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Capítulo 1 - Levi - Parte 2

Eu não tinha mais uma babá nem ninguém que pudesse cuidar da minha filha. E, ainda assim, eu tinha duas reuniões no dia e não poderia adiá-las. No mundo dos negócios, ninguém dá importância se você tem uma filha pequena para cuidar. As pessoas querem compromisso e pontualidade.

Então, fui ajeitando Alice na cadeirinha, pronto para levá-la comigo ao escritório, rezando para que canetas e papeis a entretenha o suficiente para eu poder trabalhar.

— Papai! — ela ergueu as mãozinhas para o alto, e as balançou. — Papai! Vamos brincar!

— Papai não pode brincar agora, preciso ir trabalhar, mas olhe, vamos andar de carro! Você gosta de andar de carro, não é?

— Abre a janela — ela pediu, referindo-se ao vidro.

— Não posso, Alice. O frio está muito forte e o vento vai deixá-la resfriada. Mas, podemos contar as vaquinhas pelo caminho.

Eu morava afastado de tudo, numa bonita chácara a beira de uma BR. Um lugar dos sonhos que eu mesmo planejei quando me casei com Aline, há quatro anos. Uma casa confortável de dois andares, com piscina para o verão, e um quiosque com fogão a lenha para o inverno.

Um lugar perfeito para ser feliz. Mas, Aline não pensou assim e logo se mostrou insatisfeita. Dizia-me que, por ser longe de tudo, ela não tinha contato com ninguém além das domésticas que vinham três vezes na semana limpar a casa. Quando ela engravidou, eu tentei colocar a chácara para vender, já que minha esposa dizia que não criaria a filha num fim de mundo. Quando Alice nasceu, eu ainda não havia conseguido vender o lugar. O mercado imobiliário estava em crise, e só apareciam compradores que queriam me pagar algo bem abaixo do valor pedido.

Então, há um ano, Aline arrumou suas malas e se foi. Deixou-me com uma criança pequena no colo, e a sensação entorpecente de que eu havia falhado como homem e como pai. Poucas semanas depois, eu soube que ela conheceu um homem na cidade, e já estava morando com ele.

Foi terrível e cruel. Nossa cidade não é pequena, mas nosso círculo de pessoas conhecidas comentavam e julgavam toda nossa situação. Ainda assim, eu não tive tempo de me consolar do chifre. Eu fiquei com uma criança que acabara de aprender a andar e falar, e que precisava de toda minha atenção.

Foi então que comecei a ter crises de pânico. Especialmente com minha saúde. Eu temia morrer e Alice ficar sozinha no mundo. Porque a mãe, claramente, não se preocupava com ela. Há dois meses, minhas crises se tornaram físicas, com aceleração de batimentos, tremores e essas coisas. Era tão vergonhoso um homem de um metro e oitenta e cinco procurando um psiquiatra para tratar de coisas que a maioria das pessoas acharia frescura, mas não tive escolha. Desde então, estou usando medicações.

Comecei a dirigir. Saímos da área da chácara e eu peguei a BR em direção à cidade.

— Uma vaquinha — Alice gritou, quando passamos por um bovino.

— Uma vaquinha que dá leite — ensinei a canção.

— Duas vaquinhas que dão leite! — ela exclamou quando cruzamos por outra.

De repente, meus olhos perceberam uma garota andando na BR. Ela usava um vestido bege que ia quase aos seus pés, e um casaco de lã. Seu cabelo solto também era enorme, chegando a sua cintura. Ela trazia uma sacola nas costas que parecia cheia.

Passei por ela, meus olhos ainda focados na sua figura quase fantasmagórica pelo retrovisor. Se fosse uma visão noturna, com certeza seria de dar medo.

— Papai! Água!

— Sua garrafinha está ao seu lado.

Eu voltei minha atenção à estrada, mudando o foco dos meus pensamentos. Coisas estranhas costumavam acontecer muito na década de noventa, quando uma seita religiosa foi fundada nas montanhas próximas. Mas, quase todos os membros daquele culto já tinha certa idade, e quase nenhum aparece na cidade, a não ser para fazer alguns trabalhos braçais por dinheiro ou para comprar ou trocar mantimentos.

