Amélia Moreira
Acordei com uma latejante e insistente dor de cabeça, como se um martelo estivesse batendo dentro do meu crânio. Meus olhos, pesados e ardidos, mal conseguiam se fixar na claridade agressiva que invadia o quarto pela janela. Me espreguicei, soltando um bocejo arrastado. Ao virar a cabeça para o lado, para afundar o rosto no travesseiro e fugir da luz, congelei. Deitado serenamente ao meu lado, estava Inácio. Inácio! O irmão do marido da minha melhor amiga. No primeiro instante, o susto me atingiu como um choque elétrico. Mas então, a incredulidade deu lugar a uma curiosidade estranha. Ele parecia tão tranquilo, tão inocente em seu sono. Comecei a observá-lo, tentando entender por que ele estava ali, na minha cama. Mas, de repente, sem aviso, os olhos dele se abriram, focando nos meus, e um sorriso preguiçoso se espalhou por seu rosto. O susto foi tão grande que meu corpo deu um salto. — Caramba, Inácio! Você me assustou! O que você está fazendo na minha casa? O que você está fazendo na minha cama? — Exigi, minha voz um pouco mais alta do que eu pretendia, misturando choque e irritação. Ele sorriu, um sorriso malicioso que fez meu estômago embrulhar. Sem dizer uma palavra, ele se aproximou, sua mão deslizando pela minha cintura e me puxando para perto. — Ei! Desencosta! Tá maluco, é...? — Comecei a reclamar, tentando empurrá-lo, mas as palavras morreram na minha garganta. Meu cérebro finalmente registrou a sensação de ar na minha pele. Eu estava completamente nua. Como um raio, puxei o lençol até o pescoço, sentindo o rosto esquentar em brasa. A vergonha me atingiu em cheio, seguida por uma onda avassaladora de indignação. O que eu estava fazendo nua, com Inácio, o cunhado da minha melhor amiga, ao meu lado?! Olhei séria para ele, a sobrancelha erguida, tentando transparecer o mínimo de pânico. — Está bem. A gente transou? Seja direto, Inácio. Não sou ligada a enrolação — fui direta, minha voz gélida. Ele riu, um sorriso malicioso que não alcançava os olhos. — Talvez... — disse ele, deixando a frase pairar no ar, me provocando. — Estou falando sério, caramba! Responde! — O sangue fervia nas minhas veias. — Bom... você gemeu meu nome algumas vezes — disse ele, em um tom sério, que me deixou na dúvida se ele estava brincando ou não. A dúvida me corroeu. Levantei da cama, arrastando o lençol comigo, garantindo que minha nudez não fosse exposta. — Esquece. Eu vou embora. Onde estão as minhas roupas? — disse, olhando ao redor do quarto, que eu não reconhecia, procurando desesperadamente por minhas coisas. Inácio levantou-se, com uma facilidade irritante. Ao contrário de mim, ele estava vestido com uma calça moletom escura, mas sem camisa, exibindo o físico que eu, ironicamente, já tinha notado outras vezes. — Daqui você não sai — disse ele, sua voz rouca, quase um rosnado. Ergui a sobrancelha, um sorriso provocador e irritado nos lábios. — Ah, é? E quem vai me impedir, Inácio? Você? — Eu. Sou seu marido, e estou dizendo que daqui você não vai sair — disse ele, e num movimento que me pegou de surpresa, ele puxou um papel de algum lugar – de uma mesinha de cabeceira que eu não tinha visto – e o jogou na minha direção. Ao ouvi-lo falar "meu marido", uma gargalhada alta e histérica escapou dos meus lábios. Uma gargalhada de puro deboche e descrença, enquanto eu segurava o lençol firmemente. — O que é isso? — perguntei, ainda rindo, meus olhos fixos no papel que caiu no chão, ignorando-o por um segundo. Ele manteve a postura calma e fria, os olhos fixos nos meus. — Veja com seus próprios olhos. Ignorei o papel por mais um momento, lançando-lhe um olhar de puro deboche. — Olha, se passamos a noite juntos, é só falar, ok? Não vou surtar. Mas daí a dizer que é meu marido, já é demais, hein, querido? Qual é a piada? — disse com uma voz carregada de escárnio. — Não estou brincando! — disse ele, a voz agora grave e séria, sem um pingo de humor. — Aí está a prova, Amélia. Agora