— O que você está fazendo? — questiona Madeleine.
— Procurando um livro.
— Qual?
— Ainda não achei — respondo rapidamente, tentando parecer casual.
Estamos na biblioteca. Eu vasculho as prateleiras atrás de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. É dentro dele que vou esconder minha próxima mensagem para o garoto cujo nome ainda não sei — o que é ridiculamente frustrante.
— Você está estranha. Ainda se sente mal? — Madeleine pergunta, esticando-se nas pontas dos pés para espiar a prateleira acima de nós.
— Não, estou bem. Perfeitamente bem — digo, com um sorriso ensaiado.
— Entendo — ela comenta, mas continua me observando com atenção demais para o meu gosto.
Vou encontrá-lo no domingo. Tudo está correndo conforme o planejado: dizer que sou maltratada, despertar a piedade dele, fazê-lo querer me ajudar... e, com um pouco de charme bem aplicado, garantir que ele se apaixone o suficiente para não fazer perguntas quando eu começar a agir de forma, digamos, questionável.
— Allegra, olha esse livro que achei! — Madeleine parece estar empolgada com o livro, mas seu sorriso não alcança os olhos. Por quê? Talvez eu esteja imaginando coisas. Finjo interesse enquanto, discretamente, retiro A Divina Comédia da estante. O bilhete já está pronto. Preciso apenas despistar Madeleine.
— Madeleine, desculpa te interromper, mas acho que não estou me sentindo bem — digo, colocando as mãos na testa. Finjo uma leve tontura. — Você poderia pegar um copo de água para mim, por favor?
— Claro, Allegra! Senta aqui. Eu vou num pé e volto no outro! — Ela sai correndo, mas não sem antes lançar um último olhar por cima do ombro. Sempre tão atenta. Ela desaparece pelo corredor, mas a porta da biblioteca demora mais do que deveria para bater. Fico com a estranha sensação de que ela ainda está ali, ouvindo.
Madeleine... o que você quer comigo? Algo em você me incomoda, mas ainda não sei o quê. Levanto e caminho até a estante. Enfio o bilhete cuidadosamente no lugar certo: quarta estante, segunda prateleira, oitavo livro da fileira. Nosso ponto de encontro.
O domingo amanhece. Como de costume, estou encarregada da limpeza do pátio. Espero pelo horário do almoço, o momento ideal, já que todos estarão ocupados. Caminho até a biblioteca e, inicialmente, não o vejo. Mas então, um vulto passa atrás de uma das estantes. É ele. Ele veio.
— Você veio! Obrigada — digo, deixando transparecer um traço genuíno de felicidade.
— Sim. No começo, pensei em não vir... poderia me meter em confusão. Mas, quando li seu bilhete e vi que dizia “por favor, ajude-me, estou sendo negligenciada”, não consegui ignorar. Fiquei preocupado. O que está acontecendo exatamente?
— Primeiro, me diga seu nome. Não sei como devo chamá-lo.
— Dante.
Claro que é Dante, como Dante Alighieri. Ah, o inferno de Dante. Sorrio comigo mesma.
— Dante, não temos muito tempo. Eu preciso da sua ajuda. Estou presa aqui há tantos anos, e elas são más comigo. Não me deixam comer, me colocam em trabalhos exaustivos e me batem — digo, enquanto mostro um hematoma roxo em minha pele. Hematoma este que eu mesma fiz me beliscando na noite anterior. — Este lugar não é nada do que parece. Por favor, não tenho mais ninguém a quem recorrer. — Talvez eu tenha exagerado um pouco no tom dramático, mas era necessário. Ele precisa entender o meu desespero, ou pelo menos acreditar nele.
— Meu Deus! Eu... achei que esse lugar fosse normal. Não imaginava que as freiras fossem... assim — ele parece genuinamente abalado.
— Mas por que eu? Por que pediu ajuda a mim especificamente? — ele pergunta, franzindo a testa.
— Tenho visto você me olhando — olho no profundo azul de seus olhos.
— Não sei do que está falando.
— Sabe sim. Todos aqueles domingos em que você passa por mim, no pátio. Te vejo me observando, me analisando — vou falando e me aproximando do seu corpo. — Você achou que eu não iria perceber? Sabe por que eu percebi?
— Por quê? — ele parece desconfortável. Suas pernas tremem. Tímido. Que fofo.
— Porque estou te olhando também — a essa altura, meu corpo já está quase tocando o dele. Posso ouvir nossas respirações, nossos pulmões trabalhando. Sinto o cheiro do seu hálito, mentolado. Ele respira mais rápido do que eu, obviamente.
— Por favor, não faça isso — ele se afasta rapidamente, visivelmente afetado.
Dou um leve sorriso.
— Não precisa ficar com vergonha. Me sinto assim em relação a você também — tento soar o mais romântica possível.
— Para. Eu sou um seminarista e você é uma freira, nós não podemos.
— Eu sei, eu sei. Me desculpe por ter sido invasiva — respondo com o olhar triste e abatido.
Ele está sério, me encarando. Será que fui com muita sede ao pote? E se ele desistir ou nem quiser tentar me ajudar? Acho que talvez eu tenha utilizado a abordagem errada. Merda!
— Vou te ajudar — ele diz, mantendo uma certa distância.
Bin-go!
— Sério? Obrigada, muito obrigada! — dou pequenos pulinhos de alegria. Eu consegui!
— Sim. Mas vou te ajudar porque, como servo do Senhor, devemos fazer a boa obra Dele aqui na Terra. — ele fala, ajeitando o colarinho da batina.
— Claro. Obrigada, Dante. Deixei um bilhete para você dentro desse livro, A Divina Comédia. Ele vai ser a forma de nos comunicarmos. Aos domingos, quando você vier, vão ter mensagens dentro desse livro, e você pode me responder por aqui também.
— Está bem. Preciso voltar. Vou te ajudar, mas não repita as coisas que fez hoje — ele diz, nervoso e suando frio. Então vira as costas e vai embora.
Pobre peixinho, você ficou totalmente afetado apenas pela proximidade de nossos corpos. Acho que vai infartar quando eu conseguir roubar o seu primeiro beijo. Estou nas nuvens. Me aguarde, papai. Logo estarei de volta e vou fazer você se arrepender por todo o tempo que me deixou trancada neste lugar!