Mundo de ficçãoIniciar sessãoQuando deixei a clínica, entrei no carro sem falar com o motorista, fechei a porta e soltei o ar devagar. Eu deveria estar impassível. Afinal, era isso que o mundo esperava de mim: racionalidade, precisão, controle.
Eu sempre fui bom em esperar. Aprendi cedo que todo resultado é apenas a consequência controlada de um processo bem conduzido. Se algo demora, negocia-se tempo. Se algo resiste, negocia-se preço. Se algo escapa, substitui-se.
Simples, mas nada disso se aplicava a Camila.
A forma como ela segurava a própria dignidade como quem segura uma espada afiada, o modo como ela analisava tudo antes de responder. A força quieta que ela carregava nos ombros, aquela força que vem de quem já aprendeu a sobreviver antes de aprender a pedir ajuda.
E eu sorri. Era um sorriso real.
Porque eu tinha certeza de que ela voltaria.
O celular vibrou antes mesmo de o carro sair da vaga. Era Camila.
— Eu aceito. — Ela falou antes mesmo que eu pudesse falar alguma coisa.
Não houve surpresa. Não houve explosão de pensamento.
O mundo ficou simples.
Eu fechei os olhos.
— Obrigado por confiar em mim. — falei.
— Eu não confio. — ela respondeu, honesta. — Mas eu não tenho escolha.
Eu poderia ter dito algo racional, calculado, político.
— Então deixe que eu tenha escolha por nós dois. — murmurei. — Consegue ir até a mansão esta noite para assinar o contrato?
— Eu...
— Vou mandar meu motorista te buscar.
— Que horas?
— 19h.
— Eu vou.
Fechei a tela e guardei o telefone no bolso. Pela primeira vez em semanas, algo dentro de mim se aquietou.
O dia passou diferente depois disso.
As reuniões fluiram.
Laura me observou com a cautela de quem sabe ler o que eu não digo.
— Ela aceitou, não foi?
Ela suspirou — o tipo de suspiro que se solta quando se sabe que a história ficou mais profunda do que o previsto.
— Então esse é o início?
— Leonardo… — Ela suspirou. — Só tome cuidado.
— Eu sempre tomo.
— Não com as pessoas.
Eu parei. Ela estava certa.
— Eu sei o que estou fazendo.
Às 18h56, eu já estava andando de um lado para o outro na sala principal da mansão. Não de terno, não no meu modo CEO. Camisa social, mangas dobradas, lareira acesa, não por efeito, mas porque a casa era grande demais quando estava vazia.
A campainha tocou às 19h.
Eu atravessei o corredor devagar, cada passo firme no chão de mármore.
Eu senti algo no peito. Algo vivo. Algo que eu não deveria sentir.
— Entre. — Minha voz saiu baixa, diferente até aos meus ouvidos.
A mansão sempre pareceu grande demais, cheia demais, silenciosa demais.
Camila parou no centro da sala, sem tirar o casaco, sem olhar os detalhes, sem se intimidar com nada.
— Posso tirar o seu casaco? — perguntei.
Ela hesitou por um breve segundo. O corpo dela pareceu querer recuar.
Então ela assentiu.
Me aproximei devagar, dando tempo para que ela respirasse, minhas mãos tocaram o tecido úmido, nunca a pele. Retirei o casaco com cuidado, como se ele fosse feito de algo quebrável.
Ela ficou de blusa, os braços cruzados, como quem se segura por dentro.
— Obrigada — murmurou.
— Quer algo quente? — perguntei. — Chá, café?
Ela pensou por um segundo.
— Chá.
Havia um mundo dentro dessa palavra.
Pedi ao mordomo que nos trouxesse duas xícaras
Quando a bandeja de chá foi colocada na mesinha de centro, eu lhe entreguei a xícara. Nossos dedos não se tocaram, mas o espaço entre eles sentiu.
Ela bebeu devagar. A xícara tremia um pouco, embora ela fingisse que não.
— Eu pensei muito — disse.
— Eu sei — respondi.
— Eu não tenho tempo, Leonardo. — Ela disse, e agora a voz dela tinha peso. — E eu não tenho escolhas. Só caminhos. E todos eles doem.
O silêncio ficou grande entre nós.
Não comemorei, não avancei e não toquei, apenas dei um passo na direção dela, lento, preciso, presente.
— Você não vai enfrentar isso sozinha.
Um músculo tremeu na mandíbula dela porque aquilo era a primeira coisa não-negociável que ela ouviu em muito tempo.
— Eu não quero depender de você. — Ela respondeu.
— Eu sei. — Minha voz saiu quase um sussurro. — Mas mesmo assim… eu estou aqui.
Eu caminhei até a mesa de centro, onde tinha deixado a pasta preta discreta no momento em que soube que ela viria. Não por estratégia, mas por respeito.
Camila me observou o tempo todo. Não com desconfiança, mas com certa vigilância. Como quem sabe que não pode se permitir baixar a guarda.
— O contrato foi preparado pela minha advogada Laura — expliquei, sentando-me sem abrir ainda o documento. — Ele é claro, direto, sem letras pequenas. Você tem direitos, acompanhamento médico completo, suporte psicológico, financeiro e jurídico. Tudo formal. Nada escondido.
Ela se aproximou devagar.
— Posso ler? — perguntou.
— Deve.
Entreguei o contrato nas mãos dela.
Ela sentou no sofá, as pernas cruzadas, os dedos deslizando pelas páginas. Camila lia como quem avalia uma guerra.
Depois de alguns minutos, ela levantou os olhos:
— Está justo.
— Está — respondi.
— E mantém minha dignidade.
Essa era a frase mais importante.
— Essa foi a primeira cláusula — respondi, firme.
Ela respirou fundo.
— Certo. — Ela fez um leve aceno. — Preciso de duas coisas confirmadas antes de assinar.
— E o que seriam?
— Primeiro, eu preciso de garantias de que não haverá interferência na minha vida pessoal fora do necessário para o pré-natal.
— Certo.
— Segundo: uma parte do dinheiro vai ser depositada na minha conta o mais rápido possível.
— Sem problemas.
— Tem uma caneta? — perguntou.
Eu me levantei e peguei uma das minhas preferidas, não pela beleza, mas pelo peso. Algo que lembra que decisões deixam marcas.
Sentei ao lado dela, mas uma aproximação exagerada, coloquei a caneta sobre o contrato aberto.
— Você pode assinar aqui — indiquei.
Ela pegou a caneta e assinou. Sem hesitação.
Eu assinei em seguida.
Quando a ponta da caneta tocou o papel pela última vez, senti o ar da sala mudar.
— A partir de amanhã, você já se muda aqui para a minha casa e começamos a etapa médica inicial — expliquei. — Você receberá o cronograma detalhado ainda hoje por e-mail.
Ela apenas fez um aceno afirmativo.
— Entendido.
Levantou-se.
— Se tiver alguma dúvida, pode me mandar mensagem ou falar diretamente com a Laura — finalizei.
— Certo.
Eu a acompanhei até a porta. Ela colocou o casaco e foi embora.
— Até amanhã, então. — disse.
— Até amanhã.