você é Amélia Moreira Hall, minha mulher — completou, e o 'minha mulher' soou como uma sentença. — Você só pode estar brincando comigo! Isso é uma piada doente! — disse, ajoelhando-me apressadamente para pegar o papel do chão. Comecei a lê-lo, e a cada linha, a cada palavra, a irritação se misturava à surpresa, depois ao pânico e, finalmente, a uma raiva escaldante. — Mas que porra é essa?! — gritei, meu olhar subindo do papel para ele. Ele se aproximou, parando bem próximo de mim, tão perto que eu podia sentir o calor do seu corpo. Inclinou-se, sua boca quase tocando meu ouvido, e sussurrou: — Isto é um contrato de casamento, docinho. Eu te disse que nos casaríamos em um mês, não disse? E aí, gostou? — disse ele, o tom de zombaria escorrendo em cada sílaba, um triunfo cruel em sua voz. Me afastei dele com um empurrão, chocada e incrédula. Aquilo não podia ser verdade. Era alguma armação, alguma brincadeira doentia da parte dele. Eu nunca me casaria com ele, e muito menos assinaria um contrato. Eu jamais assinaria aquele contrato por livre e espontânea vontade. A não ser que... — Você fez alguma coisa comigo, não foi?! Eu nunca assinaria isso por livre e espontânea vontade! Você me drogou, seu desgraçado?! — disse, a voz subindo em um crescendo de acusação. — Será mesmo? — disse ele, um sarcasmo cortante na voz, um brilho nos olhos que me dizia que ele sabia exatamente o que tinha feito. A raiva me dominou, explodindo dentro de mim. Sem pensar, desferi um tapa estalado em seu rosto. O som ecoou no quarto, e minha mão ardeu. Ele riu, massageando a bochecha. Uma risada fria, irritante. — Quer saber? Que se dane! Isso não vai me prender aqui, seu psicopata! — disse, dando um passo decidido em direção à porta. Ele me segurou pelo braço, com uma força que me surpreendeu. Olhei para trás e o encontrei de cara fechada, os olhos agora duros como pedra. — Me solta! — gritei, tentando me desvencilhar do seu aperto. — Me solta logo, Inácio! — completei, a voz cheia de ódio. Sua expressão era fria e impenetrável. Sem me dar tempo de reagir, ele me pegou no colo, como se eu fosse um saco de batatas. — O que você está fazendo?! Me solta, seu imbecil! — gritei, batendo freneticamente em suas costas e ombros. — Já falei que daqui você não sai — disse ele, caminhando em direção à cama e me jogando sobre ela com um pouco de força. O lençol que envolvia meu corpo se soltou no ar, me deixando completamente exposta, a vergonha e a fúria lutando dentro de mim. — Sai de cima de mim, agora! — disse entre os dentes, tentando a todo custo me soltar do seu aperto, empurrando-o com as mãos e os pés. — Não quero. Assim está bom — disse ele sorrindo, ignorando meus protestos. Em um movimento inesperado, usei toda a minha força e, com um impulso, acertei uma joelhada certeira em sua virilha. Ele soltou um gemido abafado, o corpo se curvando, e caiu ao meu lado na cama, gemendo de dor, as mãos entre as pernas. Me levantei de pressa, o coração batendo descontroladamente. Nesse instante, avistei uma blusa jogada no chão perto da cama. A peguei e a vesti correndo, sentindo um alívio mínimo ao cobrir meu corpo. — Argh... — gemeu Inácio, contorcendo-se. Olhei para ele, furiosa, um misto de satisfação e pavor. — Isso é para você aprender a nunca mais tocar um dedo em mim, seu doente! — disse, antes de sair do quarto como um furacão. Sem me importar com meu estado, com a blusa que mal me cobria, desci as escadas correndo. Cheguei até a porta da frente, mas quando tentei abri-la, descobri que estava trancada. Meus ombros caíram. — Aonde pensa que vai? — Inácio surgiu atrás de mim, a voz ainda um pouco rouca de dor, mas com um tom de controle que me fez ranger os dentes. Bufei irritada. Aquela ladainha já estava me tirando do sério. — Abre essa merda de porta e pare de ser tão repetitivo! Você não pode me manter aqui! — disse, minha voz vibrando de fúria e desespero. Ele negou com a cabeça, a expressão impassível.