dia todo antes de aparecer.
— Finalmente — disse, abrindo espaço para ele entrar. — Achei que ia me deixar sozinho nessa.
Ele deu de ombros e jogou a mochila no canto.
— Teu terno tá no quarto. A gente combinou isso.
Keven fez um gesto de quem tinha tudo sob controle e foi se trocar. Minutos depois, voltou vestindo um terno escuro, camisa branca por dentro e sapato preto. Estava limpo, alinhado, e... surpreendentemente elegante.
Quem diria que o skatista que anda por aí com camisa de banda e calça rasgada sabia vestir um terno tão bem?
— Tira o paletó — pedi. — Tá quente. E arregaça as mangas.
Ele me olhou com certa hesitação, mas obedeceu. Os botões de cima já estavam abertos, então ajeitei a gola e dei uma leve puxada no colarinho, só pra parecer mais “descolado”.
Dei um passo pra trás, avaliando o resultado. Se Keven não convencesse como namorado, pelo menos deixaria uma ótima impressão visual.
— A gente precisa ir — avisei, pegando as chaves do carro. Do balcão, notei os óculos escuros que tinha comprado pra ele. — Ah, coloca isso.
Entreguei os óculos, e ele os colocou no rosto com naturalidade. Aquela vibe rockstar urbano voltou num instante.
Era a nossa vez de representar.
Belly, minha irmã de outra mãe, com certeza teria mil perguntas — então era melhor alinharmos as histórias. Virei para Keven e comecei a explicar:
"A gente se conheceu no shopping há alguns dias. Trocamos mensagens, saímos algumas vezes. Você curte rock e skate, eu gosto de fotografia... Nos demos bem, sabe?"
O carro parou num sinal vermelho, e eu percebi que ele nem estava prestando atenção. Estava com os olhos grudados na janela, batucando o ritmo de alguma música invisível na perna.
Suspirei e larguei a história. Talvez não fosse tão essencial assim.
"Esquece. Só finge ser bonito e legal, já vai ser suficiente", falei, acelerando quando o sinal abriu.
"Eu já sou", respondeu ele, com aquele meio sorriso irônico.
Estacionei algumas ruas antes do café. Não queria correr o risco de dar de cara com Leslie no estacionamento. Demos uma última ajeitada nas roupas — ou melhor, eu ajeitei, porque Keven só passou a mão no cabelo e colocou os óculos escuros pendurados na gola da camiseta.
"Temos que parecer um casal real", avisei, enquanto caminhávamos. "Como se a gente estivesse junto há um tempo e... curtindo mesmo."
Ele me olhou com desdém. "Você sabe que não tenho a menor ideia de como casais normais agem, né?"
Parei de andar. Sério?
"Você já teve alguma namorada na vida?"
"Não durou o suficiente pra aprender essas encenações."
Respirei fundo, tentando me acalmar. "Então só me escuta. Não chama ninguém de 'humano', pelo amor dos céus, e tenta não parecer deslocado. Nada de piadinhas estranhas, nem sarcasmo demais, ok?"
Keven tirou os óculos e os pendurou na camisa, casualmente. Eu assenti. Belly ia achar ele bonito, pelo menos isso.
"Agora coloca o braço na minha cintura."
Ele hesitou, mas acabou obedecendo, com um ar resignado. O sorriso que ele forçou quase me fez rir — parecia que alguém tinha mandado ele sorrir à força numa foto de RG.
Fomos conduzidos até a mesa. A dupla casamenteira já estava lá, sorridentes e, para meu azar, atentos a cada detalhe.
"Sorria e puxa uma cadeira pra mim", murmurei para Keven, mantendo o sorriso.
Ele bufou baixinho, mas fez o que eu pedi. Sentei e ajeitei o cabelo rapidamente, tentando parecer natural.
— Oi, bom dia — disse, tentando soar casual, enquanto Keven sentava ao meu lado.
— Keven, essa é minha amiga e irmã também, Belly — falei, tocando de leve no braço dele.
Belly deu aquele sorriso educado, mas eu a conhecia bem o suficiente pra saber que já estava avaliando ele da cabeça aos pés. E ele realmente parecia seguro. Jeans escuro, camisa ajustada, o cabelo bagunçado do jeito certo. Dava até raiva.
— E esse é o Petter Fech, meu futuro cunhado.
Petter acenou para Keven, que respondeu com um "Prazer em conhecer vocês", tão direto quanto ensaiado.
O garçom apareceu para anotar os pedidos. Keven pegou o cardápio e ficou folheando sem pressa, mas eu já sabia o que queria. Apontei discretamente para os waffles e cochichei: "Pede os ovos Benedict pra você". Ele nem discutiu.
Pedi um latte, e disse pra Keven escolher um café gelado — parecia combinar com ele.
Quando o garçom saiu, virei para Belly com um sorriso tranquilo. Até ali, tudo tinha saído bem. Mas agora vinha a parte difícil: sobreviver ao interrogatório.