— Está não, papai!

Meu pensamento voltou a minha filha. Recordei que esqueci a bolsa com as coisas de Alice em cima do sofá. Suspirei, pesadamente, guiando o carro até uma lanchonete de estrada.

— Vou pegar água para você — disse.

— Papai! Quero descer — ela gritou, quando parei o veículo.

— Não. Estou com pressa e...

— Quero descer!

E começou a gritaria e o choro alto que tornava tudo pior. Minha filha era um pouco mimada e adorava se atirar no chão sempre que estávamos na presença de alguém, apenas para me deixar sem reação e lívido de vergonha por ser tão péssimo em educar.

Algumas pessoas cruzaram por nós no estacionamento, e olhavam para dentro do carro. Lá vinha, o peso do olhar de terceiros, novamente. Eu senti minha garganta fechar. Meu psicólogo disse que eu precisava controlar meus acessos de pânico.

— Ok. Vamos descer — eu disse. — Vou tomar um café.

Eu havia jurado me livrar da cafeína, mas ninguém aguenta uma criança birrenta de dois anos, se não tiver completamente chapado.

***

O vento frio uivava ao longe. Eu observei a estrada atrás da janela de vidro da lanchonete. Perto de nós havia muita gente, turistas ou caminhoneiros, todos tomando um café para aquecer o corpo daquele dia frio.

Alice mordiscou um pão de queijo, e eu sorri em sua direção, porque naquele momento me lembrei de minha mãe, que adorava vir aqui para comer alguma coisa. Alice havia puxado a ela, não apenas no jeito extrovertido, mas também porque tinha os mesmos cabelos loiros escuros e olhos castanhos intensos. E a personalidade também era incontrolável.

Eu sinto saudades de minha mãe. Sua falta ainda me corroí. Mas, estava preparado para sua partida. Não foi algo obtuso. Ela definhou aos poucos, durante mais de um ano, em decorrência de um câncer.

Meu celular vibra. Eu o pego, enquanto percebo Alice perguntar me pode ir pegar um chocolate. Concordo, olhando para o relógio, e vendo que já perdi vinte minutos aqui.

— Desculpe não avisar, fiquei sem babá e estou tendo que levar Alice para o escritório essa manhã — digo a Ingrid, minha secretária.

Viro meu rosto e vejo Alice conversando com a atendente, enquanto aponta um pedaço de torta. Aceno para a atendente para que lhe dê o que quiser, enquanto bocejo, cansado.

— Você pode reagendar minhas reuniões?

— Claro que sim, esse é o meu trabalho — ela afirma. — Mas, sabe o que não é o meu trabalho?

Eu não consigo evitar o sorriso.

— Cuidar de uma criança de dois anos?

— Que bom que o senhor entende, chefe!

Eu me dava muito bem com Ingrid. Tínhamos essa cumplicidade, algo que nos deixava a vontade de sermos francos um com o outro.

— Eu sei, eu sei... Vou ver como resolver isso.

De repente, olho para o lado. Só então me dou conta de que minha filha não está ali, no corredor. Encaro a atendente, mas ela está ocupada atendendo outros clientes. Claro que ela não ficaria de olho em Alice.

Começo a caminhar desesperado entre as mesas.

— Alice? — eu chamo.

— A menina está ali — um dos caminhoneiros aponta para fora, e então eu vejo a cena mais absurdamente assustadora da minha vida.

Alice está junto a mulher fantasma da estrada, oferecendo a ela seu pedaço de bolo de chocolate. Ambas estão sentadas sobre um banco de pedra, embaixo de uma enorme placa com o preço da gasolina do posto ao lado.

Eu saio da lanchonete, correndo naquela direção.

— Algo tão gostoso assim só pode ser pecado — a mulher murmura.

Algo queima em mim diante da frase e diante da sua aparência. Não é bem uma mulher, é uma menina, talvez dezessete anos. E suas palavras percorrem minha espinha, concentrando-se em aquecer meu sangue como a muito tempo não acontecia.

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